Vou começar por uma confissão. No começo da carreira, eu tinha receio de grandes mudanças. A zona de conforto se chama assim porque ela é confortável mesmo. Para sair dela, é necessária muita motivação, vontade de descobrir, coragem para se arriscar. Apesar de ter experimentado mudanças de universidade e empresas, a verdade é que passei minha vida de solteiro praticamente na mesma casa, com meus pais. Mudei de vaga algumas vezes e conquistei promoções, mas nos primeiros 10 anos da minha jornada profissional vivi sempre na mesma cidade, em São Paulo.
Cheguei a me iludir que poderia continuar assim, até que um dia veio um empurrão. Numa conversa com meu chefe, entendi que não poderia mais crescer se não aceitasse sair do Brasil. A ideia de morar fora do Brasil me assustava. Eu já estava casado, e minha esposa se assustava ainda mais, pois sua mãe tinha sérios problemas de saúde. Além disso, estava grávida do nosso segundo filho. Como assim deixar os netos longe dos avós? Essa decisão iria mudar nosso futuro e, como sempre, tinha que ser tomada em família.
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Após muita conversa, entramos no consenso de que, por mais difícil que fosse, embarcaríamos nessa jornada, mesmo que com algumas lágrimas nos olhos. Nesse primeiro momento, foi crucial demonstrar minhas vulnerabilidades à minha família, pois eu também tinha receios e medos, e assim criamos um ambiente seguro de acolhimento e respeito, em que todos abraçaram a aventura de forma positiva. Fizemos as malas e fomos pra Venezuela!
Jamais poderia imaginar que essa seria uma das melhores decisões das nossas vidas. Se brotaram lágrimas quando fomos, mais lágrimas ainda vieram quando soubemos, depois de três anos fora, que voltaríamos ao Brasil. O medo virou paixão. Paixão por mudar, experimentar, aprender. Desde essa primeira mudança, a cada três anos mudamos de país. Enquanto algumas crianças (como foi o meu caso) têm medo de mudar de escola, meus filhos chegaram aos 18 anos passando por sete escolas em cinco países, falando três línguas. Transformamos a mudança numa cultura da família. Construímos uma planilha com os 500 lugares que queremos conhecer. O último é o espaço sideral. Será que vai dar?
Esse estilo de vida me ensinou muito sobre adaptação, resiliência e curiosidade, e meus filhos enxergaram antes de mim que todo movimento era uma oportunidade de ser uma pessoa melhor. Duas histórias deles me marcaram muito. A primeira foi quando chegamos no Peru. Na escola da minha filha havia várias panelinhas, mas, sem saber disso, ela fez amizade com todas. De repente, as patotas se desfizeram. As mães e pais não acreditavam. A mudança constante elimina preconceitos, nos torna melhores cidadãos. Já a segunda aconteceu quando soubemos que sairíamos do Peru para outra aventura. Fiquei ainda mais impressionado com o comentário do meu filho, que, na sabedoria dos seus 11 anos, me disse: “Legal, pai, mais uma chance de trabalhar na minha personalidade”. Ele estava me dando uma aula do que chamamos hoje de “growth mindset”, ou mentalidade de crescimento. A atitude de sermos sempre protagonistas e aprendizes. Quanta coisa aprendo com meus filhos!
Novos caminhos representam possibilidades de aprender mais e desenvolver habilidades. Essa história toda me transformou na pessoa que sou hoje. Ensinou muito sobre como enfrentar crises, como transformar uma organização, como promover mudanças. Jamais estaria pronto para ser um líder se não tivesse enfrentado esses desafios.
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Viver, ver e ouvir diferentes culturas, diferentes organizações, te torna mais inclusivo, aberto e preparado para enfrentar dificuldades. Aprendi que demonstrar empatia com todos que estão à sua volta e que serão impactados é essencial; só assim é possível criar conexões verdadeiras que resultam em grandes parcerias e aliados. Já assistiram ao maravilhoso filme “Divertidamente”? É justamente sobre isso.
Hoje, quando olho para trás, vejo que as melhores decisões da minha vida vieram com as mudanças. Sou grato à minha família, que aceitou encarar essa vida junto comigo. Todos na mesma perspectiva, um sendo apoio para o outro, o que deu segurança e estabilidade para desempenhar o meu melhor.
É claro que nem sempre é fácil. Eu precisei de um empurrão da empresa para abraçar as oportunidades dos novos ares. A sensação é igual à de pular de paraquedas. Aquele frio na barriga. Você se prepara para a queda, mas sabe que precisa de um primeiro incentivo, um impulso do instrutor, e aí é abrir os braços e curtir o mundo novo que se descortina. Quem sabe este texto é o empurrão que você precisa para abraçar uma mudança na sua vida?
*André Felicíssimo, presidente da P&G Brasil
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