Atleta, ativista e empreendedora. Depois de cerca de duas décadas de carreira e uma trajetória na seleção feminina de futebol dos Estados Unidos que inclui a conquista de duas Copas do Mundo, em 2015 e 2019, uma medalha de ouro olímpica, em 2012, e a histórica igualdade de pagamentos para homens e mulheres na modalide depois de uma longa batalha na justiça, Megan Rapinoe se aposenta este ano. “Me sinto extremamente grata por ter jogado por um longo tempo, ter feito parte do sucesso da seleção e de uma geração de jogadoras que, sem dúvida, deixaram o jogo melhor do que o encontraram”, afirmou.
A atacante de 38 anos, que joga pelo clube americano OL Reign desde 2013, anunciou no início de julho que iria pendurar as chuteiras ao final da temporada 2023 da NWSL, a liga feminina de futebol dos EUA. Seu último jogo diante da torcida do OL Reign será em 6 de outubro, contra o Washington Spirit.
“Jogar uma última Copa do Mundo e uma última temporada da NWSL e sair nos meus próprios termos é incrivelmente especial”, disse Rapinoe. Ela foi a segunda jogadora mais bem paga da Copa feminina, faturando US$ 7 milhões (R$ 34 milhões) – sendo US$ 6,3 milhões por atividades extra-campo –, atrás apenas da sua colega de seleção Alex Morgan.
Na sua última participação em uma Copa, Rapinoe viu os EUA serem eliminados pela Suécia nas oitavas de final nas cobranças de pênalti – as americanas desperdiçaram três cobranças, uma delas batida pela craque. Foi a primeira vez na história do Mundial feminino que os EUA, maior vencedor da competição com cinco títulos, não ficaram no top três.
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Postura de liderança dentro e fora de campo
Mas, além de grandes jogadas e títulos, Megan Rapinoe se destacou dentro de fora de campo por sua postura ativista e empreendedora. Por isso, se consagrou como um dos maiores ícones do esporte. “Consegui ter uma carreira incrível. Esse jogo me levou ao redor do mundo e me permitiu conhecer muitas pessoas maravilhosas”, disse.
Na Copa do Mundo de 2019, ela venceu a Chuteira de Ouro, prêmio dado à artilheira da competição, e principalmente a Bola de Ouro, honraria concedida à melhor jogadora do Mundial. Naquele ano, também foi eleita a melhor jogadora do mundo pela Fifa (Federação Internacional de Futebol). “Megan Rapinoe é uma das jogadoras mais importantes da história do futebol feminino e uma personalidade como nenhuma outra”, disse o técnico dos EUA, Vlatko Andonovski. “Ela criou momentos memoráveis para o time e para os torcedores em campo que serão lembrados por muito tempo, mas seu impacto nas pessoas como ser humano pode ser ainda mais importante”, completou.
Sua liderança fora de campo e sua articulação frente às necessidades da seleção americana fizeram dela o rosto das reivindicações do futebol feminino, dentro e fora dos EUA. “O legado da Rapinoe no futebol feminino é de luta e pode ser até mais político do que futebolístico”, diz Lu Castro, pesquisadora do futebol feminino e curadora da exposição “Rainhas de Copas” do Museu do Futebol, em São Paulo.
Líder pela igualdade salarial de gênero no futebol
Rapinoe se tornou uma figura central na luta pela igualdade salarial entre times femininos e masculinos nos EUA. Quando comemora o sucesso dentro de campo, abre os braços, pose que virou sua marca registrada, mas essa postura forte, emblemática, combinada ao visual despojado com cabelos coloridos, também vale fora de campo. “Ela levanta o queixo pra falar, tem um ar bastante imperativo e carismático. Ela se posiciona muito bem”, diz Castro.
Em 2016, a atacante e outras integrantes da seleção feminina apresentaram uma queixa sobre a questão dos salários à Comissão de Oportunidades Iguais de Emprego. Três anos depois, processaram a federação por danos, sob a Lei de Igualdade Salarial e a Lei de Direitos Civis, citando discriminação de gênero. As jogadoras disseram que recebiam menos do que seus colegas homens, embora trouxessem mais receita para a Federação.
