A primeira mulher a ser presidenta, como gosta de ser chamada, do Banco do Brasil em 215 anos de instituição, é negra, nordestina, lésbica e ex-feirante. Para além dos bons resultados financeiros, Tarciana Medeiros está levantando bandeiras importantes dentro da instituição, como a da diversidade, da tolerância e da equidade de gênero. Nesse Dia da Consciência Negra, trazemos uma entrevista exclusiva com uma executiva negra que está trazendo pautas contemporâneas para dentro do banco mais antigo do país.
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Forbes: Queria começar com você nos contando como é ocupar esse lugar de poder como uma mulher negra, lésbica, nordestina, ex-feirante. Qual é o sentimento?
Tarciana Medeiros: É um misto de sentimentos. O principal é o de responsabilidade. E não é responsabilidade no sentido ruim, de obrigação. Mas, sim, de saber que eu sou responsável por mudar vidas de outras pessoas. Quando eu penso nessa responsabilidade, ela vem acompanhada de felicidade, de gratidão e de paixão. Eu sempre fui muito apaixonada pelo banco, pelo que eu faço e por estar junto com as pessoas. Mas também é uma doação diária.
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F: Qual é o tamanho dessa doação?
TM : Tem sido, ultimamente, a parte mais importante da vida. Não tem como ser diferente, né? Senão eu não consigo fazer o que precisa ser feito. E tem muito pra ser feito. É um lugar de muita importância e de muito poder. E, quando você se percebe nesse lugar, tomando decisões que mudam milhares de vidas… Eu diria milhões de vidas, até. Enfim, nesse lugar eu não posso pensar que não vou ter tempo para fazer isso ou aquilo, não posso faltar em determinado compromisso. Porque a minha presença ali vai fazer uma diferença enorme. É uma responsabilidade que eu quero assumir.
F: Onde você vê essa diferença?
TM: Vou te dar um exemplo que eu vivi durante a pandemia, quando estava trabalhando na diretoria de empréstimos e financiamentos. Todo mundo ficou em isolamento social. Nos pequenos municípios, quando se percebeu que era necessário fechar escolas, fechar a prefeitura, vimos que as operações de crédito não seriam pagas na data. Porque as pessoas não estavam trabalhando, não tinha dinheiro circulando. Então, a gente precisou prorrogar essas operações. Foi uma decisão da diretoria e em uma tarde a gente conseguiu comunicar para o país inteiro com os gerentes entrando em contato com os clientes. Em uma semana o Banco do Brasil conseguiu prorrogar as operações de crédito do país todo. E sem essa capilaridade do BB, a gente não teria conseguido fazer tão rápido. São 80 milhões de clientes Então, a gente tem um poder de informar muito grande. E de formar também.
F: E como você se relaciona com essa responsabilidade?
TM: Quando eu tomei posse como presidenta do banco é que a minha ficha caiu. De que eu sou a única mulher na presidência de um grande banco. Quando eu fui ver Bradesco, Itaú, Banco do Brasil, Santander… eu falei, ‘poxa, eu sou a única’. Mas quantas ‘únicas’ nós temos em outros segmentos? E foi aí que eu pedi pra gente fazer um estudo no banco, para olhar como estava o desenvolvimento de mulheres empreendedoras. E aí nós lançamos uma plataforma chamada “Mulheres no Topo” para cuidar de inclusão. Observamos que a quantidade de empreendedoras que são clientes do banco, ou de empresas [micro e pequenas] que têm na estrutura societária mulheres, são metade das empresas. Em mais de 30%, elas são sócias majoritárias. E aí percebemos que elas não conheciam linhas de crédito para seus negócios. Então nós criamos a plataforma com essas informações. O que é que aconteceu? Nove meses depois, aumentou em 20% a tomada de crédito de empresas, micro e pequenas, lideradas por mulheres.
