Enquanto a geração Z troca de empresa, em média, em menos de um ano, Juliana Barros construiu uma carreira de quase três décadas na mesma companhia. A executiva, diretora de comunicação e marketing da Avon, viveu diferentes momentos da marca, que tem no Brasil sua maior operação. Começou como estagiária há 28 anos, passou por diversas áreas, viu o mercado se pulverizar e ganhar novos players em um ritmo frenético e, mais recentemente, viveu a aquisição pela Natura. “Encontrei uma empresa voltada para as mulheres, um lugar alinhado com o que eu acredito como pessoa e que me proporcionou muitas oportunidades de carreira.”
A gigante brasileira concluiu a compra da Avon em janeiro de 2020, formando o quarto maior grupo de beleza do mundo, a Natura &Co. “A Avon vem de uma cultura americana, extremamente pragmática. Por mais que sejamos brasileiros, exige adaptação.”
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Juliana reconhece que esse é um imperativo dos negócios – e vale tanto para as empresas quanto para os profissionais. “Sempre me atualizo com o meu time que é muito jovem.”
Reinvenção no digital e varejo
Ao ver marcas emergentes e grandes players do mercado avançando no digital e na inovação de produtos, a Avon precisou se reinventar. A marca, que está no Brasil desde 1958 atuando em venda direta, explora o ambiente digital – registrando crescimento de três dígitos este ano – e agora ingressa no mercado do varejo.
Os produtos serão vendidos nas lojas da perfumaria Soneda, em São Paulo, enquanto as vendas por meio das revistas com as consultoras permanecem. “O consumidor é cada vez mais multicanal e precisa ter acesso ao produto onde estiver, seja com a consultora ou no ponto de venda.”
No Brasil, a Avon vende um batom a cada três segundos. Em 2023, mais de 7,5 milhões de brasileiros compraram batons da marca, segundo números divulgados pela empresa. É a número 1 em vendas de maquiagem no Brasil e líder na categoria há 15 anos, de acordo com uma pesquisa da Kantar, empresa de consultoria e pesquisa de mercado.
Legado e inovação
A diretora de marketing credita essa liderança à consistência da marca, que está no país há quase 70 anos, e ao seu pioneirismo em abordar nas suas campanhas questões relevantes sobre o papel da mulher na sociedade, além dos investimentos recentes em tecnologia e inovação. “Para se manter vivo nesse mercado, é preciso ser relevante. Para ser relevante, você tem que se diferenciar. E isso pode ser feito por meio de produtos ou de campanhas; nós escolhemos os dois caminhos.”
Em 2023, a Avon trouxe seu Centro de Inovação Global para o Brasil, em um movimento de aproximação com o terceiro maior mercado de beleza no mundo (atrás apenas de Estados Unidos e China). Também lançou novas cores de um batom que já tem 60 tons após um estudo de colorimetria para criar paletas diversas e atender o público brasileiro. “Temos uma demanda muito grande por parte dos consumidores porque a marca tem uma memória afetiva na vida dos brasileiros.”
A Avon Internacional (que inclui todas as operações da empresa fora dos EUA e Canadá) registrou receita de R$ 1,42 bilhão no segundo trimestre deste ano (queda de 5,5% em relação ao mesmo período do ano anterior).
Em agosto, a Avon Products fez um pedido de Chapter 11 nos EUA (similar à recuperação judicial no Brasil). No entanto, segundo a companhia e a própria executiva, a operação não deve afetar os mercados da América Latina e o Brasil especificamente.
Aqui, Juliana Barros, diretora executiva de marketing e comunicação da Avon, conta como se destacou ao longo da trajetória, liderando diferentes momentos da empresa.
Forbes: Como foi seu início de carreira? Em que momento a marca estava?
Juliana Barros: Comecei estagiando na Avon e há 28 anos já encontrei uma empresa voltada para as mulheres, algo muito raro. Na época, a CEO global era uma mulher, ela saiu na Forbes como uma das 100 maiores personalidades do mundo, e eu lembro que aquilo me impactou bastante. Também tinham muitas executivas no board e toda a ideia de uma empresa que trabalha a independência financeira das mulheres e que move a sociedade. Encontrei um lugar muito favorável para o que eu acreditava como pessoa e ainda tive muitas oportunidades de carreira. Comecei trabalhando com marketing para a América Latina, depois fui para uma área de criação, comunicação, mídia e posicionamento de marcas, depois produtos, maquiagem, assumi todos os cosméticos e aí veio a aquisição da marca.
Como foi esse momento da compra pela Natura?
Quando a gente está numa empresa que é comprada é sempre um choque. Ser comprada pelo concorrente então (risos). Só que depois que eu fui conhecendo a Natura, eu vi que a cultura era muito parecida, as empresas têm diretrizes muito sólidas, mas com muita sinergia e a questão do gênero também é uma pauta importante. Eu comecei a trabalhar na Natura numa área que estava sendo formada para entender essas sinergias de marketing e de complementaridade de portfólio. Fiquei um ano e pouco nessa área e depois recebi o convite para efetivamente assumir o marketing e comunicação da Avon já dentro desse novo grupo que se formou, muito por conta de toda a minha experiência na marca e para dar continuidade ao negócio.
