O Marco Civil da Internet, instituído em 2014, define o acesso à internet como essencial ao exercício da cidadania no Brasil. Anos antes, em 2011, a Organização das Nações Unidas (ONU) definiu a conectividade como um direito fundamental. A internet é percebida como um serviço tão necessário quanto a eletricidade, mas ainda existem barreiras de acesso. No atual cenário de crise, qual é a relevância do debate sobre inclusão digital?
Segundo a última pesquisa TIC Domicílios, do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), o Brasil tem 126,9 milhões de usuários de internet, concentrados nos grandes centros urbanos e entre pessoas de maior poder aquisitivo – menos da metade (48%) dos brasileiros das classes D e E têm acesso. Dados do Observatório Social da Covid-19 da Universidade Federal de Minas Gerais, que usa dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), sugerem que mais de 30 milhões de brasileiros ainda não têm acesso à internet.
Endereçar esta questão é especialmente importante em um momento em que a população depende da web para conseguir atravessar a pandemia da Covid-19, diz Andrew Sullivan, presidente e CEO da Internet Society, organização norte-americana sem fins lucrativos que lidera o debate sobre padrões, educação, acesso e políticas relacionadas à internet.
“Já podemos notar que aqueles que estão sem acesso à rede são duplamente prejudicados durante a pandemia, pois não possuem uma ferramenta que os permita manter contato com outras pessoas de maneira fácil e barata, principalmente quando confinados em casa”, aponta.
“As pessoas [digitalmente incluídas] têm oportunidades: elas podem trabalhar remotamente, comunicar-se com médicos usando videoconferência, pedir itens essenciais, vender produtos ou serviços e continuar a buscar educação”, acrescenta. “A única opção para aqueles que não têm acesso a tudo isso online é sair de casa quando não é seguro, e portanto aceitar o risco de sair ou simplesmente ficar sem estas coisas.”
A exclusão digital também contribui para o agravamento de problemas estruturais vistos em países em desenvolvimento, segundo Sullivan. “Se não queremos que as desigualdades existentes aumentem, precisamos garantir que todos tenham acesso às oportunidades que a internet pode trazer”, ressalta.
A sociedade excluída digitalmente à medida que a crise do coronavírus evolui também está exposta aos problemas relacionados à rápida disseminação de informações – mas essa é uma faca de dois gumes, segundo Sullivan, pois o mesmo mecanismo que permite que as notícias falsas se espalhem, também pode ajudar na disseminação de informações reais e úteis.
“Pesquisadores e profissionais de saúde na linha de frente disponibilizam informações online, com a intenção de que elas se espalhem ainda mais rapidamente que a doença. Isso permite que cidadãos e governos tomem medidas para a contenção, tratamento e prevenção mais rapidamente”, pontua.
“A base para essas ações é o conhecimento e a internet é uma ferramenta vital para garantir que o conhecimento esteja em todo lugar: por exemplo, resultados de testes podem ser comunicados mais rapidamente, possibilitando um conhecimento melhor de onde estão ocorrendo os surtos e quais são os fatores de risco”, acrescenta. “Obviamente, [a internet] não pode trazer resultados onde nenhum teste está sendo realizado, mas pode informar a população melhor sobre a realidade da situação.”
Governos em países como o Brasil têm trabalhado em programas que visam garantir o acesso universal à internet, mas segundo Sullivan, ainda falta uma referência de sucesso absoluto: “É justo dizer que nenhum projeto chegou a corresponder a todas as nossas esperanças”, avalia.
A principal razão pela qual tais programas não conseguem cumprir o objetivo de garantir banda larga para todos, é, segundo o CEO da Internet Society, o fato de serem concebidos como programas “muito grandes e monolíticos”, o que vai contra os princípios de descentralização da rede.
REDES COMUNITÁRIAS
Uma lição que pode ser aprendida dos esforços feitos em conectividade no Brasil, segundo Sullivan, é sobre o progresso que pode ser conquistado com um mosaico de diferentes programas e abordagens. Segundo o CEO da Internet Society, isso parte de uma “grande vontade de experimentar alternativas” vista em países latinos como forma de superar as dificuldades na inclusão digital.