Os jogos femininos geraram US$ 1,9 milhão (R$ 9,26 milhões) a mais em receitas do que os masculinos em 2016. De 2016 a 2018, as partidas da seleção feminina geraram aproximadamente US$ 50,8 milhões (R$ 247 milhões), em comparação com US$ 49,9 milhões (R$ 243 milhões) dos jogos masculinos, segundo demonstrações financeiras auditadas da Federação de Futebol dos EUA e divulgadas pelo “The Wall Street Journal”. “As jogadoras da seleção norte-americana têm consciência do poder delas como coletivo, sobretudo porque têm mais títulos que a seleção masculina”, diz a pesquisadora.
Em 2022, um juiz federal da Califórnia aprovou de maneira preliminar o acordo de US$ 24 milhões (R$ 116 milhões) entre a seleção nacional feminina de futebol dos EUA e a Federação de Futebol do país, ajudando a encerrar a disputa pela igualdade salarial. A entidade que rege o futebol norte-americano se comprometeu com a igualdade salarial entre as equipes masculinas e femininas de futebol.
Segundo a agência de notícias Reuters, os termos do acordo incluem US$ 22 milhões (R$ 107 milhões) a serem distribuídos igualmente entre as 30 jogadoras da seleção, com outros US$ 2 milhões (R$ 9,7 milhões) a serem reservados em um fundo para metas pós-carreira e instituições de caridade para o futebol feminino.
Como resultado do acordo de igualdade salarial, as equipes masculina e feminina dividem todos os ganhos das Copas do Mundo – mas os prêmios estão longe de atingir o equilíbrio de gênero. A seleção feminina ganhou mais quando a equipe masculina, que nunca venceu uma Copa, chegou à fase eliminatória do Mundial masculino de 2022, no Catar, do que com as vitórias femininas de 2015 e 2019.
As causas de Megan Rapinoe
Rapinoe foi uma das primeiras jogadoras de futebol a anunciar que era gay e a apoiar publicamente os direitos LGBTQ+ e também a justiça racial. Em 2016, ela se ajoelhou durante o hino nacional dos EUA, apoiando o protesto antirracista consagrado pelo jogador de futebol americano Colin Kaepernick, que começou a se manifestar dessa maneira após diversos casos de brutalidade policial contra pessoas negras.
Em julho de 2022, ela se tornou a primeira futebolista – e apenas a 6ª atleta ou treinadora feminina – a receber a Medalha Presidencial da Liberdade nos EUA, maior honraria dada a um civil no país, por seu trabalho pelos direitos da população LGBTQ+ e pela igualdade salarial das mulheres, além das suas conquistas em campo.
Mas, apesar da força da sua articulação nos EUA, esse progresso não tem sido importado pelo Brasil. “Acho que nenhuma atitude da Rapinoe, por mais potente que ela seja, tenha resvalado aqui de maneira significativa a ponto de transformar a mentalidade das jogadoras brasileiras”, diz Lu Castro. Segundo ela, isso exigiria autonomia das jogadoras e uma força coletiva para bater de frente com as instituições do futebol nacional, o que ainda está longe de acontecer.
Empreendedorismo em jogo
A atacante do OL Reign adquiriu em 2022 uma participação acionária na startup de alimentos à base de plantas da tenista Venus Williams, irmã de Serena Williams, a Happy Viking. Em dezembro do mesmo ano, lançou uma produtora chamada A Touch More ao lado de sua esposa, a ex-jogadora de basquete Sue Bird. Rapinoe também teve o maior número de posts em redes sociais patrocinados entre todas as jogadoras de futebol feminino, de acordo com um relatório da SponsorUnited.
Uma vida inteira de futebol
O futebol acompanha a vida de Megan Rapinoe desde cedo. Filha de treinador, começou a jogar bola por volta dos cinco anos, com a irmã gêmea, Rachel. Depois de lutar contra lesões, Rachel abandonou o esporte em 2010 e, em 2019, lançou a Mendi, uma marca de produtos à base de plantas para ajudar a combater o estresse, a falta de sono e a dor de atletas.
Megan Rapinoe conquistou uma bolsa na faculdade para jogar futebol e, em 2009, chegou ao Chicago Red Stars. Passou pelo Philadelphia Independence, Magic Jack, Sydney FC, Seattle Sounders, pelo Lyon, da França, e em 2013 chegou ao OL Reign, onde agora encerra sua carreira.