F: Você esteve na parada do Orgulho LGBT, lançando um cartão da diversidade. Quais são as bandeiras que você levanta com seu trabalho?
TM : A gente patrocinou a feira de diversidade, porque esse é um assunto importante para o BB, lançamos o cartão. Somos diversos. E também a equidade de gênero, sem dúvida. O banco é uma empresa bicentenária que, pela primeira vez em 215 anos, tem uma presidente mulher. E eu levei esse cuidado para a formação do conselho diretor. Pela primeira vez também nós temos três mulheres vice-presidentas. Mas por que nunca teve, alguém pode perguntar? Porque nunca foi dada oportunidade. Elas estavam lá. No dia em que eu fui buscar a vp de negócios digitais e tecnologia , que é a Marisa Reghini, eu não contei pra ninguém. E eu ouvi de vários colegas “Poxa, Tarci, quem vai ser vice-presidente de tecnologia? Ninguém cogitava o nome dela. E ela estava lá, pronta, com uma carreira maravilhosa, respeitadíssima no mercado, já numa função de alta liderança, com todas as certificações do banco que possibilitavam esse cargo. Ela só precisava ser vista O mesmo foi com a Carla Nesi, que é a vice-presidente de varejo. Teve uma carreira brilhante, foi minha diretora e tinha acabado de se aposentar. Então há essa miopia, essa dificuldade de enxergar que a mulher está lá, está pronta e só precisa da oportunidade.
F:Você trouxe também um homem negro para a presidência de uma das empresas da holding… Foi intencional?
TM: O Denísio [Liberato, presidente da BB Asset Management] foi uma escolha nossa. Do nosso conselho diretor. Ele já era diretor de participação da Previ, nosso fundo de pensão. E o Banco do Brasil tem uma coisa interessante. Tudo que você fala sobre o Banco do Brasil ou é o maior do mundo, ou é o maior da América Latina, ou é um dos maiores do mundo. Sempre assim. A Previ é o maior fundo de pensão da América Latina e está entre os maiores do mundo. Logo, o Denísio tem toda a formação necessária para ocupar essa cadeira. A BB Asset é uma empresa de participações. E hoje ele é o único negro da América Latina que faz parte do PRI [Principles of Responsible Investment, iniciativa global apoiada pela ONU}. Quando você olha a formação dos CEOs das demais assets do Brasil e da América Latina, a formação do Denísio tem um dos níveis mais altos. Então o Denísio também estava pronto, apenas aguardando uma oportunidade.
F: E as suas outras paixões? Como é que ficaram diante dessa dedicação intensa? Você tem uma companheira, não tem?
TM: Tenho, por quem sou apaixonada também. Por isso tenho tentado organizar minha agenda de trabalho para que caiba entre segunda e sexta, que é pra eu estar com as minhas paixões de casa aos sábados e domingos. E tenho sido disciplinada nisso. Então, se eu tenho algum compromisso profissional no final de semana, as minhas paixões de casa vão junto. Minhas filhas, meu filho e a Dani, minha companheira, me acompanham. A Yasmin é minha filha, tem 22 anos, a Ruth é uma prima que eu crio desde os 12 anos, hoje tem 30. E o Davi é filho da Dani, minha companheira, e tem 9 anos.
F: E o que você faz nesses dias em família?
TM: Eu gosto de cozinhar, de ir pra festa também. Vou com as meninas aos shows. A gente assiste dança juntas, vai pro cinema. Uma coisa que eu não deixei de fazer é ir à feira aos domingos de manhã. Então eu vou na feira com as meninas fazer compras e comer pastel.
F: E você foi feirante. Esse passeio traz lembranças?
TM: Sim. Eu fui feirante dos 10 aos 14 anos com a minha família na Paraíba. Vendia fruta, verdura… Durante uma época, meu pai comprava também umas coisas pra gente vender: umas peneiras de peneirar farinha que a gente chamava de aropemba. Vendia ralador de milho…