O que te fez ficar todos esses anos na mesma empresa?
Eu sempre fui tendo desafios. Não vou falar que eu tinha certeza de que eu ia continuar ali 100% do tempo. Tive oscilações, mas quando elas vinham tinha sempre alguma outra oportunidade, promoção ou projeto novo, e isso foi fazendo eu ficar todo esse tempo. Por mais que eu tenha trabalhado na mesma marca, a empresa mudou demais. Eu passei por várias áreas e muitas mudanças. Eu sei que eu sou uma exceção no mercado pelo que eu converso com os meus pares, mas tive uma carreira muito feliz porque também pode ser duro trocar e ir para outra empresa.
Como construir uma carreira sólida na companhia foi importante para a sua carreira?
Para mim, o importante não é ficar ou não na mesma empresa, mas ter várias experiências. Porque às vezes a pessoa pingou em várias empresas, mas sempre com a mesma experiência. Quão rico é isso? Para um executivo, o importante é ter um repertório vasto, ter vivido momentos, projetos e experiências diferentes.
Ao contrário da sua trajetória, os jovens hoje mudam de empresa em menos de um ano. Como você lida com as novas gerações no mercado e na sua equipe?
Eu sou de uma geração em que as pessoas ficavam mais no mesmo emprego e construir uma carreira era algo muito valorizado. Hoje a gente sabe que a nova geração é bem inquieta. Eu tenho um filho adolescente, vivo isso dentro da minha casa, e tenho uma equipe extremamente jovem. O desafio que permanece no mercado de trabalho é cada vez mais adequar o estilo de gestão a essa geração que está chegando. O que funcionava antes não é o que funciona agora. São outros valores que fazem um profissional ficar numa empresa, o propósito é algo muito forte, assim como a qualidade de vida e a saúde mental. Não existe mais hierarquia, essa é uma geração que tem muitas ideias e acesso a redes sociais. Muitas vezes, eu tomo decisões de fazer alguma ação ou campanha com a ideia que um estagiário trouxe. E eu fomento que isso aconteça para que todo mundo se sinta parte do que a gente está construindo.
Quais transformações da marca e do mercado você viveu ao longo da carreira?
Quando eu entrei, a Avon era líder de mercado, a gente estava numa situação muito confortável como empresa e assim ficou por muito tempo. A operação brasileira sempre esteve entre as três maiores do mundo e por muito tempo foi a maior – e ainda é hoje. As coisas foram se transformando, mudou o presidente da empresa, vieram diretrizes diferentes. A experiência que eu trago vem de acompanhar a evolução do mercado competitivo de cosméticos que começou a pulverizar e ganhar muitas marcas novas.
O que vocês precisaram fazer para se manter competitivos nesse novo cenário?
Precisamos olhar para fora, para o concorrente e para o nosso cliente para manter a marca viva e presente na mente dos consumidores. Agora com a aquisição da Natura, a gente está participando de uma jornada de reconstrução e fortalecimento da marca no Brasil. Estamos ingressando no varejo em parceria com a Soneda em São Paulo, uma grande rede de perfumaria multimarcas.
Por que ir para o varejo nesse momento?
A gente sempre teve essa vontade antes da compra, mas agora a gente conseguiu a potência que a gente precisava e todo o conhecimento da Natura, que já está no varejo há alguns anos. Cada vez mais o consumidor está omnicanal e a gente precisa estar onde ele está. Todos os dados que nós recebemos mostram que o consumidor pode comprar a mesma marca online, na farmácia, na consultora e precisa ter acesso ao produto que ele gosta. A Avon também é uma marca que prega pela democratização da beleza. Isso significa ter um produto de qualidade e fazer com que o consumidor tenha acesso à marca, pegue o produto e sinta o cheiro aonde ele quiser. Seja com a consultora ou no ponto de venda. Não ser multicanal é estar fora do jogo.
Qual o papel da tecnologia e da inovação nesse movimento para se manter relevante?
Para você se manter vivo nesse mercado, você tem que ser relevante. Para ser relevante, você tem que se diferenciar. E você pode se diferenciar de várias formas, seja por meio de produtos ou de campanhas, e a gente escolheu os dois caminhos. Do lado da inovação, é sempre buscar um produto em que a gente possa liderar. A inovação é a eterna busca de trazer algo que ninguém tenha feito. E gerar conversa, dar palco para as mulheres e amplificar as suas vozes. Nós fomos um dos pioneiros a falar sobre diversidade há 10 anos e de ter essa preocupação nas campanhas. Quando a marca surgiu lá atrás em 1886, as mulheres não podiam nem votar. Depois de 30 anos, quando elas puderam votar nos Estados Unidos, já tinham independência financeira vendendo Avon. E isso se manteve no DNA da marca até hoje. Podem vir muitas marcas, mas se você é relevante, você sempre vai aparecer e o consumidor vai lembrar de você.
E pessoalmente na sua trajetória, como você se manteve relevante e acompanhando o mercado?
