Aquele seria o meu primeiro e o último encontro com ele.
“Coq au vin é um prato que parece difícil de preparar. Não é. É eterno, delicioso e a representação perfeita dos princípios de transformar algo grande, complicado e desagradável em algo verdadeiramente maravilhoso”, explicou Anthony Bourdain para as pessoas em nossa mesa.
Bourdain foi um dos chefs mais respeitados no mundo. Espirituoso, notável e pouco convencional, fez questão de deixar sua marca naquele jantar, um dos mais incríveis da minha vida, ao preparar um prato de origem bastante humilde, para um grupo de pessoas que poderia estar na lista dos 50 mais influentes da Forbes.
O evento pedia formalidade: era um jantar chiquíssimo em Cannes, no sul da França, para presidentes e CEOs da indústria global. Bourdain estava vestindo uma doma branca (o tradicional avental de chef), calça jeans e um sapato de camurça caramelo. O cabelo cuidadosamente bagunçado, olhar lânguido, fala pausada e tom de voz que mais parecia o canto de uma sereia. Ele nos enfeitiçou com o seu “je ne sais quoi” antes mesmo de provarmos o tal frango ao vinho.
Leia também
Bourdain foi um chef que virou celebridade. Seu primeiro livro “Cozinha Confidencial” (2000) foi aclamado como um best-seller pelo jornal The New York Times. Bourdain construiu uma carreira e um nome inigualáveis. Em um dos episódios de seu último documentário, “Viagem ao Desconhecido” (2013), ele entrevista o presidente Barack Obama. Não houve conquista que o chef estrelado não celebrou.
Mas o que era sucesso para Anthony Bourdain?
Numa entrevista, ele disse: “Acabamos aceitando a versão de sucesso que nos é dada, ou aquela que vendemos”. Com uma certa amargura por não ter tomado as rédeas de sua vida, Bourdain lamentou ter seguido um caminho que não estava conectado com a sua alma. Ele descobriu que a fama o distanciava das pessoas que ele realmente queria por perto – e entendeu que esta não era a definição de sucesso válida para ele.
Uma mensagem do meu passado
Talvez eu nunca mais teria lido aquela carta se não fosse pela minha mudança do Brasil para Portugal. Desmontar uma vida inteira para levá-la para outro lugar nos convida a revisitar tudo aquilo que guardamos durante anos – e isto pode ser muito revelador sobre nossa própria história.
O processo migratório começa bem antes da mudança física. A semente dele está nas caixas e mais caixas de cartas, cartões, bilhetes, pedaços de papel, post-its e até mesmo guardanapos usados, com anotações de uma vida toda, que precisamos reorganizar
A carta que escrevi em 2017, para a Lu do futuro, estava lá. Foi redigida durante um encontro global, em Los Angeles, de mulheres C-Level da empresa em que trabalhava na ocasião. A anfitriã do evento, uma executiva americana de 55 anos, cabelos grisalhos e covinhas nas bochechas, que a faziam parecer ainda mais carismática, nos contou que quando colocamos a caneta no papel, acessamos uma parte diferente do nosso cérebro. O vai e vem da caneta, o pensar e o escrever, a lembrança, o presente e o que está por vir, tudo junto. Abrindo nossas mentes e aumentando a clareza das nossas perspectivas.
A nossa missão era escrever uma carta sobre nossos sonhos, objetivos e metas para que se tornassem realidade dentro de três anos e nós alcançássemos o merecido sucesso.
A carta era uma celebração do meu time por termos conseguido tirar do papel o maior e mais importante projeto global da empresa na qual trabalhávamos, uma ação com orçamento multimilionário que impactaria e empoderaria meninas em todo o mundo. Além disso, agradecia a Lu do passado por tanta dedicação, trabalho árduo e uma incessante devoção, que lhe proporcionara uma posição de vice-presidente global de inovação. Na época, eu ocupava um cargo para América Latina. Enfatizei na carta que queria mais trabalho, viagens e responsabilidades, com a oportunidade de crescer para uma posição global. Meu ideal era me mudar para a Europa com a minha família.
O projeto que eu celebrei na carta saiu do papel depois de dois anos, mas a tão almejada posição global nunca aconteceu. Ainda assim, curiosamente, cá estou eu, morando com a minha família em Portugal. Não tenho o trabalho que descrevi na carta, mas tenho muito entusiasmo, planos audaciosos e tanta energia que sinto as mesmas borboletas no estômago de quando comecei a minha carreira, há 27 anos.
Você pode estar pensando que foi apenas coincidência a materialização do desejo que estava naquela carta, mas eu garanto que não foi.
Nós não decidimos o nosso futuro. Decidimos os nossos hábitos e são os nossos hábitos que decidem o nosso futuro.
Como o hábito se torna uma nova realidade
Pare por um momento e reflita. Como você tem vivido seus dias? Tenho quase certeza de que no piloto automático. Eu mesma passei anos colecionando tarefas e responsabilidades porque sentia que era o correto a se fazer. Por isso, escrever cartas para o seu eu futuro – e as reler de tempos em tempos – é tão potente. O que era sucesso para mim há cinco anos não é mais. A vida nos transforma.
O papel e a caneta podem até nos assustar, pois o ato de escrever tende a revelar uma série de verdades. Qualquer que seja a jornada da sua vida, uma carta antiga pode servir como um lembrete poderoso da sua identidade, convicções e aspirações.
Não negocie seus valores. Você encontrará muitas pessoas na sua jornada que jamais entenderão o que você sente. Mas não é para elas que você vive. Descubra quem você é, conecte-se e sinta a experiência de ser você mesmo. Volte sendo a sua melhor versão. Ajuste os seus hábitos de acordo com o que você considera sucesso. Não tenha medo de mudar.
Sucesso é subjetivo e não existe certo ou errado
Bourdain disse: “Devemos ser intencionais em nossas carreiras (e vidas), definindo o que o sucesso significa para nós”.
Hoje, a minha definição de sucesso é poder honrar tudo o que vivi até aqui e comemorar o meu aniversário de 48 anos usufruindo do privilégio de me dar um tempo (nutrir o meu solo) para descobrir qual é o próximo capítulo da minha carreira profissional.
Não viva a vida sem o que importa para você. Isso é sucesso.
Escrevo este artigo na Praça da Alegria, em Lisboa. Ao chegar ao ponto final, me pergunto: será apenas um sinal, ou a concretização de mais uma carta?
Luciana Rodrigues é executiva C-level do setor de comunicação, mentora e conselheira.
Os artigos assinados são de responsabilidade exclusiva dos autores e não refletem, necessariamente, a opinião de Forbes Brasil e de seus editores.