Em uma tarde sem graça de segunda-feira, quando desperdiçava meu tempo lendo updates sem importância de pessoas igualmente sem importância no Facebook, deparei-me com a notícia da morte de um amigo.
Não era um amigo de Facebook, daqueles que você aceita o convite porque senão pode ficar chato. Aqueles que fazem parte da longa lista de amigos virtuais que não vemos há décadas. Que não cheiram nem fedem. Este não era um amigo de Facebook.
O amigo que morreu era amigo de conversar ao vivo. Daqueles que abraçamos quando nos vemos e sentimos saudades de verdade. Daqueles que sabem histórias da nossa adolescência que jamais podem ser publicadas no mesmo Facebook que anunciou a sua morte. Daqueles cujos papos nos encontros, apesar de raros, parecem que sofreram interrupções de minutos e não anos.
Estava lá a notícia postada em sua conta pelo sua esposa: morreu ontem de manhã devido à complicações disso e daquilo, será velado na igreja lá do bairro e enterrado no cemitério daquele outro bairro perto da quadra onde jogávamos futebol quando éramos crianças.
Abaixo do fatídico post, uma longa lista de mensagens de pessoas igualmente surpresas. Algumas conhecidas, outras nem tanto. A maioria mandando os “sentimentos” para a família. Será que eles a conheciam, pensei? Força aí! Estamos rezando por vocês. Estamos pensando em você.
Nessa hora, cada um escreve o que pode.
Meu amigo tinha a minha idade, havia frequentado os mesmo colégios, formado na mesma faculdade, não tinham nenhum vício que causasse dano à saúde além de, como eu, torcer para o Palmeiras. Nos formamos e fomos trabalhar em grandes empresas. Aquelas que, quando não nos demitem em reestruturações aleatórias, nos deixam super ocupados por 30 anos até que nos aposentemos com uma festinha na sala de reuniões.
Ele era conhecido e respeitado no mercado. Figura frequente nos eventos de marketing, assíduo participante do Festival de Criatividade de Cannes, ganhador de Leões, palestrante, articulista de revistas e muito querido por todos.
Ele andava ocupadíssimo nos últimos dois anos com um projeto global. O projeto já havia cancelado duas férias com a família, feito ele trabalhar na Ásia por mais de um mês sem voltar para casa e ter perdido os aniversários de seu filho e esposa. Era um projeto que só ele podia fazer. Por isso mesmo, trabalhava 13 horas por dia e muito nos finais de semana.
Apesar de não haver sido promovido por anos e ter acumulado o trabalho de três gerentes que deixaram a empresa em “otimizações de quadro”, dedicava-se descontroladamente àquele projeto. Sabia que trabalhava demais e sentia-se mal por isso, mas consolava-se dizendo para si mesmo e para a sua esposa que era apenas uma fase. Que quando o projeto acabasse e a promoção finalmente chegasse, tudo seria diferente.
Mas ele acabou antes do projeto.
Assim como eu, meu amigo fazia planos de aposentadoria na praia. Em Miami. Queria sair da cidade e comprar aquele apartamento com vista para o mar para finalmente poder relaxar. Disse-me uma vez que pararia quando completasse 55 anos. Achei improvável aquele workaholic parar tão cedo mas admirei sua determinação. Chegamos até a pensar em comprar imóveis no mesmo condomínio.
Quando eu me aposentar, vou começar a estudar francês, tocar violão e viajar o mundo. Apesar de eu adorar meu trabalho, sei que esta será a melhor fase de minha vida, dizia com frequência.
Na empresa onde trabalhava, aquela do projeto super importante que só ele podia fazer, mandaram um e-mail para os funcionários dizendo que “estavam muito tristes em comunicar a morte dele”, que “ele era uma pessoa muito admirada” e que “deixava esposa e um filho”. Dizia também que João não sei das quantas assumiria seu trabalho e daria continuidade ao seu projeto. Aquele que só ele podia fazer.
No jornal de marketing saiu uma nota no Twitter comentando a sua morte. Teve quatro curtidas.
A história dele poderia ser a minha, a sua e a de um monte de gente conhecida. Meu amigo ralou muito no trabalho, fez um monte de sacrifícios, engoliu um monte de sapos e se foi com planos pessoais não executados.
Pra ele não dá mais tempo, mas pra gente ainda há solução. Nesse começo de ano, pense bem nos sacrifícios que você fará todos os dias e no que realmente é importante para você.
A empresa pode esperar, nem toda viagem é necessária, nem toda reunião é urgente, raramente férias precisam ser canceladas. Com ou sem você, a empresa, o projeto e a reunião acontecerão da mesma forma. Aquele apartamento em Miami, não.
Um abraço pro meu amigo, esteja lá onde estiver.
Ricardo Fort é um colaborador da Forbes Brasil. Sua opinião é pessoal e não reflete a visão editorial de Forbes Brasil.