Camila Farani é um dos principais nomes da indústria de venture capital (VC) em atividade no Brasil. Isso se deve não só ao portfólio de 40 startups de base tecnológica e R$ 35 milhões que aporta com co-investidores no Brasil, Estados Unidos e Europa, mas pela sua exposição na mídia – ela é um dos “tubarões” no programa “Shark Tank Brasil” -, sua atuação como empreendedora serial e seu ativismo para trazer mais mulheres para o ecossistema de inovação.
Segundo Camila, que há uma década era a única mulher no grupo carioca de investidores anjo Gávea Angels, do qual foi presidente, a falta de investidoras no setor de tecnologia sempre a incomodou. Ela tem um discurso forte de que mulheres empreendem mais quando veem mais investidoras – portanto, é preciso ter uma representatividade feminina maior em fundos de VC brasileiros.
“Mulheres são muito inspiradas por ‘role models’, por referências. Pensando nisso, busquei formas de melhorar minha própria capacidade de investimento em tech, além de trazer outras mulheres para atuar neste espaço”, aponta, referindo-se ao grupo Mulheres Investidoras Anjo (MIA), que fundou em 2013 com Maria Rita Spina Bueno, diretora executiva da Anjos do Brasil, e Ana Fontes, presidente da Rede Mulher Empreendedora (RME) e eleita uma das mulheres mais poderosas do Brasil pela FORBES em 2019.
O MIA, que opera sob a governança da Anjos do Brasil, tem investimentos que incluem a BoBAGS, site de aluguel e venda de bolsas e acessórios de luxo baseado nos princípios da economia compartilhada e criado por Isabel Teixeira. Segundo Camila, as ações do movimento já impactaram mais de 6 mil mulheres em todo o Brasil.
Desde que começou a se envolver intensamente na cena de venture capital no Brasil, Camila passou a monitorar e coletar dados de múltiplas fontes sobre a representatividade feminina na comunidade investidora no Brasil e na América Latina. Essa base de dados ainda é relativamente incipiente (veja panorama do setor, abaixo) mas, a pesquisa da investidora aponta que mulheres atualmente representam cerca de 7% dos VCs na região. Segundo Camila, o número ainda é baixo, mas a mobilização em torno do tema é crescente.
“Até bem recentemente, não tínhamos mulheres para investir. Quando comecei a fazer investimentos, haviam duas ou três redes de anjos e de fundadoras, como a RME. Hoje, vemos muitas redes de empreendedoras surgindo, e estas mulheres investidoras têm uma probabilidade maior de investir em outras mulheres”, aponta.
“Naturalmente, esse aumento [da representatividade feminina entre investidores em tech no Brasil] vem se dando timidamente, mas tenho uma expectativa muito otimista de que nos próximos cinco anos veremos um salto expressivo no número de mulheres investindo no setor”, complementa.
Camila acredita que a catequização promovida por esses “role models” será o fator propulsor desse aumento em investidoras. Segundo ela, a experiência e sucesso de outras mulheres em seus investimentos, bem como o senso de propósito com que estas investidoras operam, cria um movimento de fomento e inspiração. Mas como se criam estas referências?
Trata-se de um processo multifacetado. Um dos lados desse prisma, segundo a shark, é um movimento em que mulheres advindas de outras áreas do mercado financeiro estão tomando nota das crescentes oportunidades no setor de tecnologia e buscando diversificar suas carteiras – e o investimento anjo está entre esses canais alternativos.
“Além de tecnologia, startups nunca foram tão faladas e valorizadas. Quando eu comecei a investir, as pessoas olhavam de lado e diziam ‘você nunca vai ganhar dinheiro com isso'”, conta. “Hoje, o Brasil figura entre os cinco maiores geradores de unicórnios do mundo, com mulheres como [a cofundadora do Nubank] Cristina Junqueira na liderança: sem dúvida nenhuma, mulheres [de outras áreas do mercado financeiro] passaram a olhar essas oportunidades com muito mais atenção.”
