Eu estava como observadora numa conversa entre executivos e executivas. Até que alguém fez uma pergunta para a qual claramente ninguém ali tinha a resposta. Em vez de dizer “não sei” e talvez arriscar uma solução inusitada, todos começaram a repetir o que já havia sido dito. Dar voltas, esticando um assunto já esgotado. “Isso já entendi, mas então o que vocês propõem?”, insistia quem questionava. Não havia propostas.
O que eu ouvia era blá-blá-blá.
E neste momento, ao perceber meu próprio pensamento, me desconectei da cena, peguei um papel e uma caneta e comecei a escrever à mão o rascunho do que seria o manifesto do Atelier de Conteúdo, empresa que eu criei há seis anos para ajudar pessoas — como aquelas que estavam à minha frente — a se comunicarem com mais verdade e consistência no ambiente corporativo.
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Porque a comunicação é parte fundamental de qualquer empresa. Não é à toa que Jeff Bezos criou o método que hoje está se difundindo em diversas organizações, de começar o trabalho pelo final (como contam os livros “A Loja de tudo”, de Brad Stone, e “Working Backwards”, de Collin Bryar e Bill Carr): por uma narrativa de “seis páginas apresentando suas ideias em prosa, pois Bezos acredita que isso estimula o pensamento crítico”, escreveu Brad Stone. “Para cada novo produto, eles redigem documentos no estilo de um release para a imprensa. O objetivo é descrever uma iniciativa proposta da mesma forma que um cliente ouviria pela primeira vez.”
Só é possível colocar de pé uma ideia que você consiga comunicar. Da mesma forma, uma ação para ser completa precisa ser entendida pelo seu público. Se não, ainda que seja da melhor qualidade, qual seu valor?
Compartilho a seguir o manifesto que escrevi naquele dia, com o intuito de incentivar um empreendedorismo (e sua comunicação) mais humano e menos “mais do mesmo”.
“Blá-blá-blá.
É isso que eu escuto quando você repete frases feitas, embaladas de discurso institucional.
Você pode argumentar o que quiser, mas comunicação não é institucional.
Comunicação é humana.
Você pode usar as palavras “organização”, “empresa” ou “companhia” como sujeito de suas frases, mas elas nunca o serão. Sujeito é gente. Quem fala, quem ouve, quem faz – ou deixa de falar, ouvir e fazer – é você. Sou eu. São os seres humanos. As pessoas.
E pessoas fazem instituições, mas não são institucionais.
Seres humanos falando como se fossem instituições faz ruído. Mas não comunica.
Pessoas se relacionam com pessoas.
Pessoas constroem. Questionam. Arriscam. Confiam.
E desconfiam. Experimentam. Erram. Decepcionam-se. Tentam outra vez.
Pessoas existem, e nós temos a certeza disso porque podemos olhar nos olhos delas. Ouvir sua voz. Porque têm emoção, e nós nos identificamos com elas.
Pessoas vivem e contam histórias.
Em vez disso, quando você adota o idioma ‘corporativês’, eu escuto menos o que diz, e observo mais o que faz.
Para onde você olha, o quanto escuta, como gesticula, que emoções transparece. O quanto acredita no que fala. Como se comporta. E tiro conclusões que pouco têm a ver com o seu discurso.
Você fala do que conhece?
Do que vive?
Você conta a parte que importa para mim?
Ou você só segue o roteiro?
Fala só o que acredita ser seguro?
Diz apenas o que já está dito?
Comunicação é o que você não fala. É o que tem por trás do que você fala. É por que e como você fala.
É o que eu escuto.
Comunicação é estratégia. Por isso, quem conhece a si mesmo se comunica melhor.
Vamos falar francamente?
O que você pensa? Quais são suas ideias?
Vamos falar de ser humano para ser humano?”
Ariane Abdallah é jornalista, autora do livro “De um gole só – a história da Ambev e a criação da maior cervejaria do mundo” e fundadora do Atelier de Conteúdo, empresa especializada na produção de livros, artigos e estudos de cultura organizacional.
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