Preciso confessar, meu background nunca foi gestão. Cresci na favela, em Guarulhos. Depois fui para a periferia. Aprendi bastante coisa, como jogar futebol, disputar jogos tensos e decisivos em campos de várzea lotados. Isso me ensinou muito a gerir as emoções, o medo, a pressão. Mas nada sobre gestão de indicadores.
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A periferia também é chamada de quebrada. Foi lá que aprendi a resolver meus problemas e também a evitar me enfiar neles. Foi lá minha escola sobre relacionamentos e, principalmente, onde aprendi que é sempre melhor fazer pontes em vez de muros.
Com pouco dinheiro, vi minha mãe racionar comida dentro de casa. Ela picotava um bife em diversos pedaços para que toda família pudesse se alimentar. Fui entender mais tarde que a forma encontrada por minha mãe parecia muito com o método OBZ com o qual a Ambev trabalha, porém, aplicada aos negócios.
Eu vi primo, tio e amigos morrerem antes dos 40, dos 30, dos 20 e dos 15 anos de idade. Eu fui aprendendo a sobreviver, e isso eu levei para os negócios sociais. Sobreviver no Brasil é uma arte de saber trafegar, desviar das balas disparadas pela burocracia e carga tributária. Tem de ter a casca grossa. De tanto ver gente morrer, aprendi a fazer o Gerando Falcões sobreviver.
Visitei meu pai no presídio. Ainda me lembro das vezes que pedi “benção pai” e de ouvir sua resposta: Deus abençoe. E logo em seguida ouvir também as grades frias da cadeia se fecharem e de ver as lágrimas de minha mãe descerem. A volta para casa era sempre segurando a mão de minha mãe no caminho e ouvindo seu conselho: filho, não importa de onde você vem, mas para onde você vai. Foi lá que eu aprendi a não ter vergonha do meu começo e ter ousadia de sonhar grande. Bem grande. Descer até o fundo do poço pode fazer as pessoas almejarem o topo.
Quando comecei a empreender, levava todos estes aprendizados na raça. Era como se a vida cantarolasse no pé do meu ouvido todos esses episódios. Era preciso estufar o peito, encarar os desafios, erguer a cabeça: isso já era liderar, empreender. Isso me ajudou na construção e nos propósitos de Gerando Falcões e de toda nossa cultura. Mas eu percebi que não era suficiente, faltava um componente técnico. Faltava gestão.
Perguntei para o mercado quem fazia gol de placa em gestão no Brasil. A resposta era quase sempre a mesma: Ambev. E lá se foi o menino da favela bater na porta deles. O que eu pedi para a Ambev? Doação de tempo para alcançar eficiência em gestão.
Jorge Paulo Lemann, o líder que transforma cordeiros em leões, conectou-me rapidamente com Bernardo Paiva, CEO da companhia no Brasil. Bernardo surfa, sempre que pode, e quando chega à Ambev tem fôlego para inspirar a turma a enfrentar o mar bravo do Brasil. O cara é muito bom com gente. Ele aceitou o pedido de primeira e me disse que era mais simples do que eu imaginava.
Sob o comando de Fábio Kapitanovas, diretor de gente e gestão da Ambev, começamos a criar indicadores, baseados em nossos gaps. E gestão para o Kapita é igual bater falta para o Zico: fácil, fácil.
Estudamos todas as jogadas, entre elas, a frequência dos alunos em nossos programas sociais, evasão, jovens formados e inseridos no mercado de trabalho, ex-presidiários fora do crime e alocados em empresas, novas companhias parcerias e muitas outras. Criamos indicadores de aumento da nossa influência nas redes sociais. Implantamos o Orçamento à Base Zero (OBZ), aquele que minha mãe usava, e inserimos os rituais de gestão, reunião de blindagem, reunião trimestral e muitas outras coisas.
A princípio, foi um parto internamente. Se trocar um sofá de lugar em casa sem combinar com a esposa gera problema, imagina dentro de uma organização social, com dezenas de cabeças diferentes. Tem de ter fibra, posicionamento e muita vontade de não fazer um voo de galinha, mas de falcão.
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Voamos. Como todo falcão que se preza, voamos alto, meu amigo. Recentemente, fechamos o primeiro trimestre do ano, e o resultado foi alcançar em três meses o que tínhamos demorado o equivalente a um ano para conseguir. Organizamos-nos, aceleramos, com um olho nos indicadores e outro no gol. O placar ainda tem muito para melhorar, é verdade. Ainda existem indicadores abaixo da meta, mas não temos dúvidas de que será questão de tempo.
Lembro que, na mesma semana, embarcamos o aplicativo de mobilidade 99 para ser parceiro na favela, dando aulas de programação aos jovens. Enquanto isso, estávamos empregando alguns no Itaú, como Jovem Aprendiz. Nosso coordenador de esporte alcançava o menor índice de evasão, porque cumpriu o número de visitas na favela e ligações aos pais dos alunos. Mais um egresso do sistema penitenciário estava sendo empregado na IS Logística. E nossa CFO havia enxugado custo de transporte, também por conta da parceria com a 99.
As métricas da Ambev me ajudaram a potencializar tudo que aprendi na favela, nos campos de várzea, visitando meu pai no presídio, vendo meus amigos morrerem. Essas métricas estão desenvolvendo meu time a uma velocidade incrível, porque eu consegui tirar todo mundo da zona de conforto. Afinal, você já viu algum mar calmo formar grandes marinheiros?
E, no final, isso não é pesado. É legal. E não é legal porque quem bate a meta tem uma gratificação no salário. É incrível porque estamos salvando mais vidas, utilizando de forma mais eficiente a doação que recebemos de grandes empresas do país e de brasileiros apaixonados. E mais sensacional ainda porque nossas métricas são amigas do nosso propósito. Se o mercado pode definir todos os anos metas exorbitantes de lucratividade, nós também podemos definir números ousados de impacto nas favelas e de inclusão social.
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O único CEO que eu conhecia era meu pai. Ele pilotava uma quadrilha. E eu influenciei meu pai, quando eu tinha 7 anos, a deixar o crime. Agora tenho a chance de conhecer outros CEOs, mas de empresas globais. E pretendo continuar influenciando os CEOs brasileiros a ajudar a favela a virar o jogo.
Aqui funcionou. A Ambev criou o programa VOA, que dá consultoria voluntária de gestão a ONGs do Brasil inteiro para se estruturarem, como aconteceu com o Gerando Falcões.
Empreendedores sociais, vamos falar com as empresas. CEOs e executivos, não digam “não” para os nossos líderes sociais. Você pode ter métricas de vendas e faturamento, mas em um Brasil como o nosso, se não tiver métricas de impacto, a sociedade não vai reconhecer o seu valor.
Edu Lyra é um colaborador da Forbes Brasil. Sua opinião é pessoal e não reflete a visão editorial de Forbes Brasil.