Sentado em uma sala de conferências com paredes de vidro apelidada de Aquário, Mark Zuckerberg faz uma análise sobre o tema que lhe rendeu muitas manchetes este ano: o MMA (artes marciais mistas). “Levar um soco no rosto não dói muito”, ele brinca. “Só causa danos cerebrais.”
A luta contra Musk, que obviamente não vai acontecer (“presumi que ele não faria isso”), fez Zuckerberg voltar a ser o assunto do momento de uma maneira estúpida. Mas também era a oportunidade de bancar o herói contra o CEO da Tesla e demonstrar que o antigo “CEO criança” do Facebook evoluiu para o grande líder da Meta. “O que determina o seu destino não é um concorrente”, diz ele. “É como você faz as coisas.”
Zuckerberg completará 40 anos no próximo mês de maio, com uma fortuna estimada em US$ 106 bilhões (R$ 530 bilhões), um braço filantrópico e o compromisso de transformar uma das empresas mais importantes do mundo, sobre a qual tem controle quase total. De muitas maneiras, ele está tendo seu “momento Bill Gates”. Assim como Zuckerberg, Gates abandonou a faculdade de Harvard para construir uma gigante de tecnologia. Assim como Zuckerberg, ele era o nerd e garoto-prodígio da sua área. E, tal como Zuckerberg, conquistou fãs, inimigos e preocupações antitruste no seu caminho até ao topo.
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E então, aos 40 anos, Gates inverteu o roteiro. Ele transformou a sua imagem de monopolista em benfeitor global, e sua empresa e legado se beneficiaram disso. Como isso seria para Zuckerberg? Seu amigo fundador do Spotify, Daniel Ek, descreve um arco narrativo que nos leva ao momento atual.
“Existe ‘o Mark da ‘Rede Social’“, diz Ek, referindo-se ao filme de 2010 que retratou o fundador do Facebook como um gênio arrogante e dúbio. Depois, segundo ele, existe o “Mark da Cambridge Analytica ou o Mark do mal”, em relação ao escândalo de coleta de dados de usuários do Facebook em 2018.
E isso nos leva ao Mark de hoje. “Ele é muito mais autêntico na sua personalidade pública”, diz Ek, que enfatiza que esses três Marks refletem a percepção pública e não a sua opinião pessoal. “Ele aprendeu muito nos últimos anos e está com uma nova ambição. Percebeu que precisa agir com responsabilidade porque tem uma plataforma enorme. Mas ainda tem algo do velho Mark, que está apostando em coisas mesmo que todos digam que nunca vai funcionar.” Ek está falando do investimento de US$ 100 bilhões em um mundo virtual fantástico chamado metaverso.
Mark Zuckerberg e a visão de mundo das artes marciais
Zuckerberg abraçou uma “visão de mundo das artes marciais”, para sua vida pessoal e para Meta, segundo ele mesmo. Isso diz respeito a propósito, disciplina e muitos outros clichês de livros de gestão. Mas, em última análise, o terceiro Zuckerberg, mais maduro, se apoiará em outro princípio do MMA: a autoconsciência. “Quando você entra em uma competição, você não está lutando contra outra pessoa, você está lutando contra si mesmo, certo?” Para ele, “você está apenas tentando ser uma versão melhor de si mesmo.”
O bilionário tem espaço para explorar essa reinvenção. Profissionalmente, ninguém pode lhe dizer o que fazer. A estrutura do Facebook dá a ele um controle inabalável. Atualmente, ele possui 99% das ações Classe B com direito a voto e 61% do poder de voto geral, o que o torna invencível – e em grande parte irresponsável.
“Você consegue reunir todos os outros acionistas ordinários para votar contra Mark?”, questiona seu amigo e cofundador do Facebook, Dustin Moskovitz. “Não, não consegue.”
Esse foi o movimento fundamental do “Mark de ‘A Rede Social’”, sintetizado pelos primeiros cartões de visita de Zuckerberg, que diziam “Sou o CEO, Bitch”. Nos primórdios do Facebook, a necessidade de controle do próprio destino foi reforçada por ele. Zuckerberg se lembra de quando, em 2006, o Yahoo ofereceu US$ 1 bilhão para comprar sua empresa, então com apenas dois anos. “Quando eu não quis vender, acho que os investidores pensaram: ‘Talvez devêssemos contratar uma equipe diferente?'”
Zuckerberg vê esse controle como um recurso, não um problema. “Existem muitas empresas no mundo que têm muito capital e não têm liderança ou estrutura de conselho que permita fazer grandes apostas no futuro”, diz. “Somos uma empresa controlada pelo fundador.”
Isso sem dúvida ajudou o Facebook a fazer diversas aquisições que antes pareciam audaciosas, mas agora são vistas com respeito (WhatsApp), curiosidade (Oculus) ou admiração (Instagram, uma das melhores compras corporativas do século).
