
Sophie Bellon está à frente de uma multinacional francesa com 447 mil funcionários que atendem cerca de 100 milhões de pessoas por dia em 45 países. Quando seu pai, Pierre Bellon, fundou a Sodexo, em 1966, Sophie tinha apenas cinco anos. Acompanhou o pai atuando como CEO até 2005 e deixando a presidência do conselho em 2016, quando ela assumiu. “Não tinha isso em mente. Foi um passo após o outro”, diz a executiva francesa ao relembrar sua carreira.
A parisiense de 63 anos assumiu a empresa no contexto do pós-Covid, em 2022, após uma experiência bem-sucedida à frente do conselho. “A pandemia foi a pior crise que nosso negócio já enfrentou”, lembra a executiva. “Aquele momento representava uma oportunidade de fazer as coisas de forma diferente, e o conselho confiou em mim para liderar essa transformação.”
Sob sua gestão, a Sodexo tomou decisões estratégicas para focar em inovação. A empresa reduziu o número de países onde atua – de 80 para 45 –, encerrou operações e fez o spin-off do braço de benefícios corporativos Pluxee, em 2024. “A inovação não está em conflito com nosso legado, ela é essencial para a nossa continuidade.” O grupo francês encerrou o ano fiscal de 2024 com receita de 23,8 bilhões de euros, aumento de 5,1% em relação ao ano anterior. A família ainda detém 43% das ações e 50% dos direitos de voto.
Desde que assumiu, Sophie trabalhou com base na filosofia do seu pai e fundador de “preservar as vantagens de uma grande empresa sem perder os benefícios de uma pequena.” “Temos uma visão global, diretrizes globais, processos comuns, mas ao mesmo tempo, no Brasil somos brasileiros, na Índia somos indianos. Na França, somos franceses. Nos Estados Unidos, somos americanos”, diz. Por aqui, a companhia tem cerca de 47 mil funcionários e também é liderada por uma mulher: Andrea Krewer. “Podemos olhar o que temos de melhor nos Estados Unidos para trazer para o Brasil e o que temos no Brasil para levar para a França e outros países”, diz a brasileira.
Trajetória até o topo
Sophie trouxe para a liderança da empresa familiar a experiência que construiu desde o início da carreira, nos Estados Unidos. Sua trajetória começa em 1985, como consultora de fusões e aquisições do banco Crédit Lyonnais, em Nova York.
Por incentivo do pai, ela e os irmãos se aproximaram da Sodexo e assumiram cadeiras no conselho de administração. Hoje, cada um deles trabalha em uma divisão do grupo. Natalie Bellon-Szabo é a responsável pela Sodexo Live!, negócio global de esportes e lazer, que foi a empresa de catering oficial dos Jogos Olímpicos de Paris 2024. O irmão François-Xavier Bellon é presidente do conselho de administração da holding familiar, a Bellon S.A., e Astrid Bellon lidera a fundação filantrópica da família. “Fomos criados com a ideia de que não se mistura árvore genealógica com o organograma da empresa.”
Sophie ingressou na companhia em 1994 como analista sênior no departamento financeiro. Desde então, participou de aquisições que dobraram o tamanho da companhia. “Foi uma ótima maneira de conhecer o negócio e entender os principais temas, especialmente do ponto de vista financeiro.”
Sem a pretensão de se tornar CEO, foi subindo, degrau por degrau. Alguns anos depois, foi nomeada gerente de projetos. Em 2005, assumiu a vice-presidência do grupo para retenção de clientes, e, três anos depois, a diretoria executiva de serviços corporativos na França. “Quando você é da família e trabalha na empresa, se for competente, vai crescer. Se não, nada vai acontecer.”
Em 2013, chegou à vice-presidência do conselho de administração da Sodexo, sendo responsável pelas áreas de inovação, pesquisa e desenvolvimento da companhia. Três anos depois, tornou-se presidente do conselho. Assumiu interinamente como diretora executiva em outubro de 2021 e foi nomeada presidente em fevereiro de 2022, um mês após a morte de seu pai.
A CEO da Sodexo conversou com a Forbes Brasil em sua recente passagem pelo país. Abaixo, Sophie Bellon conta como construiu sua trajetória até o cargo mais alto da empresa familiar, como equilibra legado e inovação e deixa conselhos para lideranças femininas.
Forbes: Você começou sua carreira em finanças. Como isso te ajudou a construir sua trajetória e a se tornar CEO?
