Resumo:
- Novas pesquisas indicam que, se os produtores de carne cultivada em laboratório não mudarem sua abordagem, os consumidores podem rejeitar definitivamente essa proteína;
- A forte ligação da carne cultivada com a alta tecnologia é um dos principais problemas para a aceitação popular, o que torna a novidade um corpo estranho;
- O nome pelo qual as pessoas vão chamar e conhecer a nova carne é uma das peças que pode tornar essa percepção mais positiva.
Novas pesquisas deram um aviso às empresas que pensam em vender carne cultivada em laboratório. Esse novo tipo de proteína, a carne criada a partir de um tecido celular em vez de cultivada pela pecuária tradicional, pode sofrer o mesmo destino que os OGMs (Organismos Geneticamente Modificados) se os produtores e defensores da ideia não mudarem a narrativa exposta para o público.
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Em um estudo publicado em no último 3 de julho, no jornal “Frontiers in Nutrition”, pesquisadores perceberam que os consumidores apresentados à imagens da carne cultivada relacionada à alta tecnologia criaram uma ideia mais negativa do que aqueles que receberam imagens e textos que enfatizavam os benefícios sociais da carne ou seu gosto e valor nutricional.
Pesquisadores separaram 480 consumidores em três grupos e apresentaram a carne cultivada de diferentes formas para cada um. As três apresentações eram: de “alta tecnologia”, que mostravam a carne em processo de produção no laboratório; “benefícios sociais”, que mostrava vacas em um campo com uma frase sobre ajudar animais e reduzir os danos ao meio ambiente; e “mesma carne”, que mostrava o preparo de uma almôndega, ao lado de um texto que afirmava que ela possuía o mesmo gosto e valor nutricional da carne normal.
Os pesquisadores observaram que o grupo de consumidores apresentados ao vídeo sobre alta tecnologia foram significantemente menos influenciados a querer experimentar a carne cultivada, se comparados com os dois outros grupos. Este é um problema para os produtores, revelou o criador do estudo, pois a cobertura midiática em cima dessa inovação tende a centrar a maior parte de sua atenção no grande feito tecnológico de criar uma carne em laboratório.
Não é tão surpreendente que a mídia queira focar no aspecto tecnológico dessas carnes, afirma Chris Bryant, pesquisador da Universidade de Bath e Diretor de Ciência Social na Sociedade de Agricultura Celular, uma organização que promove a aceitação da carne cultivada.
A ideia de criar uma carne em uma placa de Petri é de uma engenharia brilhante, e é isso que faz a proteína ser tão interessante. Mas isso não muda o fato de que essa inovação pode afastar a aceitação dos consumidores, motivo pelo qual Bryant espera que a pesquisa faça com que os “produtores repensem a forma como eles falam com o público”.
O primeiro hambúrguer cultivado foi servido para o público em 2013. Demorou três anos para crescer e custou US$ 325 mil para ser produzido. Apenas dois anos depois, o custo já havia caído para US$ 11 mil. Mas, assim como qualquer inovação, a carne cultivada não foi criada de um dia para o outro.
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Segundo a New Harvest, uma organização que investe em pesquisas de agricultura celular e em produções como a nova carne, os precursores da agricultura celular apresentaram insulina criada em laboratório, que foi formada injetando o gene de insulina humana em uma bactéria, e a criação do coalho a partir da engenharia, que elimina a necessidade de usar vacas para produzir queijo.
Os cientistas que trabalham com a carne cultivada são essencialmente engenheiros especializados em tecido celular, segundo a New Harvest. Isso porque eles não só fazem as células crescerem como também constroem a armação que segura essas células no lugar, assim, elas podem eventualmente virar algo que se pareça como um bife ou um pedaço de frango, por exemplo.