De Facebook a Meta
Em setembro de 2021, as ações do Facebook haviam atingido seu ponto mais alto. A empresa valia quase US$ 1,1 trilhão e o próprio Zuckerberg tinha um patrimônio de US$ 136 bilhões. Seu impulso em relação ao metaverso estava avançando rapidamente. No mês seguinte, ele anunciou a decisão de mudar o nome do Facebook para Meta Platforms, apostando sua marca na ideia de que o metaverso se tornaria o futuro da computação.
Então veio o acerto de contas. Nos 14 meses seguintes, as ações da Meta despencaram 75% com a queda da receita anual pela primeira vez, com o lucro líquido de 2022 caindo 41%. A fortuna de Zuckerberg caiu para US$ 33 bilhões. A atualização de privacidade de 2021 da Apple para seu sistema operacional móvel, que tornou mais difícil para as empresas de tecnologia rastrear usuários em aplicativos, desempenhou um papel importante. Outro culpado: a concorrência do TikTok.
Insistente aposta no metaverso
Então, no ano passado, Zuckerberg fez algo diferente. Sem desculpas tardias e indiferentes. Em vez disso, ele mudou a rota. Depois de aumentar a sua força de trabalho de 33,6 mil para 87 mil pessoas em quatro anos, Zuckerberg anunciou em novembro passado que iria demitir mais de 11 mil funcionários – 13% da empresa – e acrescentou mais 10 mil a esse número em março. “Tomamos algumas decisões realmente difíceis no ano passado”, diz ele. “Obviamente não é o que você quer fazer.”
“Tentamos montar a estrutura operacional da empresa com dois objetivos”, continua. “Uma delas era nos preparar para operar com mais eficiência e construir produtos melhores com mais rapidez. A outra era garantir que tivéssemos espaço financeiro para amortecer quaisquer obstáculos que enfrentássemos ao longo do caminho, para que possamos continuar a investir na visão de longo prazo, que na maior parte são os dois grandes investimentos que estamos fazendo em IA e no metaverso.”
A visão não mudou, mesmo que o metaverso já tenha sido considerado por alguns como um fracasso e Zuckerberg tenha dito publicamente que levará uma década para ganhar dinheiro com isso. A Meta já acumulou cerca de US$ 40 bilhões em perdas operacionais decorrentes dessa aposta em um universo virtual alternativo liderado por seu braço Reality Labs, mas Zuckerberg continua firme.
O Horizon Worlds, um aplicativo de realidade virtual gratuito que deveria anunciar uma era de experiências imersivas e teleconferências de realidade virtual, supostamente não conseguiu cumprir sua meta de 500 mil usuários ativos mensais para 2022, atingindo menos de 200 mil, de acordo com um documento interno citado pelo Wall Street Journal em fevereiro. Até Zuckerberg admite que o Horizon Worlds não retém tanto quanto deveria. “Uma coisa é dizer: ‘Ok, essa é uma experiência impressionante’”, diz ele. “Outra é dizer: ‘Quero fazer outra reunião como essa toda semana’”.
“Eu provavelmente faria um investimento diferente no Reality Labs, por exemplo, se fosse eu quem mandasse”, afirma Susan Li, diretora financeira da Meta.
Segundo ela, seu comentário não é surpresa para Zuckerberg, que incentiva esse debate. E à medida que ele aceitava as críticas e mudava o rumo, o mercado respondia. O valor das ações da Meta mais do que triplicou desde o seu ponto mais baixo no final de 2022 – com a ajuda de cerca de US$ 38 bilhões em recompras de ações desde o início do ano passado.
Analistas preveem um aumento de 14% nas receitas este ano, para quase US$ 133 bilhões, e um salto impressionante de 50% no lucro líquido, para US$ 34 bilhões. A recuperação das ações levou Zuckerberg de volta ao grupo das 10 pessoas mais ricas do planeta.
“Com o que você está gastando todo esse dinheiro? Bom, estamos tentando encaixar um supercomputador em um par de óculos normais”, diz Zuckerberg.
Inteligência Artificial vai estar em tudo
Para Zuckerberg, o metaverso faz parte de uma visão de longo prazo que abrange não apenas realidade aumentada e virtual, mas também inteligência artificial. Como Gates, que em uma entrevista para a Forbes em fevereiro descreveu os avanços recentes na IA como “tão importantes quanto o PC ou a internet”, Zuckerberg vê a integração da IA como um evento transformador. E, como muitos outros gigantes da tecnologia, a Meta também construiu um grande modelo de linguagem para treinar a IA que definirá o seu futuro. Chamado Llama 2, é de código aberto e será integrado a uma variedade de produtos da empresa.
“A IA vai percorrer tudo”, diz ele, delineando um novo mundo que começa com assistentes inteligentes e termina com hologramas de colegas de trabalho em reuniões de negócios. Zuckerberg também vê a IA alimentando “personagens” que estão nas várias plataformas da Meta. “Eles terão perfis no Instagram e no Facebook”, explica. “E você poderá conversar com eles no WhatsApp, no Messenger e no Instagram, e eles serão incorporados como avatares em realidade virtual.”
