Ele passou tranquilo em provas de pós-graduação em instituições de prestígio nos Estados Unidos e conseguiu uma vaga para trabalhar como engenheiro de software no Google. O ChatGPT é o assunto do ano. A plataforma de inteligência artificial criada pela empresa OpenAI se tornou o aplicativo com crescimento mais rápido da história ao atingir 100 milhões de usuários ativos em janeiro, apenas dois meses após seu lançamento. “Não é casual a adesão espantosamente rápida, dentre todas as adesões desde que a internet e seus rebentos tiveram na sociedade”, diz a pesquisadora Lucia Santaella, coordenadora da pós-graduação em tecnologias da inteligência e design digital da PUC-SP.
O que está por trás é a tecnologia de linguagem GPT-3.5 – um grande modelo de inteligência artificial feito pela OpenAI que foi treinado com uma enorme quantidade de dados de texto de diversas fontes e, no momento, domina discussões sobre o futuro do trabalho – e dos trabalhadores.
O ChatGPT já conseguiu gerar um código Python intrincado e escolher ações de acordo com a estratégia do investidor Warren Buffet. Isso aumentou as preocupações de que essa tecnologia possa substituir profissionais como jornalistas ou programadores no futuro. O site BuzzFeed anunciou que vai usar o ChatGPT para criar conteúdos, como seus questionários, e ajudar no brainstorming. Por enquanto, a ferramenta não será usada para escrever notícias. E isso fez com que as ações da empresa disparassem mais de 150%.
Finalmente temos uma aplicação da inteligência artificial capaz de ameaçar carreiras? Essa é a pergunta do momento.
Plataforma está aprendendo
Como é uma tecnologia muito nova, o ChatGPT ainda está aprendendo a responder e a pesquisar. E essa talvez seja outra vantagem de usá-lo desde já: as respostas serão melhores à medida que as perguntas forem melhor elaboradas. “Nosso pensamento é complexo e nem sempre conseguimos comunicar tudo o que sentimos e pensamos. Inteligência artificial pode nos ajudar a traduzir o que pensamos e sentimos em palavras”, diz Fabiana Raulino, consultora em inovação em educação corporativa..
Esse bot que conversa tão bem pode ser, na verdade, uma ferramenta importante na carreira. Além das maneiras mais óbvias de ganho de tempo, como criar respostas de emails por você, fazer pesquisas ou compor textos de relatórios, o ChatGPT pode nos ajudar a nos relacionar melhor com colegas ou nos comunicarmos de um jeito mais empático como líderes. “As plataformas de comunicação digital sobrecarregaram os profissionais e, muitas vezes, damos respostas secas, curtas ou diretas demais porque não levamos tempo para pensar no que estamos escrevendo”, diz Raulino.
Basicamente, o ChatGPT pode fazer um filtro para que nossa comunicação não soe rude ou desleixada para quem está recebendo – quando na verdade era só pressa. Se você souber o que vai pedir, pode ser um bom aliado na Comunicação Não-Violenta. “Quando olhamos para o passado vemos que quem lutou contra as revoluções ficou para trás, e quem teve sucesso foi quem abraçou”, diz Adriano Almeida, COO e cofundador do Grupo Alura, empresa de educação em tecnologia.
Listamos aqui algumas aplicações que podem fazer a diferença no seu dia a dia – e deixar tempo livre para outras tarefas que só você pode desempenhar.
1. Melhorar as trilhas de educação corporativa
Hoje, as plataformas de educação corporativa criam “trilhas de aprendizagem”, ou seja, maneiras de compor a educação online e digital de forma que pessoas com diferentes níveis de educação e de conhecimento possam aprender sem a necessidade de um professor online. Você pode começar pelo vídeo básico e ir subindo um degrau, mas só vai ter à disposição o que já foi gravado ou escrito dentro da plataforma (além de possíveis mentorias e aulas ao vivo).
Com o ChatGPT ao lado, é possível ir fazendo perguntas – com respostas mais complexas à medida que o aluno vai aprendendo sobre determinado assunto. “Ele dá respostas simples para perguntas simples e respostas complexas para perguntas complexas. O mediador pode ajudá-lo a acompanhar a triha do aluno”, diz Raulino.
