“O jogo aqui não é prever o futuro, é fazer conexões para que você possa ver o futuro, o futuro plausível, mais claramente.” (Amy Webb, futurista)
Conheci recente a história da Neodent, empresa criada por Clemilda Thomé e seu ex-marido em 1991, e que se tornou líder no mercado de implantes dentários na América Latina. De acordo com a fundadora, o crescimento da empresa se deu graças à dedicação da equipe e à busca pela melhoria contínua. Assim, tornou-se referência no setor e despertou a atenção de grupos estrangeiros. Em 2015, foi vendida para a suíça Straumann, por cifras bilionárias.
A história pode ser resumida assim: um casal de profissionais observou uma necessidade social que precisava ser
resolvida – e a demanda virou uma oportunidade de construir, a duras penas, uma empresa que se tornou um símbolo de tecnologia no seu segmento.
A diferença entre os empreendedores e as pessoas comuns é que os primeiros não preveem o futuro, mas fazem as conexões certas que permitem acertar nas suas decisões, como já dizia Amy Webb, citada no topo desta página.
Foi o caso dessa e de tantas outras iniciativas no Brasil e no Exterior — o Google e as empresas de tecnologia são a prova mais bem-acabada da boa capacidade de fazer conexões. Apesar de um horizonte distópico em nossa economia, os empreendedores brasileiros são capazes de realizar sonhos a partir de sacadas inéditas. Nutridos de determinação, resiliência e fé no futuro, superam os indicadores e os palpites dos que jogam contra porque aguçaram sua percepção para oportunidades.
Merece atenção especial o setor de saúde, de onde extraí o exemplo da Neodent. Laboratórios, hospitais e a indústria de medicamentos têm grande vitalidade, criada a partir de histórias iniciadas por empreendedores ousados e competentes.
É evidente, por outro lado, que nem só de grandes ideias vive o mundo dos negócios. As circunstâncias que possibilitam as inovações devem-se a questões estruturais. Na saúde, a pujança brasileira deveu-se muito à Constituição de 1988, que a alçou à categoria de direito fundamental a ser suprido pelo Estado.
Nessa batida, veio a criação do SUS (Sistema Único de Saúde). Com ele, os setores privados, com e sem fins lucrativos, se expandiram. Nesse conjunto estão os fornecedores e as redes hospitalares privadas conveniadas, para citar dois exemplos de uma ampla cadeia lastreada na rede do SUS e em seu orçamento anual, de cerca de R$ 130 bilhões.
O SUS talvez seja o maior programa social do mundo. Atende à maioria da população dentro do conceito de que o atendimento deve ser universalizado – o pobre e o rico, em tese, têm o mesmo direito ao atendimento, em que pese o fato de que os mais beneficiados sejam os menos favorecidos. A universalização colocou, com o passar dos anos, outra questão na mesa: a da judicialização. Muitas terapias caras, não cobertas pelas tabelas fixadas pelo Ministério da Saúde, resultaram em ações judiciais. O mesmo passou a acontecer com os planos de saúde em relação a procedimentos de alta complexidade.
Recentemente, o Conselho Nacional de Justiça divulgou relatório mostrando que houve crescimento de 130% no número de demandas de primeira instância relativas ao direito à saúde entre 2008 e 2017. Convênios e seguros de saúde perfizeram 51,4% dos litígios. As demandas de saúde pública, 11,7%. Em segunda instância, os planos e convênios somaram 63% dos processos. O problema da judicialização, no entanto, deve ser encarado como uma oportunidade: a de se ter, no setor, ação mais coordenada e estratégica para tabular as reais necessidades de quem usa o sistema. Em outros termos, de o país fazer um plano de atendimento que possa ser executado com qualidade. É a velha questão de fazer as conexões certas para que o futuro não nos atropele. E, para isso, não poderia faltar um indefectível “segundo dados do IBGE”: em 2060, um quarto da população brasileira deverá ter mais que 65 anos (em 2018, a proporção era de 9,2%).
Por um lado, os números são alarmantes. Por outro, permitem a óbvia conclusão de que o SUS e o setor privado de saúde terão um papel mais relevante – e também uma operação mais custosa, difícil e complexa, e talvez com maior judicialização – se os marcos regulatórios não forem revistos para adaptar o sistema à nova realidade. É preciso, portanto, antecipar-se aos problemas para termos um futuro auspicioso. O futuro não espera.
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