Há algumas semanas tive que organizar um chá de bebê e inicialmente achei que seria muito complicado. Nunca organizei eventos, não sou exatamente uma pessoa festeira e, tendo trabalhado em revistas, sei que produtores, em geral, têm os mais variados motivos para se estressar e colocar em prática a capacidade de improvisar.
Mas encarei o desafio e rapidamente me dei conta de que estava usando as ferramentas que aprendi com o jornalismo: identificar os temas estruturais a serem resolvidos (nesse caso, comes e bebes; onde sentar; como se proteger da chuva), eleger especialistas nesses temas para darem dicas e indicarem fornecedores e dedicar atenção às minúcias do que foi combinado com cada um para prevenir problemas que poderiam ser evitados com planejamento.O chá foi um sucesso: o ambiente estava agradável e descontraído; as pessoas consumiram e elogiaram o cardápio; todos estavam bem acomodados; e pouco tempo depois do final da festa, tudo já estava ajeitado. Então, me dei conta do quanto o jornalismo me ensinou a empreender – seja uma festa, seja uma empresa.
O trabalho de repórter consiste, muitas vezes, em se ver diante de um tema desconhecido sobre o qual será preciso escrever – com detalhes técnicos, claros e inteligíveis para leigos e especialistas – alguns dias ou semanas depois. Em pouco tempo e mais instintivamente do que por método, costumamos traçar uma estratégia para imergir no assunto, identificar os pontos estruturais, aprofundar o conhecimento neles por meio da experiência de outras pessoas, e voltar à superfície com a capacidade de não só entender, mas explicar o que foi pesquisado. Quando desenvolvida, essa capacidade pode ser aplicada a quase tudo. Torna-se uma vantagem competitiva, um cortador de caminho legítimo para o conhecimento e a execução de tarefas em velocidade acelerada.
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Compartilho a seguir as principais lições do jornalismo que me ajudam no mundo dos negócios.
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Getty Images 1. Não ache, apure
A base do jornalismo é a busca pelos fatos. Pelo que é objetivo e pode ser comprovado. Aprendi com a profissão a não gastar muito tempo com achismos, opiniões infundadas, quando posso pesquisar, perguntar para os especialistas e descobrir informações confiáveis. Informe-se sobre o que é possível se informar. Depois, sim, considere os pontos de vista subjetivos, faça sua reflexão e análises para amarrar as pontas de acordo com o contexto. Tornei-me uma jornalista que gosta e respeita muito os números – do lucro da empresa à quantidade de entrevistados ou de caracteres na produção de um livro. Parâmetros da realidade são um excelente ponto de partida para as decisões que fazem parte do dia a dia empreendedor.
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Getty Images 2. É possível acessar qualquer pessoa
Está certo que algumas é improvável que consigamos, mas possível, é. Muito depende de ter um motivo suficientemente convincente, contatos que possam, ainda que pouco a pouco, construir uma ponte, e paciência para aceitar que provavelmente não será no tempo que você quer. Como jornalista, eu acredito nisso e já estive com muita gente que, inicialmente, parecia impossível. Como empreendedora, aprendi que as relações genuínas e bem construídas são uma das forças mais importantes para a criação e evolução de um negócio. Clientes, parceiros, equipe – por que não sonhar alto e buscar estar perto daqueles que acredita serem as melhores pessoas para construir junto?
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Getty Images 3. São muitos nãos para cada sim
Repórteres acostumam-se a pedir, explicar, insistir por uma entrevista ou informação. Com isso, a tendência é desenvolver a resiliência – característica fundamental para quem quer empreender. Jornalistas e empreendedores precisam se acostumar a ouvir “não” sem se abater – provavelmente, muito mais do que “sim”. Desistir não costuma ser uma opção para quem precisa preencher uma página ou sustentar um negócio. Se não deu de um jeito, tentamos de outro, com criatividade e disposição.
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4. Respeitar prazos é fundamental
Claro que nem tudo precisa ser encarado como se estivesse escrito em pedra, mas como regra, ajuda muito ter a disciplina de cumprir prazos – o que o jornalista aprende na prática, porque jornais e revistas têm data para ir para a gráfica, assim como sites precisam cumprir suas grades de notícias. Projetos que não saem do papel desmotivam os times, criam uma cultura de procrastinação, abalam a confiança das pessoas na própria capacidade de execução. A conclusão de um trabalho no prazo combinado, ao contrário, gera satisfação, sensação de dever cumprido, de superação, aumenta a autoconfiança dos envolvidos. Nas redações, eu costumava ouvir: “Matéria boa é matéria publicada”. O mesmo vale para os negócios. Contratos bons são os que foram fechados; e trabalhos bons são os entregues.
1. Não ache, apure
A base do jornalismo é a busca pelos fatos. Pelo que é objetivo e pode ser comprovado. Aprendi com a profissão a não gastar muito tempo com achismos, opiniões infundadas, quando posso pesquisar, perguntar para os especialistas e descobrir informações confiáveis. Informe-se sobre o que é possível se informar. Depois, sim, considere os pontos de vista subjetivos, faça sua reflexão e análises para amarrar as pontas de acordo com o contexto. Tornei-me uma jornalista que gosta e respeita muito os números – do lucro da empresa à quantidade de entrevistados ou de caracteres na produção de um livro. Parâmetros da realidade são um excelente ponto de partida para as decisões que fazem parte do dia a dia empreendedor.
Ariane Abdallah é jornalista, autora do livro “De um gole só – a história da Ambev e a criação da maior cervejaria do mundo” e fundadora do Atelier de Conteúdo, empresa especializada na produção de livros, artigos e estudos de cultura organizacional.
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