Eis um tema totalmente vencedor para o presidente Donald Trump, no qual ele enfrentará um flagrante abuso comercial e, ao mesmo tempo, avançará em sua meta de reduzir o preço dos medicamentos de venda controlada: insistir que os compradores estrangeiros de produtos farmacêuticos dos Estados Unidos – praticamente só órgãos públicos – paguem sua cota justa dos custos de pesquisa e desenvolvimento desses remédios. Atualmente, os norte-americanos estão subsidiando o uso de nossos fármacos no exterior.
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Veja como isso funciona. Para colocar um novo remédio com sucesso no mercado dos Estados Unidos, gastam-se, em média, US$ 2,4 bilhões. O processo de aprovação completo leva cerca de 12 anos até a droga receber o sinal verde final. As despesas incluem todos os medicamentos em potencial que não conseguem sair dos laboratórios de pesquisa ou que fracassam nos dispendiosos e demorados testes clínicos da Food an Drug Administration (FDA).
As companhias farmacêuticas obtêm patentes de suas drogas com duração de 20 anos, o que significa que têm por volta de oito anos de monopólio (20 anos da patente menos os 12 anos para superar todos os obstáculos até que um fármaco específico possa ser vendido). Não é à toa que o preço inicial de um novo remédio seja altíssimo, embora o custo real de fabricação por comprimido seja minúsculo. (Em termos ideais, quando cai a patente de uma droga, os imitadores rapidamente põem cópias dela no mercado – os genéricos –, e os preços despencam. Lamentavelmente, os regulamentos da FDA vêm atrapalhando esse processo. O novo dirigente da FDA, Dr. Scott Gottlieb, vem removendo os entraves, motivo pelo qual o ritmo de aprovação de drogas mais do que dobrou.)
Quando uma companhia farmacêutica vende um novo medicamento no exterior, os compradores exigem um preço que é uma fração do que os clientes norte-americanos pagam. Essa exigência se assemelha mais a um processo mafioso do tipo “vamos fazer uma oferta que vocês não poderão recusar” do que a uma negociação normal. A ameaça implícita – e às vezes explícita – é que, se a companhia não se submeter, o país permitirá que uma cópia barata do remédio seja produzida por outra empresa.
Agora, os Estados Unidos deveriam tornar a precificação justa de drogas norte-americanas no exterior uma de suas maiores prioridades comerciais: quem não quiser pagar por nossa pesquisa e desenvolvimento não terá nossos comprimidos. Ponto final. E quem tentar fazer o jogo da imitação será alvo de penosas retaliações.
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Um êxito nessa medida significaria custos substancialmente mais baixos para os consumidores dos Estados Unidos. A publicidade em torno do assunto também mostraria aos norte-americanos que grande parte de nosso sistema de aprovação atual é oneroso – e antiquado – e geraria, assim, apoio político às reformas do tipo que Scott Gottlieb está promovendo na FDA. Um benefício colateral seria diminuir a resistência da FDA ao desejo do presidente de permitir que pacientes terminais tenham o direito de usar medicamentos que ainda não passaram pelas barreiras burocráticas à aprovação.
Hoover: uma vida extraordinária
Os historiadores sensatos não são ingênuos a ponto de categorizar figuras notáveis – em geral, as coisas são bastante complexas –, e para nenhuma outra pessoa isso é mais válido do que para Herbert Hoover, o 31º presidente dos Estados Unidos. Por um lado, ele é um dos maiores líderes humanitários da história, cujas iniciativas extraordinárias e inovadoras salvaram literalmente dezenas de milhões de pessoas da inanição na Europa durante e após a 1ª Guerra Mundial. John Maynard Keynes não foi o único, naquele período, a considerar Hoover um dos homens mais destacados de sua época. Numa era em que Washington nunca se envolvia em assistência em catástrofes, Hoover, por iniciativa própria como secretário do comércio, lançou e conduziu de forma brilhante um enorme empenho para aliviar o imenso sofrimento causado pela grande enchente do Mississippi em 1927. Sem sua intervenção decisiva, a perda de vidas teria sido incalculavelmente maior.
Por outro lado, ao sair da presidência em 1933, após um mandato, Hoover se tornou provavelmente a pessoa mais difamada e odiada a ter ocupado a Casa Branca. Era
caricaturado como frio e indiferente às privações humanas sem precedentes provocadas pela Grande Depressão. Essa calamidade econômica incomensurável começou durante a gestão de Hoover, e ele foi visto como incapaz de enfrentá-la com sucesso. Seu mau jeito político e suas declarações otimistas permitiram que ele fosse retratado – até os dias de hoje – como desligado, impotente e incompetente. Sua personalidade circunspecta contrastava nitidamente com a de seu sucessor, o exuberante e alto-astral Franklin D. Roosevelt, que inspirava confiança.
