Há alguns dias, a influencer fitness Gabriela Pugliesi – diagnosticada com a Covid-19 após o casamento de sua irmã em um resort em Itacaré, sul da Bahia – postou no Instagram uma foto em sua casa, onde cumpre quarentena, com o Budapeste, uma mistura de pitbull com American bully. Na legenda, ela alertava que os animais não são contaminados pelo coronavírus.
Por outro lado, uma notícia vinda de Hong Kong no final de fevereiro dizia que um lulu da Pomerânia supostamente teria contraído o coronavírus de sua tutora, a chinesa Yvonne Chow Hau Yee, que vive no território autônomo do sudeste da China. Por meio de amostras oral, nasal e retal, o animal testou positivo e foi colocado em quarentena, apesar de não apresentar sintomas relevantes. No isolamento, fez novo exame – desta vez negativo – e, dois dias após sua liberação, o animal de 17 anos faleceu. A causa da morte é desconhecida e a dona do cão não quer fazer uma autópsia. Os veterinários de Hong Kong, no entanto, acreditam que a morte tenha sido causada pelo estresse e pela ansiedade da quarentena.
Mas, afinal, qual a verdade sobre a transmissão dos vírus em pets? De acordo com o virologista Prof. Dr. Paulo Eduardo Brandão, do departamento de medicina veterinária preventiva da saúde animal da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP, existe uma enorme variedade de coronavírus de animais que não tem nada a ver com o novo coronavírus que está afetando os seres humanos nessa pandemia.
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“Existem vários hospedeiros e várias espécies de coronavírus. Há o coronavírus de bois, cães, gatos, galinhas, morcegos, cavalos, porcos e camundongos… Até na baleia beluga já foi relatado um tipo desse vírus”, diz o especialista, que gravou um vídeo sobre o tema para a VetSmart, plataforma que auxilia profissionais na tomada de decisão clínica sobre produtos veterinários. “A diferença entre eles, no entanto, é muito grande, e a maior parte não tem um caráter zoonótico [quando é transmitido ao ser humano por animais].”
O Dr. Brandão esclarece que, ao que tudo indica, o novo coronavírus – assim como a SARS (síndrome respiratória aguda grave), de 2002, e a Mers (síndrome respiratória do Oriente Médio), de 2012 – é originária do morcego e, apenas nesses casos, a transmissão do animal para o ser humano pode acontecer.
No caso do cachorro de Hong Kong, a Dra. Shelley Rankin, microbiologista da Escola de Medicina Veterinária da Universidade da Pensilvânia, Filadélfia, afirmou ao jornal “Science”: “No momento, não há pesquisas para apoiar a disseminação entre humanos e animais. Amostras do cão de Hong Kong tinham um pequeno número de partículas virais presentes. Em um animal sem sinais clínicos de doença, é difícil dizer o que isso significa. Foi um caso único e aprendemos que precisamos fazer muito mais pesquisas sobre o potencial do vírus humano SARS-CoV-19 para infectar animais”.
Para o médico veterinário Dr. Regis Patitucci, é muito provável que o animal tenha servido apenas como um meio de transporte do vírus – o que poderia acontecer com qualquer objeto, como um celular, por exemplo. “A virulência nesse animal era muito fraca, sem validade científica. E ele estava convivendo com uma pessoa contaminada. Possivelmente o que aconteceu foi que um espirro ou uma tosse do dono lançou o vírus sobre ele”, diz. Ele alerta que tudo o que sabemos sobre essa pandemia pode mudar a qualquer momento, mas garante que, até este momento, não há risco de transmissão.
OS CORONAVÍRUS EM ANIMAIS
O Prof. Dr. Paulo Eduardo Brandão explica que os coronavírus em animais domésticos são subestimados. No caso dos cães, por exemplo, existem dois tipos. O primeiro deles é entérico canino (CCoV), responsável por causar enterite, uma inflação na mucosa do intestino delgado, que acomete principalmente animais jovens e não tem grande letalidade, mas que pode conter uma subespécie em seu interior que é altamente virulenta e infecta rins, pulmões, coração e outros órgãos, levando a uma infecção generalizada. Há, ainda, o coronavírus respiratório canino (CRCoV). Os dois casos podem ser prevenidos com a vacinação anual de V8 e V10.
No caso dos gatos, o coronavírus felino (FCoV) causa a PIF (Peritonite Infecciosa Felina), uma doença grave e altamente letal para a qual não há prevenção. Vale lembrar, no entanto, que nem todos os gatos portadores do coronavírus podem desenvolver PIF.
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RECOMENDAÇÃO AOS INFECTADOS
A opinião dos veterinários Paulo Eduardo Brandão e Regis Patitucci são corroboradas pela Organização Mundial de Saúde (OMS). A entidade diz que, até o momento, não há evidência significativa de que animais de estimação possam ficar doentes ou transmitir o novo coronavírus. Mesmo assim, a recomendação da OMS é que as pessoas infectadas evitem o contato com os seus pets.
A WSAVA – Global Veterinary Community vai na mesma linha. A comunidade, que contempla 200 mil veterinários em todo o mundo, indica que as pessoas positivas para Covid-19 não tenham um contato muito próximo com seus pets. Isso porque alguns vírus podem sofrer mutações e se adaptar a diferentes espécies com o passar do tempo.
O Dr. Regis Patitucci reconhece que é difícil isolar humanos e animais, principalmente nos dias de hoje, quando são parte da família. Mas alerta para medidas de higiene. “Práticas como lavar as mãos, limpar as patas dos animais que frequentam as ruas e evitar que eles tenham acesso à cama, por exemplo, deveriam ser comuns em qualquer tempo, e não apenas em época de pandemia”, explica. Isso porque, mesmo limpos quando vêm da rua, os animais podem trazer microrganismos para dentro de casa.
ATENDIMENTO VETERINÁRIO
Por enquanto, os médicos veterinários, como profissionais de saúde, estão autorizados pelos governos estaduais a manter o atendimento normal em clínicas e hospitais. Isso pode variar de uma região para outra do país e os profissionais devem sempre observar e respeitar as restrições determinadas pelas autoridades locais.
Para manter o atendimento e, ao mesmo tempo, contribuir para conter a proliferação do coronavírus, o Conselho Federal de Medicina Veterinária estimula que o atendimento seja feito com a presença de apenas um único tutor, evitando a aglomeração de pessoas nas clínicas e pet shops. Além disso, recomenda que os tutores evitem visitar os animais internados e sugere que serviços que não são de urgência e emergência sejam reprogramados, afastando uma exposição desnecessária nesse momento crítico de propagação do novo coronavírus.
O atendimento à distância continua proibido, conforme determina o código de ética do médico veterinário. “A consulta clínica deve ser presencial, seja no consultório ou em domicílio, mas, sempre que possível, de forma restrita, individualizada, reduzindo aglomerações”, alerta Wanderson Ferreira, médico-veterinário e integrante do CFMV, pós-graduado em clínica médica e cirúrgica de pequenos animais.
O Conselho Federal ainda orienta que os profissionais sejam mais severos com a higienização dos ambientes, limpando o recinto a cada atendimento, principalmente o mobiliário e os utensílios que tiveram contato direto com o animal ou com o tutor.
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