O QUE PRECISA MUDAR
Esse aumento de mulheres no mercado investidor, no entanto, tem a ver com a evolução do mercado de forma geral. Segundo Camila, o Brasil precisa gerar mais liquidez nos negócios, e isso se dá através das saídas, ou pelo mercado secundário, onde negócios são vendidos para outros investidores.
“Quando você tem um mercado ainda em curva de produção, naturalmente as oportunidades são menores. Mas isso está mudando, não só pelo aumento em investimentos estrangeiros, mas na maturidade [do mercado de tecnologia brasileiro]: esses cases começaram a chamar uma certa responsabilidade, para que não só investidores externos, mas também os internos, passem a olhar para essas oportunidades”, aponta.
Existe também um elemento comportamental nessa mudança de paradigma. Brasileiros, segundo Camila, são avessos a riscos de forma geral e esse é um dos fatores ligados ao desequilíbrio de gênero na comunidade investidora em tech. “Existe um inconsciente coletivo que age nessa questão e o fato de que essas mulheres têm muito medo, e não se acham competentes o suficiente: é preciso quebrar esta barreira.”
As dicas de Camila para sair do discurso e romper esses paradigmas na prática são começar por uma auto-análise sobre temas como estes receios, além de adquirir mais conhecimento sobre as oportunidades disponíveis, e começar a tatear nesse universo, fazendo co-investimentos com outras mulheres que já o fazem. Esse último passo, segundo a investidora, também faz parte de um movimento de educação financeira.
A crescente sofisticação das oportunidades de investimento que o setor de tecnologia oferece trarão mais mulheres para este universo, mas Camila ressalta que isso não é “óbvio como um feijão com arroz”, e um movimento de educação ainda se faz necessário. “A possibilidade de investir precisa ser demonstrada por mulheres proeminentes nesse espaço para [outras possíveis investidoras]: a necessidade de diversificação de investimentos, junto com o crescimento do ecossistema de tecnologia e inovação, forma o caldo perfeito.”
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Representatividade feminina no mercado de VC: uma evolução necessária, porém lenta
A presença das mulheres no ecossistema de inovação e tecnologia ainda é tímida de forma global. Segundo dados da LAVCA (Associação Latino-Americana de Venture Capital), somente 17% das startups na região têm uma fundadora.
Isso fica ainda mais claro nos dados do segundo trimestre de 2019 de um levantamento feito pelo “Crunchbase News”: apenas 3% dos investimentos de risco nos Estados Unidos foram destinados a empresas formadas por mulheres, 8% foram para companhias mistas e 89% destinaram-se a empresas comandadas por homens. No Reino Unido, somente 1% de cada £ 1 investido foi para empresas fundadas por mulheres de acordo com o British Business Bank. Outro dado alarmante: 83% dos acordos de investimento em VC da região envolveram empresas fundadas por homens.
Os números mostram que a situação tem melhorado, mas muito lentamente e isso também se refere à presença de mulheres na comunidade investidora. A edição 2019 da Midas List, elaborada em parceria com a TrueBridge Capital Partners e editada anualmente pela FORBES, registrou um recorde de investidoras mulheres em nível global: 12. Em 2016, eram apenas cinco. Na América Latina, segundo a lista mais recente da LAVCA de investidoras emergentes de venture capital e investidoras anjo, publicada em dezembro de 2019, houve um aumento de 89% em relação à lista de 2018. A maioria delas é brasileira.
Ainda assim, a situação do setor, em todo o mundo, é mais desproporcional do que nas outras áreas. As mulheres representam apenas 11% dos decisores de VC nos Estados Unidos, de acordo com um relatório publicado recentemente pelas organizações NVCA e Deloitte. No Reino Unido, os números recém-publicados pelo Diversity.VC – iniciativa que busca aumentar a conscientização sobre a falta de diversidade no segmento e oferecer ferramentas para resolver o impasse – refletem o mesmo. Sua pesquisa do ano passado mostrou que apenas 30% dos capitalistas de risco localizados na Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda são mulheres – bem abaixo dos 47% da força de trabalho geral da região. Além disso, apenas 13% dessas mulheres ocupam posições seniores e 83% de todas as empresas de risco do Reino Unido ainda não têm mulheres em comitês decisores.