Esses detalhes importantes da engenharia podem fascinar alguém como Bryant, um autoproclamado amante da tecnologia, mas outros consumidores não parecem estar tão interessados. Chamar isso de carne de laboratório ou ressaltar os aspectos tecnológicos da carne cultivada, em vez de alavancar os benefícios para os animais tem sido a “falha da cobertura jornalística e das discussões populares”, revela Bryant, e isso pode causar uma percepção negativa do público. Ele e seu coautor apontam para o grande conteúdo das pesquisas na mídia e a percepção do público sobre as comidas geneticamente modificadas, pesquisas que podem servir como um farol para os produtores da carne cultivada.
Segundo a pesquisa, as abordagens sobre comidas geneticamente modificadas tendem a focar nos aspectos científicos ou econômicos, em vez de resultados como rendimentos benéficos para fazendeiros ou a redução de aplicação de pesticidas. Comentaristas renomados até noticiaram a engenharia genética de forma positiva no contexto da medicina, porém, de forma mais negativa quando se trata de comida. Os nomes importam: “OGM” pode soar mais ameaçador e confuso do que “geneticamente modificado”, “engenharia genética” ou o novo nome aprovado pelo Departamento de Agricultura dos EUA, “bioengenharia”, e esse é outro ponto na história das comidas geneticamente modificadas.
E como as pessoas deveriam chamá-las afinal? “Carne de laboratório” soa como uma tecnologia estranha e distante da naturalidade, conceitos delicados para a percepção do público. “As pessoas assumem que o natural se liga ao bom, e o não-natural, ao ruim”, argumenta Bryant. “No entanto, como muitas de nossas intuições, isso é sem fundamento”.
Quando as pessoas dizem “não-natural”, o que eles talvez queiram dizer é “não-familiar”, sugere Bryant, ao apontar dados que mostram a familiaridade como muito importante para a aceitação da carne cultivada. “Com o tempo, as pessoas podem se tornar mais abertas”.
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O debate sobre o “natural” nas novas alternativas de carne, como as feitas com plantas ou as cultivadas, causou atrito na guerra sobre a produção de alimentos. Fazendeiros que um dia rejeitaram reclamações quando as comidas geneticamente modificadas apareceram, por exemplo, agora usam os mesmos argumentos contra as novas alternativas de carne, como a Impossible Burguer. Alguns defensores de uma alimentação saudável, que rotineiramente defendem que se “coma mais plantas”, também vão preferir evitar as carnes vegetais por estarem muito longe da naturalidade.
Assim como com as comidas geneticamente modificadas, a questão sobre como chamar as carnes cultivadas tem sido um problema desde o início. Entre alguns dos nomes disseminados até agora, estão “carne in-vitro”, “carne de laboratório”, “carne cultivada” e “carne limpa”. Bryant diz que um termo como “carne de laboratório” ressalta o aspecto tecnológico da carne, enquanto um nome como “carne limpa” apresenta uma impressão mais positiva. No entanto, parece que o termo “carne cultivada” é a opção mais aceita até o momento.
A batalha entre essas novas alternativas de carne já se tornou política. Uma legislação com o objetivo de proibir as companhias de usarem o termo “carne” para qualquer coisa além da carne tradicional já foi proposta e já passou por algumas jurisdições.
Os defensores dessa legislação argumentam que o problema é a confusão do público, mas Bryant diz não estar à parte de qualquer evidência que mostre confusão quando se trata de carne cultivada. “É apenas protecionismo das indústrias de fazendas animais”, afirma.
Há algumas evidências de confusão sobre diferenças nutricionais de carnes vegetais, como a comparação entre o leite de vaca e o leite de amêndoas ou entre The Impossible Burger e o hambúrguer feito com carne de boi, por exemplo. The Impossible Burger não é mais saudável e pode até ser pior, dependendo de como é feito e servido.
A carne cultivada é diferente, no entanto, é essencialmente o mesmo que a carne normal, em termos nutritivos. Na verdade, ela pode até ser mais saudável, a depender de como a carne foi criada. Consumidores que procuram evitar carne ou peixe durante uma alergia ou outra restrição de dieta precisam saber que a carne cultivada é a mesma coisa que a carne de boi, diz Bryant. Assim,seria enganoso chamá-la de qualquer outra coisa.
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