De pronto, já respondo à pergunta do título. Para mim, a resposta é a mesma: empatia. Sou reconhecida por ser uma líder – e uma pessoa – empática. Mas, ao mesmo tempo, sofro pelo excesso desse sentimento. Hoje, fala-se muito de empatia como uma qualidade essencial para as lideranças e esse nunca foi um problema para mim. Sempre exerci com naturalidade. Mas o autoconhecimento me levou a concluir que isso pode me prejudicar em alguns momentos.
Da mesma forma que cuidado e preocupação com o próximo são a minha luz, algumas vezes o excesso desse cuidado também pode se transformar na minha sombra e afetar minha relação com o outro.
Como eu já contei em artigos anteriores, um dos meus maiores interesses é o estudo da CNV (Comunicação Não-Violenta), do psicólogo e autor norte-americano Marshall Rosenberg, que desenvolveu essa habilidade inspirado nas ações de grandes líderes como Martin Luther King Jr. e Gandhi. Sua premissa básica é desenvolvermos uma comunicação clara, humana e efetiva. Com isso, crescem nossas chances de sermos entendidos – e atendidos.
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Em julho de 2022, depois de muitas discussões e uma pesquisa com todos os colaboradores, o board da agência da qual faço parte decidiu que era hora de voltar ao escritório. Seriam duas vezes na semana para quem morasse em São Paulo. Para anunciar a decisão, marcamos uma reunião virtual e comuniquei: “Voltaremos ao escritório duas vezes na semana. É um convite. Não é mandatório”.
Assim como toda a humanidade, passamos por mudanças profundas ao longo dos últimos dois anos. Dentro da empresa e fora dela.
Para quem está no começo da carreira, como trainees e assistentes, é fundamental o acompanhamento de um profissional mais sênior, para que tenham a oportunidade de aprender observando. Estar presente é a forma mais eficiente de acompanhar o desenvolvimento desses profissionais e fortalecer a cultura que, na minha opinião, é sobre fomentar o crescimento e evolução das pessoas.
Além disso, os encontros presenciais facilitam a integração dos times, principalmente no mercado em que atuo, que teve índices altíssimos de turnover.
O fato é que, quando comuniquei a nova diretriz, continuei assim: “…não é mandatório, mas seria tão bom encontrá-los. Vai fazer toda diferença estarmos juntos…”
Imagine que, em poucas horas, o furdunço (não consigo pensar numa palavra melhor) foi instaurado.
“Se eu não vier nos dois dias, com certeza terá retaliação”.
“Prefiro mudar de emprego do que voltar ao escritório duas vezes na semana”.
“Será que na próxima reunião ela vai mudar para três vezes na semana?
A empatia permite ouvir – e ouvir leva à compreensão. Porém, existe um universo que se coloca entre o que eu falo e o que você vai (ou quer) entender. Ficou claro que, mesmo depois de tantos anos de prática e estudo, eu poderia ter sido mais direta e firme na forma de comunicar um assunto tão sensível. A CNV nos ensina a fazer o pedido com clareza, e o meu não aconteceu dessa forma.
Por medo de não parecer uma líder empática, alguém que estava genuinamente preocupada com a saúde mental das pessoas, acabei fazendo o oposto. Por isso, esta coluna também é um sincero pedido de desculpas pelo transtorno que causei.
A melhor ferramenta para derrubar um viés é construir novas experiências. E essa virou uma das minhas métricas de sucesso na carreira.
A cultura só se prova eficiente quando está viva nas pessoas. Chegou até mim que, pelos canais de comunicação, e até mesmo durante um happy hour da equipe, alguns colaboradores ironizaram minha atitude. “Você não está usando a CNV” ou “você deixou a violência em casa hoje?”, disseram. Alguns vieram me contar o que ouviram, com medo que eu fosse ficar chateada. Pelo contrário. Na minha visão, o fato de algumas pessoas da equipe trazerem a CNV para a mesa do bar é métrica de sucesso: eles estão falando desse assunto tão importante para mim.
Não coloque suas frustrações em uma mensagem numa garrafa, esperando que alguém um dia vá te ajudar. Em vez disso, procure identificar seus sentimentos e localizar sua necessidade. Assim, ao fazer um pedido, você certamente vai ter mais clareza.
Entendi que a minha necessidade poderia, sim, ser atendida, mas para isso eu teria que equilibrar a maneira como eu exercito a empatia. Eu poderia ter dito: “Voltaremos ao escritório duas vezes na semana. A presença de todos os que moram em São Paulo é imprescindível. E, se alguém tiver uma questão particular, é só me procurar.”
Com esse episódio, aprendi uma lição importante de autoconhecimento e que precisarei ficar bastante atenta, pois só aquilo que não conhecemos pode nos dominar.
“O que eu quero na minha vida é compaixão, um fluxo entre mim e os outros, baseado em uma doação mútua do coração.” Marshall B. Rosenberg
Luciana Rodrigues é CEO da Grey Brasil, conselheira do board da Junior Achievement, membro do conselho da Iniciativa Empresarial pela Igualdade e do comitê estratégico de presidentes da Amcham. Também é aluna de pós-graduação em neurociências e comportamento.
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