Do ponto de vista econômico, o cenário é um grande paradoxo, já que as mulheres, como consumidoras, são responsáveis por movimentar cerca de US$ 18 trilhões por ano em todo o mundo. Esse volume representa entre 70% e 80% de tudo que é consumido. Isso sem falar que há setores da economia, como o de saúde, um mercado de US% 50 bilhões até 2025, que estão evoluindo para atender especificamente às mulheres e estão sendo cada vez mais comandados por fundadoras. Ou seja, o incentivo econômico para que o capital de risco seja mais inclusivo é enorme.
LEIA MAIS: Saiba quem são as 12 investidoras da lista Midas
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Mais
Empresas do ecossistema de tecnologia e inovação estão celebrando o mês da mulher no Brasil com diversas ações. Entre elas, selecionamos cinco iniciativas que acontecem nos próximos dias:
* A Microsoft vai anunciar as primeiras startups a serem apoiadas do Fundo WE, focado em iniciativas disruptivas de base tecnológica, que tenham pelo menos uma mulher como sócia. O evento, no dia 12 de março, acontece entre às 11h e 12h30 no auditório da Microsoft, em São Paulo, e envolve as empresas idealizadoras do Fundo WE (Microsoft participações, Sebrae Nacional, Bertha Capital e Belvedere Investimentos), bem como as empresas a serem apoiadas. O Fundo WE nasceu com R$ 50 milhões captados e tem o objetivo de captar R$ 100 milhões em até cinco anos;
* Parte de uma ação mundial, a Apple vai promover diversas atividades em suas lojas e produtos no dia 8 de março. A iniciativa Crie Como Elas traz discussões com mulheres inspiradoras da música, do cinema, da tecnologia, negócios e design. No Brasil, o evento acontecerá em São Paulo, na Apple Store Morumbi, e no Rio de Janeiro, no VillageMall;
* Em sua quarta edição, o Women Empowerment Day promovido pela SAS, empresa de software de analytics, acontece no dia 18 de março, em São Paulo. O evento vai abordar e discutir temas sobre as oportunidades e os desafios que as mulheres enfrentam no universo da tecnologia e no dia a dia, dentro e fora do ambiente profissional. As palestras e paineis terão mulheres referências no mundo empresarial e cultural: com abertura de Ednalva Vasconcelos, CFO do SAS, o evento terá palestrantes como a advogada e escritora Ruth Manus, a diretora sênior de operações globais do PayPal, Ana Paula Kagueyama, e Denise Ciavatta, CIO da HDI Seguros, além de Bia Figueiredo, pilota da Stock Car e investidora do app de mobilidade Lady Driver, e Gal Barradas, CEO da Gal Barradas Brand&Venture;
* A empresa de serviços de TI Cognizant está apostando em ações voltadas ao público feminino durante o mês de março, como a doação de 50 computadores para a Associação Fala Mulher, ONG que acolhe 100 mulheres em situação de violência doméstica. Também será ministrado um curso sobre noções básicas de informática no ato da doação;
* Com o apoio do Itaú, a IBLISS Digital Security realiza o primeiro Encontro WOMCY – Estratégia, Gestão de Riscos, DevSecOps e Mentoria no dia 11 de março. O evento, que acontece no Itaú Unibanco Centro Tecnológico, em São Paulo, debaterá as habilidades essenciais no mercado de cibersegurança e os desafios para as mulheres no mercado de trabalho. O evento conta com mulheres especialistas do ecossistema de inovação e segurança da informação, de empresas como o próprio Itaú, C6 Bank, Cisco e Wipro. Inscrições podem ser realizadas até esta sexta-feira (6).
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