Em 2017, fui a trabalho para a Europa, numa viagem que durou 21 dias, e cometi um erro que denunciou meu pouco histórico com longas distâncias até então: levei malas maiores e mais pesadas do que eu poderia carregar. Vivi as consequências da minha falta de preparo durante toda a viagem. Uma das mais marcantes foi ter de decidir alugar um carro e percorrer 100 quilômetros sozinha, num país desconhecido, em plena madrugada, porque simplesmente eu não conseguiria pegar um trem carregando tudo o que havia levado. Acabei usando poucas roupas, deixando a maioria, amassada e difícil de acessar, no fundo das malas.
O saldo da viagem foi ótimo — incluindo a aventura de carro. Aceitei meu erro, ri de mim mesma e aproveitei a experiência. Mas o percurso poderia ter sido mais leve se eu tivesse ouvido, antes, alguém com mais experiência e levado apenas o necessário.
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Por sorte, não fiz o mesmo com minha empresa. Passei perto algumas vezes — e vira e mexe a cena das malas vem à minha lembrança. Respiro e olho em volta antes de fazer besteira. Considero um dos meus maiores acertos ter chegado até aqui com a bagagem que sou capaz de carregar nos ombros em uma emergência — embora, muitas vezes, isso soe menos glamuroso do que se eu tentasse pegar de uma vez todas as possibilidades que aparecem pela frente.
Preferi, a partir da experiência daquela viagem, usar malas resistentes e fáceis de manejar para levar os itens essenciais, que me proporcionam segurança, tranquilidade e liberdade para vivenciar a viagem e improvisar quando necessário. Se não estiverem perdidos entre montes de artigos sem importância, serão capazes de me fazer sentir mais leve.
Da mesma forma, procuro investir nos recursos essenciais para minha empresa funcionar de maneira saudável. Uma equipe qualificada, um escritório adequado, especialistas nas áreas de apoio. De vez em quando, percebo, no calor do momento, que faltou algo importante. Mas esta é a vida, a construção. Absorvo a lição e atualizo a bagagem.
Carregar apenas o necessário me libera para tomar decisões em uma viagem usando critérios mais apropriados para a situação. Por exemplo, ir de um destino a outro de carro, de avião, de ônibus ou de trem? O que vai determinar é o contexto, com base em fatores como distância, preço e tempo de trajeto. O importante é estar apta a utilizar qualquer uma das opções.
O mesmo vale para uma empresa. Ter uma estrutura fixa ajustada à realidade atual me permite ter a tranquilidade de tomar decisões pelos motivos certos. Trabalhar com clientes alinhados aos nossos princípios e que valorizam o investimento, por exemplo, é muito mais motivante do que precisar bater metas de vendas para pagar uma estrutura maior do que a necessária e com a qual, talvez, você tenha se comprometido precocemente.
Levar na mala apenas o essencial e o que é difícil de encontrar por aí abre espaço para o inusitado. Entulhar a bagagem de coisas, só porque “vai que preciso”, faz volume, pesa e, muitas vezes, não funciona. Se precisar de algo que possa ser comprado no caminho, deixe para decidir na hora. Se estiver leve, vai ser fácil fazer a parada. No caso da empresa, comprometer-se com recursos demais antes de ter a demanda pode tirar a flexibilidade e a agilidade.
A moral da história é: simplifique — suas malas, sua empresa. Nós, seres humanos, somos habituados a complicar e, ao nos deixar levar pela empolgação, pela pressa ou pela visão de outras pessoas, podemos criar uma bagagem pesada demais. Será preciso muito esforço para sair do lugar e sentir algum avanço. Então, resista à tentação e à ilusão do atalho. Coisas sólidas levam tempo para serem construídas. Vão se aprimorando com os erros que a experiência traz. Não se preocupe em “chegar lá” de uma vez, porque você pode se frustrar ao perceber que o “lá” não existe.
Ariane Abdallah é jornalista, autora do livro “De um gole só – a história da Ambev e a criação da maior cervejaria do mundo” e fundadora do Atelier de Conteúdo, empresa especializada na produção de livros, artigos e estudos de cultura organizacional.
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