Sophie Bellon: Fiz administração e não comecei trabalhando na Sodexo. Iniciei minha carreira nos Estados Unidos e, um dia, meu pai disse que nós, seus quatros filhos, faríamos parte do conselho de administração. Naquela época, a Sodexo era uma empresa muito menor.
Entrei em 1994 em uma equipe de negócios muito pequena, onde analisávamos a concorrência e também oportunidades de fusões e aquisições. Em 1995, adquirimos a Gardner Merchant, que era um grande player no Reino Unido, na Holanda e na Austrália, e dobramos nosso tamanho. Em 1998, também adquirimos um negócio muito importante nos Estados Unidos, a Marriott Management Services, e novamente dobramos de tamanho. Foi uma ótima maneira de conhecer o negócio e entender os principais temas, especialmente do ponto de vista financeiro.
Quando você começou, tinha a ambição de se tornar CEO? Isso era algo discutido com seu pai e sua família?
Não. Todos os meus irmãos atuam na empresa. Minha irmã Natalie, por exemplo, é responsável pelo negócio global de esportes e lazer. Meu irmão atua na holding, a Bellon S.A. Minha outra irmã lidera a fundação filantrópica. Fomos criados com a ideia de que não se deve misturar árvore genealógica com o organograma da empresa.
Quando comecei, foi porque estava interessada na companhia, mas não tinha isso em mente. Quando você é da família e trabalha na empresa, se for competente, vai crescer. E se não, nada vai acontecer.
E como você chegou a essa posição?
Foi um passo após o outro. Quando me tornei presidente do conselho, houve um processo público, envolvendo meus irmãos e também outros membros do conselho. Passei por esse processo e me tornei presidente.
Quando me tornei CEO, três anos atrás, o contexto foi um pouco diferente. Era o período pós-Covid, e a pandemia foi a pior crise que nosso negócio já enfrentou. O CEO da época gerenciou bem naquele momento, mas aquilo também representava uma oportunidade de mudar e fazer as coisas de forma diferente após a pandemia. O conselho confiou em mim para liderar essa transformação, e foi por isso que fui nomeada.
Quais os marcos da sua gestão desde então?
Fizemos muitas mudanças, como o spin-off da Pluxee, em 2024. Antes, o negócio era gerenciado por segmentos – serviços corporativos, educação e saúde –, mas agora devolvemos a responsabilidade para as regiões. O Brasil, por exemplo, é uma região muito importante para nós, e agora a Andrea [Krewer, CEO no Brasil] é a responsável pelo P&L na região.
Também reduzimos o número de países onde operamos. Há cinco anos, estávamos em cerca de 80 países, e hoje estamos em 45. Além disso, gerenciamos o portfólio de forma mais ativa. Por exemplo, estávamos no setor de cuidados infantis e assistência domiciliar para idosos, mas decidimos encerrar essas operações para focar em alimentação e experiências de valor.
Como identificar o que priorizar? O que guia as suas decisões?
O mercado está mudando, e se queremos continuar sendo o número um no Brasil e manter nossa liderança em outros países, precisamos seguir investindo – em pessoas, em inovação. Nos últimos três anos, estivemos muito ativos na transformação da organização no pós-pandemia, porque o mercado está em constante mudança. Nas empresas, por exemplo, nossos clientes estão nos pedindo ajuda para trazer os funcionários de volta ao escritório. A alimentação tem um papel fundamental nisso – o que acontece no escritório precisa ser diferente do que acontece em casa.
Como você tem lidado com essas mudanças do mercado e novas tendências?
Somos uma empresa com 447 mil funcionários no mundo e quase 47 mil no Brasil. Sempre fomos muito focados em pessoas. Meu pai fundou a empresa há 60 anos e, desde o início, estabeleceu uma missão e valores. Naquela época, ninguém falava sobre isso. Nossa missão sempre foi melhorar a qualidade de vida dos nossos colaboradores e das pessoas que atendemos, além de contribuir para o progresso econômico, social e ambiental das comunidades onde operamos. Era uma visão muito à frente do seu tempo. Hoje, todo mundo fala sobre sustentabilidade, mas na época não era assim. Nossos valores fazem parte do nosso DNA e estão incorporados na organização. Quando visito o Brasil, a Índia ou os Estados Unidos, fico impressionada com o fato de esses valores ainda estarem presentes depois de 60 anos. Isso vem dos nossos líderes, como a Andrea no Brasil. Precisamos ter a equipe certa para garantir essa continuidade.