2. Aprender a fazer melhores perguntas
Mesmo que você não esteja em um curso online, aprender a fazer boas perguntas é uma qualidade importante no mundo do trabalho. Tem profissionais que praticamente são pagos para problematizar – e isso pode ser aperfeiçoado com o ChatGPT. “Trata-se agora de uma máquina que quer conversar, que quer se passar por gente”, diz Santaella.
Fazer as perguntas corretas, seja em uma negociação, seja em uma reunião com fornecedores ou com sua equipe, é uma habilidade que pode ser treinada com a IA. À medida que usar a ferramenta, vai perceber que ela dá melhores resultados quando você entende como deve perguntar. Ou seja, entende melhor a pergunta e, assim, pode responder. Da mesma forma, às vezes não conseguimos boas respostas em nossa interação com humanos porque não perguntamos da maneira adequada. Usat o Chat GPT para resolver questões é uma maneira de desenvolver a habilidade de perguntar.
3. Desenvolver uma comunicação mais empática
Empatia é a palavra mais importante para as lideranças no mundo pós-pandemia. As pessoas não estão mais separando vida pessoal e profissional como antes – até porque boa parte delas está trabalhando de casa; diversas gerações convivem entre as mesmas divisórias e o estilo de liderança top down do passado vem sendo colocado em xeque.
Na hora de dar feedback para um colega ou deixar claro para o chefe que ele passou dos limites, peça ajuda ao chat. Ele ajuda a trocar conversas difíceis por palavras mais suaves e pode melhorar não apenas seu relacionamento com os pares, chefes e subordinados, mas também a conseguir os melhores resultados de todos. Esse, aliás, é um dos princípios da Comunicação Não-Violenta (CNV).
Um exemplo de pergunta que fizemos ao ChatGPT:
Pergunta:
“Me ajude a escrever esse e-mail de forma que eu não me prejudique e não seja mal interpretada
Oi pessoal, gostaria de dizer que essa ferramenta de avaliação de clima organizacional está sendo terrível para nós. O anonimato é essencial para que possamos nos sentir seguros e compartilhar com transparência o que nos incomoda. Colocar o CPF não faz sentido. E, em times pequenos, escolher alguém para criticar é um problema. Revejam isso. Pagamos uma fortuna e não estamos tendo dados que ajudam. Queremos ou não saber onde melhorar? Se não for de verdade, melhor não fazer.”
Trecho da sugestão do Chat GPT para esse email:
“Olá a todos,
Espero que todos estejam bem. Gostaria de compartilhar minha perspectiva sobre a ferramenta de avaliação de clima organizacional que estamos usando. Acredito que o anonimato é fundamental para que possamos ter uma discussão aberta e sincera sobre nossa percepções e opiniões sobre o ambiente de trabalho. Por este motivo, acho que a inclusão do CPF não é necessária e pode prejudicar a transparência das respostas. Além disso, em equipes menores pode ser difícil escolher alguém específico para ser criticado.”
4. Ajudar na preparação para apresentações e eventos
Se você vai fazer uma palestra em um evento que nunca participou ou quer novos insights para levar algo diferente nos eventos que já frequenta, o Chat GPT pode ajudar a criar um roteiro usando informações sobre palestrantes anteriores, assuntos já abordados e público presente.
Lembre-se que a pesquisa feita nele vai ser mais eficiente que a do Google pois é direcionada para seu objetivo específico e, quanto mais você perguntar, mais elaborada será a pesquisa. “Ele aprende rápido. Então você pode ajudá-lo a responder melhor com o tempo”, diz Raulino.
5. Fazer análise de dados
Por ser uma plataforma inteligente, o ChatGPT pode ser treinado para realizar análises de dados, identificar padrões e fornecer insights para ajudar na tomada de decisões. Você pode falar para o bot dados de respostas de clientes ao longo dos anos, por exemplo, e perguntar sobre padrões ou mudanças no comportamento. Aquele relatório que exigia dias de trabalho pode ser feito em menos tempo se você dedicar um tempo às perguntas.
Mas esse serviço ainda é bem limitado porque não é possível fazer upload de dados (como uma planilha do Excel, por exemplo), além de qualquer informação em texto nessa versão. Você terá que se restringir às perguntas e, para isso, terá que fazer uma pré-análise.