FDR não teve mais sucesso do que Hoover em matar essa besta dos tempos difíceis, como prova a depressão de 1937-1938, no segundo mandato de Roosevelt, quando o desemprego saltou para 20%.
A biografia desse homem de muitas contradições – livro abrangente, bem pesquisado e escrito em estilo fluido por Kenneth Whyte – pinta um quadro tão completo quanto se poderia desejar. Felizmente, Whyte não assume o papel que muitos autores anteriores assumiram – o de advogado de acusação ou de defesa. Essa obra-prima imparcial será um padrão de referência por muitos anos.
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A história de vida de Hoover em seus primeiros anos teria fascinado Abraham Lincoln como exemplo de superação de imensos obstáculos pelo esforço pessoal. Filho de um ferreiro quaker de Iowa e de sua esposa, Hoover ficou órfão aos 9 anos, e ele e os irmãos foram despachados para diversos parentes. Durante a maior parte da infância, Hoover foi um desajustado, sempre trabalhando, mas nunca recebendo afeto real, o que ajudou na formação de sua personalidade retraída e na completa falta de encanto social, traços que se mostraram fatais para sua atuação política e, posteriormente, para sua reputação.
Apesar de ser um aluno sempre indiferente, Hoover exibiu logo cedo sua incrível capacidade de organização. Com habilidade, reorganizou a sede da empresa do tio.
Foi admitido na primeira turma da nova Universidade Stanford em 1891, apesar de ter sido reprovado no exame vestibular (a instituição precisava de alunos), e veio a ser admirado como o mais destacado geólogo norte-americano. Hoover teria assumido um cargo no Serviço Geológico dos Estados Unidos se não fosse a falta de recursos financeiros causada pela depressão que afligia o país na época.
Depois de Stanford, Hoover foi trabalhar no ramo de mineração na China e em outros lugares, alcançando um sucesso fenomenal. Aos 40 anos de idade, era um homem tremendamente rico, que trabalhava em Londres e buscava uma maneira de entrar no serviço público em seu país de origem.
Foi quando estourou a Grande Guerra. Sem que ninguém lhe pedisse, Hoover se encarregou imediatamente de levar de volta para casa mais de 100 mil norte-americanos em dificuldades. Foi uma iniciativa incrível que envolveu arrecadação de fundos, logística e improvisação. Depois, Hoover mergulhou na tarefa de alimentar cerca de 9 milhões de pessoas na Bélgica e no norte da França, ocupados pela Alemanha. Os alemães tinham deixado essas áreas desprovidas de gêneros alimentícios, e o bloqueio naval britânico assegurava que nenhum alimento pudesse entrar.
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Hoover persuadiu os britânicos a deixarem que a comida fosse entregue por meios de transporte neutros e os alemães a não confiscarem essas provisões – ele organizou todo esse trabalho de ajuda a um custo mínimo.
Quando os EUA entraram na guerra, em 1917, Hoover virou o responsável norte-americano pela comida e novamente teve uma atuação milagrosa. Terminada a 1ª Guerra
Mundial, ele salvou da inanição dezenas de milhões de pessoas na Rússia e em outras partes da Europa durante a Guerra Civil Russa.
Após uma tentativa amadora, em 1920, de ser indicado pelo Partido Republicano para concorrer à presidência, Hoover foi nomeado secretário do comércio, cargo periférico no gabinete. Ele transformou esse órgão modorrento num dínamo de hiperatividade, impulsionando o desenvolvimento do rádio, da aviação e mesmo da televisão. Promoveu o estabelecimento de padrões de mercado e técnicas de economia de custos para ajudar os negócios e para tornar a gestão pública mais eficiente. Nenhum secretário do gabinete tinha atingido um recorde de realizações como esse desde Alexander Hamilton.
Não é de admirar que Hoover tenha seguido para a presidência em 1928, obtendo uma vitória esmagadora. O próprio engajamento que lhe tinha proporcionado tanto sucesso levou Hoover a uma série de erros catastróficos. Qualquer discussão sobre a Grande Depressão – suas causas ou que deveria ter sido feito – é sempre carregada de grande controvérsia.
É no mundo da interpretação que se podem debater algumas das conclusões de Whyte. Na opinião de quem escreve estas linhas, o maior equívoco de Hoover foi transformar a tarifa Smoot-Hawley em lei. Ela fez incidir impostos novos ou mais elevados sobre milhares de itens de importação, desencadeando uma guerra comercial mundial que levou economias do mundo todo a uma espiral descendente.
*Steve Forbes é editor-chefe de FORBES
Coluna publicada na edição 58, lançada em abril de 2018