Ele reconhece que a IA é mais uma daquelas apostas caras e voltadas para o futuro. Mas ele é o único acionista da Meta que importa e tem muita paciência. “Olha, vai demorar mais um pouco para chegar aos óculos de realidade aumentada completos. E é para isso que vai uma grande porcentagem do orçamento do Reality Labs. Então, quando as pessoas perguntam: ‘Com o que você está gastando todo esse dinheiro? Bom, estamos tentando encaixar um supercomputador em um par de óculos normais’”, diz ele.
Se a Meta conseguir fazer isso primeiro, poderá definir um novo mercado. Caso contrário, será um fracasso rápido e caro, como muitos antes dele: o telefone do Facebook, o agora abandonado dispositivo de videochamada Portals, e a tentativa de criação da criptomoeda Libra. “Nossa experiência aqui é de fracassos constantes, fazendo coisas que achamos que as pessoas vão adorar”, disse o diretor de tecnologia da Meta, Andrew Bosworth.
Polêmicas e controvérsias do Facebook
Quando o Facebook abriu o capital com uma capitalização de mercado de quase US$ 82 bilhões em 2012, o sucesso levou ao período do “Mark do mal”, que pode ser resumido em uma palavra: arrogância. Em meados da década de 2010, Zuckerberg percorreu o Centro-Oeste dos EUA numa viagem de escuta com pescadores, agricultores e bombeiros. Enquanto isso, sua empresa, que conectava o mundo melhor do que qualquer outra, estava sendo usada para atacar a democracia numa escala sem precedentes.
Em 2014, o algoritmo do Facebook amplificou a violência étnica em Myanmar e ajudou a incitar o genocídio contra a minoria Rohingya. Em 2016, a Cambridge Analytica, consultora da campanha do ex-presidente dos EUA Donald Trump, utilizou indevidamente dados recolhidos do Facebook com a intenção de construir perfis de eleitores antes das eleições presidenciais. Nesse mesmo ano, a Rússia transformou o Facebook numa ferramenta anti-democracia. Em 2021, a ex-funcionária do Facebook Frances Haugen denunciou que a liderança da empresa tinha conhecimento sobre os danos que seus produtos poderiam causar– e priorizou o lucro e o crescimento de qualquer maneira.
“Não tivemos uma visão suficientemente ampla da nossa responsabilidade e isso foi um grande erro”, disse ele numa audiência no Congresso dos EUA em 2018. “Foi meu erro e sinto muito. Eu comecei o Facebook, eu administro e sou responsável pelo que acontece aqui.”
Mas responsabilidade e prestação de contas são diferentes. Especialmente quando as gigantescas empresas que o apoiam, incluindo a Vanguard, a BlackRock e a Fidelity, constatam que, apesar dos tropeços, ele apresentou um histórico indiscutivelmente excelente aos acionistas. Nos últimos três anos, as ações da Meta ficaram atrás do S&P 500 em quase 16 pontos percentuais, mas superaram o índice em 31 e 367 pontos percentuais nos últimos cinco e dez anos, respectivamente.
“O legado de Mark Zuckerberg será o papel fundamental que a sua empresa desempenhou no enfraquecimento da democracia”, afirma o capitalista de risco Roger McNamee, um dos primeiros investidores do Facebook, que se tornou um crítico ferrenho. “Sem o Facebook, o mundo inteiro seria completamente diferente, e muito melhor. Para alguém que teve tantas oportunidades para fazer o bem, isso é uma tragédia.”
A futura imagem de Mark Zuckerberg
Em 2008, aos 24 anos, o fundador do Facebook se tornou o mais jovem bilionário self-made a ingressar na lista da Forbes das 400 pessoas mais ricas dos EUA. Sete anos depois, ele foi o mais jovem a entrar no top 10. “Acho que vou administrar a Meta por muito tempo.”
Se os dois primeiros Marks são baseados na percepção do público, então o terceiro certamente percebeu como Gates transformou sua imagem através do trabalho social que começou a fazer aos 40 anos. Zuckerberg, com apenas 26 naquela época, foi um dos signatários do Giving Pledge, a campanha liderada por Gates e Warren Buffett que pede aos bilionários que se comprometam a gastar pelo menos metade da sua fortuna em filantropia.
Em 2015, pouco antes do nascimento da sua filha, Zuckerberg e a sua esposa, Priscilla Chan, escreveram uma carta a ela em que se comprometiam a doar 99% das suas ações no Facebook para a sua missão filantrópica, mais tarde apelidada de Iniciativa Chan Zuckerberg. Hoje, essas ações valem cerca de US$ 103 bilhões (mais os US$ 4,2 bilhões que já doaram). Se seguirem em frente, e não há indicações de que não o farão, a CZI será um dos maiores esforços filantrópicos do mundo, perdendo apenas para o de Gates e sua ex-mulher, Melinda French Gates, e possivelmente maior dependendo do desempenho futuro da Meta. “Mesmo que apenas um terço das coisas em que você aposta funcione”, diz Zuckerberg, “acho que isso ainda cria muito valor no mundo”.
(traduzido por Fernanda de Almeida)