Quatro dias sem redes sociais é uma alegria carnavalesca. Sem cuspir no prato, claro – ali está um instrumento importante da vida atual. Talvez rede social seja como o Carnaval: é bom, mas pode ser péssimo.
Quem já esteve diante de uma bateria de escola de samba sabe que a coisa é séria. Ou, mais precisamente, transcendental. Arte poderosa fazendo a linha direta entre instinto e espírito. Com um detalhe: estão enganados os que falam de primitivismo, aquilo é pura sofisticação. E resultado de trabalho duro – além de talento apurado. Sempre que o ser humano leva a sério a brincadeira, sai coisa boa.
O problema é o oposto – brincar com coisa séria. Daí vêm todas as degenerações do Carnaval. Aproveitar a licença festiva dos sentidos para brincar de não respeitar ninguém é fraude. Isso sim é primitivismo.
E aí entra o agravante de hoje com a ressaca das redes sociais – que também têm um pé no primitivismo, com o seu tribunal permanente e autoimune de causas alegóricas. A causa é o que menos importa: o importante é dar a sentença – qualquer uma, sobre qualquer coisa. E a cada sentença pueril jogada na rede irá sobrevir um cardume voraz – as redes também têm seu bloco das piranhas – com uma penca de outras sentenças fúteis sobre aquela primeira, que já era um nada.
Se os blocos de Carnaval não tivessem, ainda hoje, algum charme, criatividade e alegria verdadeira, os boçais já não bateriam ponto ali, porque não teriam mais o que parasitar. Para cada mijão há um folião, não necessariamente nessa proporção, e essa rima não é solução. Só constatação.
O show de agressividade e violência visto mais uma vez nas ruas é o paradoxo perfeito. Nem o caso das torcidas violentas serve de paralelo, porque o futebol é uma disputa – o que facilita o trabalho dos neuróticos de transformá-lo em guerra. Transformar carnaval em guerra não é desvio – é a neurose pura, nua, sem nem um resto de purpurina para fantasiar a besta.
Mas como tudo sempre pode piorar, lá vem o videogame do tribunal de exceção, também conhecido como rede social, fazer seu julgamento bestial: condenar ou absolver o carnaval. Fale a verdade: qual é a diferença disso para aquelas torcidas que marcam encontro para sair na porrada?
Então vamos lá: escolha sua camisa, pegue sua bandeira, vista sua toga e engatilhe o seu teclado para ser contra ou a favor do Carnaval. Mas se você acha que não precisa disso para ser visto, ouvido e descolar um pouco de emoção, cuidado: você pode estar no caminho da verdadeira alegria.
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