Desde a sua criação e os seus primeiros passos hesitantes, a moeda que deve muito ao esforço pessoal de dois líderes (Helmut Schmidt e Giscard d’Estaing) esteve sempre mais bem cotada que o dólar americano. Seis meses antes de passar a circular fisicamente, tive a oportunidade de presenciar em Beaver Creek um acalorado debate entre quatro personagens de relevo mundial.
Schmidt e Giscard de um lado; Alan Greenspan e Stanley Fischer, do outro, em uma grande mesa redonda na qual se aboletavam poucos convidados, eu, inclusive.
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Greenspan, sempre ácido, comentou que o euro teria vida curta. Errou. Schmidt disse que o euro substituiria o dólar como moeda universal. Errou. Mas, no fundo, todos acertaram ao admitir que seriam duas moedas em circulação no Ocidente e que seriam cotadas muito próximas em sua trajetória mercantil.
A guerra da Ucrânia, a Covid, o Brexit, o diferencial de taxas de juros entre USA e Europa, o dinamismo das economias, as trocas de liderança na Alemanha e as questões energéticas internas da Europa e dos Estados Unidos alteraram a perspectiva econômica dos dois blocos. O resultado foi a valorização do dólar nos mercados mundiais, com reflexos diretos também no Brasil. Há uma percepção entre os agentes financeiros que a Comunidade Europeia caminha para uma estagflação, ao passo que a América está criando uma nova modalidade, que denominei cresciflação.
Basta vermos os números. Inflação nos USA de 9,5%, mas geração de mais de 340 mil empregos em junho e desemprego em queda. E, mais importante, PIB previsto em alta, além de 3,5%. Energia cara, mas abundante. E como os juros serão alçados a mais de 5%, o influxo financeiro será ainda maior, fortalecendo o dólar diante do euro e do real. Os reflexos sobre a economia brasileira serão sobre os preços de importados e também no item petróleo, refletindo-se na inflação doméstica.
Por outro lado, como divulgado no Relatório da Inflação, publicado pelo Banco Central, a situação nas nossas contas externas é favorável ao país. Primeiro superávit em transações correntes em 15 anos: US$ 4 bilhões; superávit da balança comercial após ano recorde de importações: US$ 86 bilhões. Investimentos diretos ainda tímidos: US$ 55 bilhões. As reservas brasileiras devem ultrapassar os US$ 400 bilhões.
E uma pequena digressão sobre o Brasil de hoje. Vou voltar à cresciflação. De janeiro a maio, o país abriu 1 milhão de vagas de trabalho. Fecharemos o ano com números acima de 1,6 milhão de empregos, e a taxa de desemprego caindo para cerca de 8,9% da população. A arrecadação fiscal crescendo 4,13% e atingindo o maior valor desde 1995. Suficiente este crescimento para cobrir os gastos do Auxílio Brasil sem tripúdio ao equilíbrio fiscal. Três por cento de crescimento do PIB será no mínimo alcançado.
Assim, me pergunto. Que país é este, em crescinflação, mas com números tão positivos, que mesmo as vivandeiras da tragédia terão de pensar duas vezes para manter um nível adequado de críticas, sempre necessário, desde que pautado na realidade dos fatos.
Mario Garnero é fundador e presidente honorário do Fórum das Américas, fundador e presidente da Associação das Nações Unidas-Brasil e fundador do Grupo Brasilinvest. Anteriormente, foi presidente do CNI (Confederação Nacional da Indústria) e da ANFAVEA (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores) e diretor da VW do Brasil e da Monteiro Aranha.
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Artigo publicado na edição 99 da revista Forbes, em julho de 2022.