Outros usos possíveis do ChatGPT
- Criar legendas simples para as redes sociais – (de preferência aquelas que só contenham informações, nada muito elaborado ou com emoções).
- Traduzir documentos
- Automatizar o atendimento ao cliente, com respostas a perguntas frequentes e solução de problemas simples
Os limites da inteligência artificial e do ChatGPT
Duas de suas limitações importantes é que a base de conhecimento termina em 2021 e, pelo uso em massa, a plataforma está constantemente sobrecarregada na versão gratuita (a paga custa US$ 20 mensais).
Mais: o ChatGPT pode automatizar algumas das tarefas realizadas em trabalhos analíticos, mas isso não significa que esses profissionais vão se tornar dispensáveis. A ferramenta não tem habilidades como pensamento crítico, planejamento estratégico e resolução de problemas complexos. Isso ainda é um privilégio de nós, seres humanos.
A maioria dos especialistas concorda que não é provável que as ferramentas baseadas em aprendizado de máquina sejam capazes de realizar essas funções no mesmo nível que os humanos tão cedo. “Seus textos não apresentam pessoalidade marcada, metáforas, ironia para bons entendedores, fontes de referência explicitadas, senso comum, contextualização”, diz a pesquisadora em semiótica Lucia Santaella.
Ou seja, apesar de ter sido proibido por instituições de ensino em diversos países, um profissional que tem experiência em análise de texto, sabe distinguir uma redação complexa feita por um aluno de um texto correto por esse bot. “O legal do Chat GPT é usar como ferramenta mesmo e não como um substituto da gente. Porque, aí, ele não vai bater nossas capacidades mesmo. Embora ele tenha redes neurais como o ser humano, nossa criatividade não o deixam equiparável, estamos longe”, diz Fabiana Raulino.
Mas o ChatGPT pode ou não acabar com meu emprego?
Em funções mais complexas, o ChatGPT elimina partes simples do trabalho. Isso afetará programadores de computador e software, analistas de dados, uma série de trabalhos de mídia e marketing, professores, e consultores financeiros, reduzindo uma parte das funções que exigem menos pensamento crítico e mais trabalho braçal e repetitivo. Mas as organizações ainda vão precisar de pessoas que sejam especialistas nesses campos.
A inteligência artificial pode, na verdade, criar empregos. Um relatório do Institute for the Future em parceria com a empresa de tecnologia Dell prevê que 85% dos empregos que estarão disponíveis em 2030 ainda não foram inventados. O Fórum Econômico Mundial também prevê que, embora trabalhos sejam perdidos para a IA, a longo prazo, vai levar ao crescimento do emprego.
Possivelmente, o ChatGPT vai precisar de mais gente por trás de suas respostas para acrescentar o lado humano nas tomadas de decisões, soluções de problemas, liderança, estratégia e formação de equipes. E os empregos criados costumam ser mais técnicos, criativos e altamente qualificados – o que pode significar formação mais avançada e, talvez, melhores salários. “Quatro anos atrás, por exemplo, não existia tech recruiter, recrutador focado em tecnologia, ou pessoas trabalhando com people analytics, por exemplo”, diz Almeida, do Grupo Alura.
Como ser um profissional relevante na era da IA?
No caso do marketing, por exemplo, as empresas agora podem usar a tecnologia para criar textos de publicidade, e-mails, postagens em mídias sociais e conteúdo para sites. Mas o chat apenas reproduz algo que está na sua base de dados – não é capaz de criar algo original da mesma forma que os humanos.
Então, se você é um profissional acostumado a trabalhar de um jeito rotineiro, pode ter motivos para se preocupar. Aqueles que são capazes de trazer qualidades verdadeiramente humanas não têm muito a temer neste momento.
Aprenda a usar essa e outras novas tecnologias como ferramentas de trabalho e no dia a dia. “As pessoas que estão dentro da organização precisam acompanhar as novidades para ter diferenciais e entregar os melhores resultados”, diz o cofundador da Allura.
Se aprofunde no seu nicho, desenvolva outras habilidades e foque em áreas em que você tem maior potencial de se destacar – habilidades subjetivas e humanas, como as soft skills. Além disso, faça perguntas: os computadores só respondem, mas não conseguem demonstrar curiosidade, uma das habilidades mais importantes para qualquer carreira.