Mercado mundial 2019: quer vender seu peixe? Em primeiro lugar, decida de quem ele é vítima, a que minoria ele pertence e que preconceitos sofre. É essencial informar que é um peixe fora d’água. A partir daí você pode ornamentá-lo como quiser e colocá-lo em qualquer feira, que a venda é certa. Quem, nos dias de hoje, seria louco de se desviar dessa receita infalível?
Carlos Vereza. O ator consagrado na TV, no teatro e no cinema está apresentando seu primeiro filme – criado, roteirizado, interpretado e dirigido por ele mesmo. “O Trampo”, máxima heresia, é sobre a vida. Sobre a vida como ela é – e não deveria ser. As vítimas são os algozes, e vice-versa. Vereza não foi à feira.
O ator e agora diretor sempre se posicionou politicamente. Nunca politicamente correto. E o filme dele – pasmem, feirantes – não é sobre nada disso. Não tem libelo, não tem panfleto, não tem moralismo, não tem lição de vida a 1,99. “O Trampo” jamais ganhará o Oscar – ou seja: é imperdível.
O primeiro longa-metragem de Carlos Vereza é um soco. E um beijo. Se tranca com dois matadores de aluguel e um cadáver numa espelunca tórrida – um outdoor da miséria espiritual que a vida oferece, a todo instante, aos seus fregueses. O beijo está no humor que o autor extrai dessa barra pesada – e você vai rir da maravilha hedionda que é a existência. No fundo do poço também há sonhos, princípios, honra, esperança traiçoeira e grandes projetos duvidosos. Enfim, tudo igual.
Por que não enriquecer equipando caixões com telefone celular, para os enterrados vivos poderem pedir socorro? Com um único toque a vítima aciona um porteiro, que tem diante de si um painel mostrando imediatamente de qual túmulo provém a chamada. Vai até lá, liberta o cliente e fim de papo. Ou recomeço de papo.
Mas o sistema não funcionaria – alerta o sócio: o porteiro estaria dormindo, ou vendo um jogo de futebol, e não identificaria a chamada a tempo.
Isto não é um spoiler – porque se você não viu Carlos Vereza e Leon Góes interpretando essa cena surrealista, você não viu nada. E se o que o preocupou na citação acima foi discutir se a categoria dos porteiros está sendo desrespeitada, deixe isso pra lá e dê um pulo na feira para desestressar.
Tem ainda a esplendorosa Rosamaria Murtinho como testemunha fiel do amor cafajeste – entre outros embaraços que o pessoal da limpeza varreu do mercadão 2019. “O Trampo” não tem cantilena para peixe fora d’água. É o espetáculo bizarro dos peixes dentro d’água, encharcados. Não contem a Hollywood.
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