Nas últimas semanas, o debate sobre o fim da escala de trabalho 6×1, quando o trabalhador trabalha seis dias e folga um, tem pautado as redes sociais. A deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) levou a medida para o Congresso Nacional em formato de Proposta de Emenda à Constituição (PEC) e conseguiu as 194 assinaturas necessárias para o projeto caminhar — mas ainda tem um longo caminho a ser percorrido até a aprovação.
Uma das questões que mais preocupa o trabalhador, no entanto, é como a redução da jornada de trabalho pode impactar os salários, uma vez que a redução na carga horária mínima é de oito horas semanais.
Para especialistas ouvidos pela Forbes Brasil, a intenção pode ser a de manter o salário inalterado mas, de forma indireta, uma redução não é descartada. Seja no valor que cai na conta ou na perda de poder de compra.
O que diz a lei?
A redução da jornada de trabalho sem impacto na remuneração tem amparo legal, mas com algumas limitações. Segundo Ricardo Christophe Freire, sócio da área de Direito do Trabalho do escritório Gasparini, Nogueira de Lima, Barbosa e Freire Advogados, o princípio da irredutibilidade salarial previsto na Constituição Federal – artigo 7º, VI, afirma que o empregador (isoladamente) não poderá reduzir o salário do empregado, em nenhuma situação, nem mesmo com a redução proporcional de jornada. No entanto, a legislação não aborda questões como o aumento nos custos dos serviços decorrentes dessa mudança.
Ainda, por outro lado, a Constituição permite a possibilidade de redução salarial mediante negociação com sindicato da categoria, por meio de Acordo Coletivo ou Convenção Coletiva.
Ou seja, apesar de ser possível que seja utilizada como instrumento para manutenção dos salários, também pode ser objeto de negociação para redução proporcional da remuneração em face da diminuição da jornada, alerta Paola Gabriela de Carvalho Tosta, especialista em Direito do Trabalho no PGBR Advogados.
Além da redução por Acordo ou Convenção Coletiva, temos as situações legislativas promovidas pelo Congresso e pelo Poder Executivo Federal, na edição de leis que estabelecem a redução salarial e diminuição de jornada de forma proporcional. No Brasil, isso já aconteceu no governo Dilma nos programas de preservação de empregos e durante a pandemia do Covid.
De fato, se a diminuição da jornada não acompanhar uma remuneração suficiente à subsistência familiar, é natural que as pessoas não utilizem o aumento do tempo livre para descanso, mas sim com meios de complementação de renda. Um exemplo disso são os empregados atuantes em regime 12×36 que, comumente, utilizam o descanso para complementação ou aumento da renda em seus revezamentos.
A advogada especialista em Direito do Trabalho no escritório Abe Advogados, Priscila Soeiro Moreira, destaca que se o salário for reduzido proporcionalmente, encargos que são aplicados em percentuais, como Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), também serão reduzidos em seus valores nominais. No caso do INSS, a diminuição da remuneração poderá implicar na baixa do percentual devido pelo empregado. Se, no entanto, houver a manutenção do salário, a redução da jornada não trará implicações nos encargos.
Impactos no custo
Na prática, a transição de reduzir a jornada de trabalho mantendo o salário não é tão simples. Segundo o economista e CEO da Amero Consulting, Igor Lucena, a principal dificuldade é que, inevitavelmente, o custo de produção aumentará.
De acordo com um estudo realizado pela VR, plataforma de serviços para trabalhadores e empregadores, 51% das empresas que utilizam a escala 6X1 são do segmento do comércio, como bares e restaurantes, serviços administrativos, hotéis e administração imobiliária. Ou seja, o setor de serviços.
“A realidade é que haverá um repasse de preços para o consumidor final e isso geraria uma pressão inflacionária muito grande”, afirma o economista.
O economista e sócio da GT Capital, Josias Bento, também concorda com Lucena que a situação irá gerar um efeito cascata em setores de alta competitividade, como o varejo, em que parte do aumento é transferida para os preços finais.
Lucena alerta que os altos custos de contratação incentivam a substituição de trabalhadores por tecnologia. As empresas já priorizam tecnologia em áreas como atendimento e produção devido à queda nos custos de implementação.
“Um exemplo são os caixas para pagar o estacionamento do shopping ou redes de fast food. A maioria já são todos substituídos por máquinas”, afirma o sócio da GT Capital. Também, para Bento, profissões de baixa qualificação podem sofrer mais, já que a tecnologia, geralmente, exige maior especialização.
A adoção dessas medidas, sem perda salarial, depende de condições econômicas específicas. Não há nenhum país ou especialista que tenha implementado isso sem o apoio governamental. Atualmente, no Brasil, não existem incentivos fiscais ou apoio financeiro para viabilizar esses modelos de trabalho. “É difícil analisar essa questão, como está sendo feito hoje, sugerindo mudanças na jornada sem que haja qualquer apoio governamental, apenas enfatizando que isso melhoraria a vida do trabalhador”, diz Lucena.