Tem a parte dos cursos formais e isso fez parte de muitos momentos da minha carreira. Hoje faço parte de várias redes de profissionais, de CMOs, para estar muito antenada com o que está acontecendo no mercado. Também me atualizo muito com o meu time que é muito jovem e me traz muitas questões. Também me desafio profissionalmente a deixar um marco todo ano desde que eu comecei a minha carreira.
O que mais te orgulha nesses 28 anos?
Este ano foi a entrada no varejo. Foi um marco e é algo inovador para uma marca que está há 70 anos no mercado e que sempre teve venda por relações. Desbravar o online, em que a gente já está crescendo triplo dígito esse ano, e também o varejo é um passo importante para a perenidade da marca.
Ao longo da minha carreira, eu sempre busquei fazer campanhas que impactassem as mulheres de alguma forma. Tem uma que eu gosto sempre de contar que foi literalmente uma ideia de chuveiro de fazer uma campanha com a Marta, jogadora de futebol, na Copa do Mundo em 2018. Os salários dos jogadores eram muito mais altos que os das mulheres e a Seleção Feminina era invisibilizada. Nenhuma marca de beleza contratava jogadoras de futebol. Isso mudou a partir daí. Colocamos a Marta em uma campanha de máscara de cílios no intervalo dos jogos da Copa do Mundo masculina e teve uma super repercussão. No ano seguinte, na Copa feminina, foi a primeira vez em que as TVs começaram a transmitir os jogos e a Marta estava na nossa campanha do batom de longa duração. Ela entrou em campo com o batom e nesse mesmo ano ela estava jogando com uma chuteira preta com o símbolo de igual, reivindicando salários iguais entre homens e mulheres no futebol.
Ela se consagrou a maior artilheira de todas as copas, feminina e masculina. A gente ganhou todos os prêmios, mas o principal foi participar dessa história de evolução da mulher na sociedade.
Em que momento da carreira você estava quando se tornou mãe?
A maternidade chegou quando eu era gerente de marketing. Um período em que eu já havia tido muitas conquistas profissionais e que planejei que acontecesse. Senti que era a hora. Um ano após voltar de licença maternidade, fui promovida a diretora. Meu filho é meu principal projeto. O que mais me desafia, realiza e me engrandece. Não vou romantizar, realmente não é fácil conciliar uma carreira intensa como a de marketing com a maternidade, mas é possível. E, aqui, entra a necessidade de um parceiro presente ou uma rede de apoio e a aceitação de que é impossível dar conta de tudo sozinha. Hoje, ele já está com 13 anos e busco ensiná-lo o quão importante é escolher uma profissão que te faça feliz para que, de fato, se dedique, sem isso ser um peso. Divido com ele minhas conquistas, dificuldades e ele acaba opinando e participando do meu dia a dia. Acho que ele tem bastante orgulho – ao menos é o que ele diz (risos).
Como é sua rotina hoje?
Na pandemia, eu e minha família tomamos a decisão de morar no litoral. Um sonho que seria colocado em prática mais para frente, mas por que adiar algo que já poderíamos realizar? Hoje me divido entre São Paulo e o litoral, buscando um equilíbrio entre a natureza e a cidade, a calmaria e o dinamismo, a vida simples com pé na areia e a roupa social do escritório, as conversas elaboradas sobre negócios e papo solto despretensioso. Pode parecer uma maluquice para muitos, mas para mim, meu marido e meu filho foi a melhor escolha. Recentemente, voltei a fazer aula de dança também, uma paixão que tinha largado há 20 anos e é por meio da dança que me concentro 100% no agora, que me expresso e que ganho leveza com firmeza.
Como foi assumir o seu primeiro cargo de liderança?
Foi difícil porque quando eu assumi eu ia liderar meus pares. Até então eu era um deles e virei a chefe. Com 24 anos, eu tinha 19 pessoas abaixo de mim. Era muita gente para uma pessoa inexperiente em gestão. Essa primeira cadeira foi difícil, mas aprendi a não perder a minha essência, ser fiel ao que eu sou. Eu acho que o gestor está a serviço da equipe e naturalmente ele vai se destacar. Sou uma gestora que busca isso. Meu lema é a transparência e eu quero que seja uma via dupla.
O que você acha que te destacou para assumir essa e outras posições?
Tem a questão do resultado e eu também nunca me acomodei a fazer o que eu era paga para fazer. Para mim isso é o contrato, eu gosto de ir um pouquinho além para realmente me destacar. Se eu queria dar um passo a mais na minha carreira, eu sabia que eu tinha que ser melhor do que os outros pares. E isso não é sobre competição com os outros, é uma competição comigo mesma.
O que você ainda quer fazer na sua carreira?
Quero ser feliz. O dia em que eu não tiver mais o brilho no olho e a vontade de fazer, acabou. Eu preciso ter essa motivação. E eu quero deixar um legado para as pessoas que vão vir depois de mim. Eu tenho como meta pessoal desenvolver e passar o que eu sei para as próximas gerações para que elas deem continuidade para essa marca que eu sou tão apaixonada.
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