Quais as iniciativas em relação à sustentabilidade?
É um compromisso que também começou há 60 anos, mas hoje assumimos compromissos ainda mais firmes em relação ao combate ao desperdício, alimentação sustentável e impacto ambiental. Sempre fez parte da empresa, mas agora estamos reforçando isso, até mais do que a concorrência. Queremos ter um impacto positivo nas pessoas e no planeta. Esse propósito é um grande fator de motivação para aqueles que permanecem na empresa por muito tempo.
Quais foram as lições mais valiosas que você aprendeu com seu pai?
Ele tinha uma visão muito inovadora, com ideias que estavam muito à frente do seu tempo. Ao mesmo tempo, era muito próximo das pessoas. Ele se interessava pelos nossos clientes, pelos CEOs, mas também por todos os funcionários que trabalhavam diretamente nas unidades. Até hoje, encontro pessoas que me dizem: “Conheci seu pai há 10 ou 15 anos”. Isso é muito poderoso.
No nosso setor, você precisa gostar e se interessar genuinamente por pessoas. E essa era uma característica dele. Também estava sempre pensando no futuro. “O que vem a seguir? Como podemos melhorar?” Esse espírito de progresso é essencial.
Como você equilibra a manutenção do legado da empresa com a busca por inovação?
Não temos escolha. O legado está na missão, nos valores e na cultura dos líderes e colaboradores. Mas o ambiente está mudando rapidamente – com personalização, digitalização, sustentabilidade – e precisamos nos adaptar. Por isso, tomamos decisões estratégicas, como sair de alguns negócios para focar em inovação.
Na área de esportes e lazer, por exemplo, implementamos robôs para entregar comida em universidades nos EUA e lojas autônomas em estádios, onde os clientes entram, pegam o que querem e saem sem precisar pagar no caixa. A inovação não está em conflito com nosso legado, ela é essencial para nossa continuidade.
E tirando o crachá, quem é a Sophie?
Sou mãe de quatro filhos, que já não são mais crianças – o mais velho tem 35 anos e o mais novo vai fazer 30 este ano. Minha família é muito importante para mim. Meu pai faleceu há três anos, mas éramos todos muito próximos. Agora, mantenho essa proximidade com minha mãe, meus irmãos e nossos filhos. Também acho essencial manter um equilíbrio. Faço yoga, pilates, adoro arte – sempre que posso, vou a um museu ou exposição.
Qual conselho você daria para mulheres em posições de liderança ou que estão buscando chegar lá?
Uma lição importante que aprendi é: não tente ser perfeita. Está tudo bem em fazer 80% do que gostaria, sem precisar atingir 100%. Também é fundamental pedir ajuda – do parceiro, da família, dos amigos. E, nos momentos difíceis, compartilhar as dificuldades com pessoas de confiança.
Às vezes, é difícil acreditar em si mesma e ter coragem para dar o próximo passo. Por isso, é essencial buscar modelos de referência e mentores que possam inspirar e orientar. Acreditamos muito no poder dos modelos para impulsionar carreiras. Além disso, cercar-se de redes de apoio que promovam a inclusão pode fazer toda a diferença, como a nossa rede SoTogether, que tem sido fundamental no avanço da inclusão de gênero.
Também é possível aproveitar programas de desenvolvimento de liderança, como o SHE LEADS, lançado pela Sodexo em 2016, que capacita mulheres a desenvolverem habilidades de liderança. Até o momento, o programa já beneficiou 800 mulheres em 30 países.
Qual o impacto das CEOs mulheres para o fortalecimento da liderança feminina?
Acredito profundamente que a representatividade nos cargos de liderança impulsiona mudanças. O engajamento e a liderança pelo exemplo são fundamentais. Na Sodexo, adotei uma abordagem responsável para promover a inclusão de gênero. Fomos uma das primeiras empresas francesas a nomear uma Chief Diversity Officer em 2007, reportando diretamente ao CEO, para estabelecer uma forte cultura de inclusão dentro da empresa, com resultados concretos. Hoje, 50% do nosso comitê executivo, 40% do nosso conselho de administração e 41% dos nossos líderes seniores são mulheres.
Acredito que CEOs também têm a responsabilidade de demonstrar que a diversidade é um impulsionador de desempenho, e não apenas um requisito de conformidade. Nossos estudos internos de 2015 e 2017 mostraram que equipes mistas (com equilíbrio de gênero entre 40% e 60%) são mais engajadas, inovadoras e de alto desempenho.