
Existem relacionamentos que começam com amor e uma profunda intimidade emocional, mas, com o tempo, acabam se transformando em algo bem diferente. Você pode começar a perceber que hesita antes de tomar decisões por conta própria.
O humor da outra pessoa pode começar a ditar o seu. Talvez até se sinta culpado por querer espaço ou por estabelecer até mesmo os menores limites. As coisas que antes definiam quem você é, começam a desaparecer.
Isso não é apenas um caso de proximidade—é o que chamamos de emaranhamento. E não se trata apenas de relacionamentos românticos. Você pode vivenciar isso com um pai ou mãe que espera que você reflita suas emoções, um irmão ou irmã cujas necessidades sempre vêm antes das suas ou até mesmo um melhor amigo que faz você sentir que é responsável pelo bem-estar dele.
Quando as linhas entre você e outra pessoa ficam tão estranhas que você perde seu senso de identidade, o relacionamento deixa de ser uma verdadeira conexão e passa a ser algo do qual você não consegue se afastar—mesmo quando precisa.
Veja três sinais de que você pode estar em um relacionamento emaranhado e o que fazer para reconquistar seu senso de si mesmo.
1 – Você se sente como uma extensão da outra pessoa
Em um relacionamento saudável, duas pessoas se apoiam respectivamente, mas ainda mantêm suas identidades. No entanto, em um relacionamento emaranhado, você começa a se ver como uma extensão da outra pessoa—como se o seu papel fosse refletir as necessidades dela em vez de ter as suas próprias.
Com o tempo, suas escolhas começam a ser feitas automaticamente, influenciadas pelo que a outra pessoa quer, e não pelo que você realmente sente. Você ajusta seus sentimentos e atitudes de acordo com o humor dela, antecipa suas reações e coloca o conforto dela em primeiro lugar—mesmo que isso prejudique o seu próprio bem-estar. E, em algum momento, isso não parece mais um sacrifício; começa a se sentir normal.
Pesquisas publicadas no Journal of Mental Health and Addiction em 2022 ajudaram a explicar melhor como o emaranhamento e a codependência funcionam. Um modelo chamado CODEM revelou como esse tipo de dinâmica leva a confusão de limites, à perda de autonomia e à priorização das necessidades e emoções do outro em desfavor das suas.
Aqui estão alguns sinais disso em um relacionamento:
• Você reflete as opiniões, preferências ou metas da outra pessoa sem questionar se elas estão alinhadas com as suas.
• Você tem dificuldade para tomar decisões sem o auxílio da outra pessoa.
• As emoções dela parecem ser sua responsabilidade—se ela estiver chateada, você sente que precisa consertar.
Comece fazendo perguntas simples, mas poderosas, para si mesmo:
• O que eu realmente quero?
• O que eu penso sobre isso?
• O que me leva a ter essa opinião?
• O que estou sentindo agora?
Pratique tomar decisões pequenas e independentes—como o que comer, o que assistir ou como passar seu tempo livre—sem se preocupar com o que a outra pessoa preferiria. Essas pequenas mudanças ajudam você a se reconectar com sua própria identidade, passo a passo.
Recuperar sua identidade não significa afastar a outra pessoa—é sobre construir um relacionamento saudável, onde ambos são valorizados e podem ser quem realmente são. Conexões saudáveis são baseadas no equilíbrio, com apoio recíproco e respeito pela autonomia de cada um.
2 – Você reprime seus próprios sentimentos para evitar brigas
A comunicação aberta é fundamental para construir um relacionamento saudável, pois ela permite que as duas pessoas expressem seus pensamentos e sentimentos, mesmo quando discordam. Porém, em um relacionamento emaranhado, você pode se ver constantemente reprimindo seus próprios sentimentos para evitar brigas. Isso pode acontecer por medo de confronto ou pelo desejo de manter a harmonia a qualquer custo.
Em um relacionamento emaranhado, isso pode se manifestar da seguinte forma:
• Você sente ansiedade ou medo de uma briga e faz de tudo para evitá-la.
• Você concorda com a opinião ou desejo da outra pessoa, mesmo quando ele contradiz seus próprios sentimentos.
• Você evita levantar tópicos delicados, acumulando emoções não expressas.
Pesquisas publicadas na Current Opinion in Psychology mostram que a forma como os casais se comunicam durante as brigas é mais importante do que apenas o fato de discutirem ou não. Existem três fatores chave para entender como lidar com conflitos:
Tipo de comunicação: O conflito pode ser abordado de maneiras diferentes—algumas mais diretas, outras mais indiretas.
Impacto no relacionamento: A forma como você se comunica durante a discussão pode aproximar ou afastar o parceiro.
O contexto importa: O que funciona em uma situação pode não funcionar em outra. Por exemplo, abordagens diretas podem ser benéficas quando há um problema sério, mas se um parceiro se sentir inseguro, isso pode ser prejudicial.
Evitar brigas pode parecer a opção mais fácil, mas muitas vezes leva a problemas não resolvidos e distância emocional. Quando o conflito é ignorado, o ressentimento cresce, tornando mais difícil resolver os problemas mais tarde. Enfrentar os desafios juntos fortalece a confiança e a compreensão mútua, criando um relacionamento em que ambos se sentem valorizados.
3 – Você tem dificuldade em se afirmar no relacionamento
Em um relacionamento emaranhado, pode ser difícil expressar suas próprias necessidades, opiniões ou desejos. Você pode se ver constantemente priorizando o que a outra pessoa quer, evitando conflitos ou até se sentindo culpado por tentar se afirmar.
Pesquisas sobre autoestima mostram que, quando alguém não é seguro o suficiente, pode ser ignorado ou aproveitado. Por outro lado, se for excessivamente seguro, pode parecer agressivo e prejudicar a relação. Em um relacionamento emaranhado, estabelecer limites claros pode ser desafiador. Ao invés de pedir algo vago como “Preciso de um tempo”, diga: “Preciso de 30 minutos sozinha depois do trabalho.” Se o limite desagradar a outra pessoa, explique de forma calma: “Esse tempo para mim mesma me ajuda a ser uma parceira melhor.”
Equilibrar a autoconfiança é fundamental para manter tanto a conexão quanto a individualidade. Comunicar suas necessidades de forma clara e tranquila permite que você crie dinâmicas mais saudáveis, sem medo ou culpa.
Recuperando sua independência enquanto se mantém conectado
Libertar-se do emaranhamento não significa cortar laços—é sobre recuperar sua individualidade enquanto preserva a conexão. Comece com pequenos gestos de independência, como tomar decisões sem buscar aprovação ou passar um tempo sozinho de forma que seja confortável para você.
Gradualmente, essas mudanças reforçarão seu senso de identidade e facilitarão o estabelecimento de limites. Se isso for difícil, procurar ajuda profissional pode oferecer clareza e orientação para refazer os padrões do relacionamento. Uma conexão verdadeira só é possível quando ambas as pessoas podem ser inteiras e independentes, se apoiando sem perder sua essência.
• Mark Travers é colaborador da Forbes USA. Ele é um psicólogo americano formado pela Cornell University e pela University of Colorado em Boulder.