Ninguém discorda de que um dos traços marcantes da sociedade brasileira é a desigualdade social. Pergunte ao economista liberal com brilhantina nos cabelos ou à estagiária meio intelectual, meio de esquerda. A resposta será a mesma.
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A questão é saber por que o Brasil é um país desigual. As respostas poriam fim ao fugaz consenso entre perspectivas ideológicas tão díspares. As divergências, no entanto, são insuficientes para invalidar a tese de que essa conta é do Estado brasileiro.
Vamos imaginar o inimaginável, só para efeito de argumentação. Como ficaria a distribuição de renda se eliminássemos o Estado da equação? A única consequência certa é que o povo não teria de arcar com uma carga tributária equivalente a um terço de seus ganhos. Em outras palavras, o imposto embutido no pão ou no celular não teria de custear supersalários ou superaposentadorias. Sim, porque, dada a péssima qualidade dos serviços públicos, são essas distorções que consomem grande parte do imposto arrecadado. A verdade é que o Estado brasileiro sustenta uma estrutura que não apenas não nos serve, mas, ao contrário, serve-se da sociedade e de seu setor produtivo – empresas e trabalhadores.
O Estado brasileiro sustenta uma estrutura que não apenas não nos serve, mas, ao contrário, serve-se da sociedade e de seu setor produtivo
É conhecido o problema da Previdência pública. Já abordei esse tema muitas vezes, mas nunca é demais voltar a ele. Trata-se de um programa de transferência de renda às avessas. O Estado custa caro, gasta mal e regressivamente. Isso se explica pelo alto percentual que a Previdência e a dívida pública tomam do Tesouro. Sobra pouco (muito pouco) para investimentos e capacitação das pessoas por meio da educação.
O economista José Márcio Camargo tem demonstrado a importância da responsabilidade fiscal e das reformas no Brasil. A curva de crescimento da dívida pública deverá ser invertida apenas em 2022, quando alcançar 94% do PIB. Camargo lembra, a propósito, uma frase memorável de Margaret Thatcher: “Só existem paraísos fiscais porque existem infernos fiscais”. Para ele, isso define a situação brasileira. Vale registrar suas palavras: “O Brasil resolveu criar uma série de infernos para o crescimento: fiscal, trabalhista, tributário, regulatório, educacional, trabalhista. Todos eles precisam ser resolvidos se realmente quisermos crescer no longo prazo”.
Sem crescimento, não há renda; sem renda, não há o que distribuir. A prosperidade é ferida de morte nesse inferno estatal verde-amarelo. O problema é antigo. Roberto Campos destacava o quanto o Estado brasileiro falhava ao tentar cumprir sua missão primária de garantir educação básica, saúde e segurança. E não adianta proteger demais se esse escudo gera desemprego. “Não há exclusão maior que o desemprego. Os países ditos protetores têm índices de desocupação muito maiores.”
Os profetas da desigualdade se valem do economista da moda, Thomas Piketty, que vendeu mais de 1 milhão de cópias de seu livro “O Capital no Século 21”. Ele afirma que a riqueza tende a se concentrar em poucas mãos e que essa é uma característica inevitável do capitalismo. Será?
Não é nisso que acredita Carlos Góes. Para o economista, que se debruçou sobre o trabalho de Piketty, não há evidência empírica de que suas previsões catastróficas em relação à desigualdade devem se materializar. “Em pelo menos 75% dos países, a resposta da desigualdade aconteceu de forma oposta ao postulado por Piketty”, escreveu em seu relatório ao FMI.
Aqui temos o velho embate entre igualdade e liberdade. O que o leitor prefere: viver numa tribo mal saída do neolítico em que todos são iguais ou viver em Manhattan, por exemplo, mesmo que seja na base da pirâmide? Numa sociedade próspera, as pessoas têm escolhido, democraticamente, desfrutar de direitos iguais, desde que possam dispor da opção de buscar objetivos distintos.
Do ponto de vista teórico, seria fácil acabar com a desigualdade. Bastaria subir para 90% o imposto de renda das pessoas que estão nos níveis superiores da pirâmide. Mas, na prática, esse modelo não se sustenta. Não apenas porque provocaria um nivelamento por baixo, um achatamento da sociedade. A ameaça maior seria a presença de um poder tonificado que esmagaria uma população empobrecida e sem perspectiva de ascensão econômica.
Não é isso o que o Brasil quer. É hora de percebermos que o combate à desigualdade só se dará por meio de uma revolução da eficiência, que cada centavo pago pelo cidadão é um investimento na sociedade. O Estado não está nos fazendo um favor ao prestar um serviço. É sua obrigação.
*Flávio Rocha é presidente da Riachuelo e vice-presidente do IDV (Instituto para o Desenvolvimento do Varejo)
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