Trabalhar somente quatro dias na semana, mas ser pago como se tivesse trabalhado cinco? Isso pode parecer bom demais para ser verdade. Entretanto, uma nova pesquisa mostra que isso é, sim, possível: mais de duas dúzias de empresas que instituíram a semana de trabalho de quatro dias em um projeto piloto tiveram aumento nas vendas, menos burnout e menor ociosidade de seus funcionários, descobriu um novo estudo.
O relatório, publicado na última quarta-feira (30), foi conduzido por pesquisadores nas Universidades de Boston, de Dublin e de Cambridge e acompanhou trabalhadores em um pequeno projeto piloto. As companhias envolvidas nele divulgaram que suas receitas cresceram 8% durante o período do estudo, os níveis de sobrecarga caíram, assim como o tempo de licença pessoal ou por doença diminuiu.
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“Os resultados são realmente impressionantes”, diz Juliet Schor, professora da Universidade de Boston envolvida na pesquisa, a qual avaliou 33 empresas nos Estados Unidos e na Irlanda, além de uma com sede na Austrália. É importante destacar que alguns dos funcionários de 27 das 33 companhias estão espalhados pelo mundo. “Vejo esse tipo de experimento como uma prova de um movimento. Ele mostra que as empresas podem ter sucesso com esse tipo de rotina e regime de trabalho.”
O estudo também analisa os resultados de vários experimentos piloto que foram coordenados pelo grupo 4 Day Week Global, o qual apoia que funcionários trabalhem 80% de suas cargas horárias originais enquanto são pagos o mesmo salário e continuam com as mesmas responsabilidades e tarefas. A professora da Universidade de Boston afirma que, apesar do grupo ter recrutado as companhias para a pesquisa e ter auxiliado na produção do relatório final, ele não esteve envolvido na coleta ou na análise dos dados, além de ter sido financiado por doadores independentes.
A pesquisa das universidades levaram em conta o relatório intermediário do programa do 4 Day Week Global no Reino Unido, bem como o crescimento do interesse e de preocupações relacionadas à saúde mental e burnout, o aumento de horas trabalhadas por conta das tecnologias e a mudança do equilíbrio entre vida pessoal e trabalho pós-pandemia. Ao mesmo tempo, as transformações geracionais e um mercado de trabalho com menor oferta de trabalhadores, junto de outros fatores, têm dado mais poder aos funcionários.
“A combinação de empregados cumprinco demandas excessivas com a pandemia dificultou entregar a quantidade de trabalho esperada delas”, diz Schor.
O grupo sem fins lucrativos 4 Day Week Global foi lançado por Charlotte Lockhart e Andrew Barnes, empreendedora que instituiu uma semana de trabalho de quatro dias na sua empresa na Nova Zelândia, a administradora de patrimônios Perpetual Guardian, e criou uma plataforma para aqueles interessados nesse novo regime de trabalho.
Lockhart afirmou, em uma entrevista, que ela é comumente questionada se espremer as demandas de trabalho em quatro dias por semana não vai sobrecarregar ainda mais os trabalhadores. No entanto, acredita que as descobertas recentes ajudam a demonstrar que isso não acontece. Há uma maior produtividade ao cancelar reuniões desnecessárias, reorganizar as tarefas e cortar tempo que seria desperdiçado no trabalho. “Acredito que os resultados [das pesquisas] vão reafirmar o que Andrew e eu temos dito todo esse tempo.”
Lockhart pontua que os resultados completos do programa piloto no Reino Unido devem ser divulgados em fevereiro do próximo ano, iniciativa que teve suas descobertas intermediárias divulgadas no último mês de setembro e envolveram 70 empresas.
O programa piloto nos Estados Unidos e na Irlanda, que incluíram 903 funcionários das empresas participantes, 495 dos quais responderam aos questionários dos pesquisadores, é pequeno. Apesar disso, ele traz uma amostra de como os trabalhadores se comportam com esse regime de trabalho: maior controle de suas rotinas, maiores níveis de produtividade e uma melhor perspectiva de como estavam performando em seus empregos.
Schor é cautelosa ao dizer que, enquanto a melhora do bem-estar dos trabalhadores tem plausível conexão com o modelo de trabalho de quatro dias por semana, ainda não é claro se os resultados das companhias, como o aumento das receitas, podem ser atribuídos às menores horas de trabalho. Muitas delas são empresas pequenas que já estavam crescendo rapidamente, além da pesquisa ter só um empregado por empresa como o “grupo controle” que continuou com a sua carga horária original.
Nenhuma das 27 companhias que participaram do programa reportaram que planejam interromper essa forma de trabalho, divulgou a pesquisadora da Universidade de Boston – a qual já estudou sobre as longas horas de trabalho nos Estados Unidos desde os anos 1990. “Não estou afirmando que todas as empresas podem ter sucesso imediato com esse modelo. Mas, acho que ele vai ser viável para um maior número delas.”
Os fundadores do movimento que defende uma semana de trabalho de quatro dias argumentam que, mesmo com uma desaceleração nas contratações, demissões em massa e temores de uma recessão, eles vêem um interesse crescente no modelo, inclusive de maiores empresas que não estavam tão envolvidas nos experimentos iniciais. A Unilever, por exemplo, divulgou recentemente que iria expandir o teste de quatro dias de trabalho na semana na Nova Zelândia e na Austrália após esses resultados encorajadores.
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“Mesmo com uma economia devagar, estamos vendo um mercado de trabalho com menor oferta”, diz Barnes. “Um modelo de trabalho de quatro dias por semana que requer um semelhante nível de esforço dos trabalhadores pode auxiliar no aumento do foco e da produtividade e reduzir os custos de transporte dos empregados e energia, bem como o dinheiro gasto por conta da inflação.”
“Não somos mais os malucos nesse ramo”, afirma Lockhart. “A conversa parece ter mudado da perspectiva de se devemos reduzir as cargas horárias de trabalho para como podemos reduzi-las.”