Vou tomar emprestados da medicina dois conceitos que vão nos ajudar a entender qual seria a estrutura tributária mais adequada ao Brasil. Em farmacologia, temos a alopatia e a homeopatia. A primeira recorre a altas dosagens. O paciente fica cada vez mais resistente, e doses crescentes são necessárias. Na homeopatia, a estratégia é oposta. Utilizamos o princípio ativo no grau máximo de diluição.
As duas opções poderiam ser aplicadas aos tributos. A alopatia remete ao ICMS, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços. O tratamento alopático prevê altas doses, da mesma maneira que o imposto depende de altas alíquotas. As doses de impostos vão ficando cada vez mais tóxicas – até que o remédio vira veneno. O exemplo mais evidente de base tributária estressada é a do ICMS. Se fosse remédio, o ICMS seria alopático.
Não é por acaso que o ICMS é o mais sonegado dos impostos. Hoje se encontra restrito a pouco mais de um terço do PIB. Ou seja, há um universo cada vez menor de contribuintes.
A CPMF, ao contrário, é um tributo que tem equivalente no tratamento homeopático. Não hesito em afirmar que a Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira foi o melhor imposto que já tivemos. Foi melhor em vários sentidos: em eficiência, em progressividade e na relação arrecadação versus dor tributária. Tínhamos impostos alopáticos, com alto grau de concentração. As alíquotas eram de dois dígitos incidindo sobre bases de 20%, 30% ou 35% do PIB. Em contraste, experimentamos um imposto homeopático, altamente diluído: 0,38% de alíquota sobre 700% do PIB.
"O exemplo mais evidente de base tributária estressada é do ICMS. Se fosse remédio o ICMS seria alopático."
Por ocasião da implementação da CPMF, o sistema financeiro esquivou-se da sua incidência. Com isso, o novo imposto tornou-se, tão somente, o “imposto do cheque”, que incidia sobre uma pequena proporção (3%) dos pagamentos. Justamente sobre os pagamentos relativos ao trabalhador.
Ao restringirmos a nossa base ao que era a antiga CPMF, não estaremos recriando o famigerado imposto do cheque, nem impedindo o círculo virtuoso de diluição do veneno. Quanto mais se amplia a base, mais imperceptível fica a alíquota, o que permitirá incidir sobre outros tipos de pagamentos mais sensíveis. E isso, por sua vez, permitirá nova diminuição de alíquotas e mais diluição rumo à desejável homeopatia tributária. Fazer o jogo do sistema financeiro e adotar apenas a tributação da base do antigo CPMF (sete PIBs) sinalizaria que precisaríamos de uma alíquota superior a 2% para o objetivo do Imposto Único (IU).
Não consigo enxergar os motivos pelos quais alguém que já tenha superado os preconceitos e slogans quanto à tributação dos fluxos resista à adoção da incidência da tributação sobre todas as transações que passam pelo Sistema de Pagamentos Brasileiro. Estaríamos já falando de uma base de 60 PIBs – ou 0,2% de cada lançamento bancário para o objetivo do IU. Esse seria o cenário extremo de conservadorismo. Estaríamos abrindo mão da Bolsa de Valores (B3), Selic, commodities e derivativos, que correspondem a dois terços da nossa base no conceito amplo de pagamentos.
Não faltam exemplos de tributação dessas modalidades de pagamento em vários países desenvolvidos, com alíquotas muito maiores, sem nenhum efeito de erosão da base. Mas será entre os 60 e os 180 PIBs que encontraremos as maiores virtudes da homeopatia tributária com o maior grau de diluição.
Esses dados, que são guardados a sete chaves pelo sistema financeiro do país, estão disponíveis no site do Banco para Compensações Internacionais (BIS, na sigla em inglês). Em breve estará nos visitando o professor Marc Chesney, que encabeça a luta pela microtax na Suíça. Será uma ótima chance para aprofundarmos esse assunto e buscarmos um alinhamento, sem o qual não iremos a lugar algum.
Flávio Rocha é presidente do Conselho de Administração da Riachuelo