Acompanhando as noticias do Brasil na última semana e consequentemente o medo dos pais em mandarem os filhos para a escola revivi um sentimento que conheci bem quando me tornei mãe.
Com a chegada dos gêmeos, junto com o amor nasceu também o medo, sentimento que há pouco eu desconhecia. Descobri que aquilo que sentia quando o avião passava por uma área de turbulência era só uma reação natural do meu corpo, um friozinho na barriga. Medo, medo de verdade mesmo, nasceu como se fosse um trigêmeo que saiu da minha barriga com meus filhos. Aquele filho que não apareceu em nenhum ultrassom e que eu não pude prever.
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Nasceu o medo de perder, o medo de não estar aqui, medo de engasgarem, medo de não respirarem, medo de não falarem, medo do futuro. Medo de não saber, de não poder controlar.
Ainda hoje não consigo expressar bem o que senti. Pela primeira vez na vida, passei a ter meu coração batendo fora do corpo, caminhando pelo mundo, sujeito a tudo de bom e de ruim que por aí se encontra. Passei a conviver com uma parte de mim – diga-se de passagem a única da qual eu jamais poderia viver sem – com vontades próprias, que nem sempre coincidiriam com a minha, mas que eu teria que aprender a respeitar.
Percebi que a única forma de não correr o risco de perder, seria não amar. Toda vez que amamos nos colocamos em uma posição de extrema vulnerabilidade.
Aos poucos, percebi que ter filhos é o maior ato de coragem do mundo e fui aprendendo, dia após dia, a conviver com o tal do medo. Ele me tirou o sono mais do que qualquer um dos recém-nascidos. Mesmo quando eles dormiam, o medo de pararem de respirar seguia lá. Fez os desafios do parto e da amamentação parecerem brincadeira de criança. Em alguns dias ele andava grudado, em outros ele me dava uma trégua, mas ficava ali no canto me observando. Aos poucos, fomos criando intimidade e apesar de saber que ele existe, ele já não me persegue. Nossa relação ficou mais leve, ele já não me assombra, mas a cada febre sussurra no meu ouvido: “ei, eu ainda estou aqui”.
Não é engraçado alguém ter que nos lembrar de que, em caso de uma emergência, precisamos primeiro colocar a nossa máscara e depois a da criança ao nosso lado? Que impulso poderia ser maior do que a urgência de salvar aquelas pessoas da qual nossa existência depende?
Ontem uma amiga perguntou “quando isso acaba?”, e eu sei a resposta. Nunca. Nunca acaba. Quando deixar de ser medo de um psicopata invadir uma escola, será outro medo, depois outro e mais outro. Eu aprendi, com muita terapia, a coexistir com ele. Respeitar sua existência. Saber que ele existe por um motivo e que é a forma da natureza perpetuar nossa espécie. Que sintamos medo sim. Que saibamos que é um sinal de amor. Que é natural. Mas que ele não nos paralise. Que aprendamos a conviver com ele de forma saudável, que não deixemos de viver por causa dele. E o principal: que não nos faça privar nossos filhos de viverem.
Paula Drumond Setubal é advogada, mãe de gêmeos e produtora de conteúdo.
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