“O Brasil é um ótimo exemplo disso, pois possui milhares de provedores de serviços de internet, pequenos e médios fornecedores que atingem áreas remotas e rurais com fibra ótica“, ressalta. Sullivan destaca que essa malha de SMEs possibilita um maior desenvolvimento da rede, por meio do que a Internet Society chama de redes comunitárias.
Esta abordagem hiper-local é o foco da organização norte-americana, que busca apoiar comunidades que garantem a conectividade em locais específicos. “Essa abordagem do ‘faça você mesmo’ garante a disponibilidade de internet nos locais e formas que as pessoas precisam”, aponta. A Internet Society fornece treinamento e apoio para que a população local mantenha e opere o equipamento necessário para operar redes comunitárias e também ajuda a desenvolver o plano de negócios para o projeto.
“Obviamente, tudo isso requer investimento nas habilidades das pessoas, por isso não é mágico. Leva tempo e esforço, mas funciona”, diz Sullivan, mencionando que, em janeiro, a Anatel reconheceu explicitamente o papel que as redes comunitárias desempenham na inclusão digital no Brasil.
As redes comunitárias e as tecnologias usadas para viabilizá-las são, por vezes, contestadas pelos operadores de rede que querem manter o controle de mercado, segundo Sullivan. “Governos podem fazer algo sobre isso e alguns estão até apoiando redes comunitárias e outras formas alternativas de permitir o acesso à internet.”
Enquanto governos têm um papel a desempenhar em garantir o acesso à internet, em aspectos como marcos regulatórios, Sullivan acredita que o processo envolve outros atores: “A população também tem uma responsabilidade, pois as conexões não acontecerão se as pessoas não as exigirem. Acreditamos que a internet é para todos e que todos serão necessários para disponibilizá-la.”
Rede de atenção primária de saúde investe em plataforma de telemedicina
Desde a segunda quinzena de março, a Amparo Saúde, rede de clínicas especializada em atenção primária que atende às principais operadoras de planos assistenciais, vem desenvolvendo modelos de atendimento, acompanhamento e monitoramento baseados em tecnologia, dados e triagem de pacientes em uma plataforma única e proprietária.
Uma dessas inovações é a plataforma de telemedicina, que já realizou 1.800 consultas online no último mês. Atualmente, essa modalidade representa 75% dos atendimentos realizados pela empresa. O paciente pode entrar em contato de duas maneiras: por um número de telefone nacional gratuito, com a triagem de uma ura inteligente, ou via web, por computador ou celular, com processo de seleção a cargo de uma recepção virtual.
Um dos principais pilares da operação da Amparo, que já vem sendo utilizado desde o início, em 2017, é o prontuário eletrônico, que registra, integra e trata os dados de cada um dos pacientes e entrega, para os médicos, informações relevantes para a tomada de decisão. Isso é possível por meio de captação das informações de forma estruturada, permitindo estudos estatísticos e predições com inteligência artificial, além de sincronizar os dados com o plano de saúde do paciente.
“A população precisa de uma rápida resposta às questões de isolamento social e uso racional dos serviços médicos de urgência. Além dos desafios da Covid-19, as pessoas e suas famílias continuam a apresentar as condições de saúde de antes da pandemia: o paciente diabético necessita dos seus controles glicêmicos, as gestantes do seu pré-natal, o hipertenso do controle pressórico adequado e assim por diante. Acreditamos fortemente que os canais digitais serão uma ferramenta vital para o reordenamento dos serviços de saúde rumo a uma lógica de coordenação dos recursos, garantindo acesso às pessoas sempre que precisarem. Sem dúvida, esse modelo leva à satisfação do paciente, melhores indicadores de saúde e redução dos custos assistenciais”, diz o Dr. Gentil Alves, médico pediatra e diretor de relações com o mercado da Amparo.
Para o especialista, o setor médico como um todo deve sair diferente dessa pandemia, já que muita gente se viu, repentinamente, desassistida pelo fechamento dos consultórios e redução dos atendimentos. “A telemedicina é a forma mais segura e eficiente de se manter o cuidado de saúde sobretudo daqueles pacientes que mais precisam. Uma grande parcela da população já está começando a usar ativamente este canal”, diz ele, revelando que a base de usuários da empresa aumentou de 45.000 para 4,5 milhões de pessoas nas últimas semanas. A meta é chegar a 10 milhões nos próximos 90 dias.
“Acredito que, mesmo após a pandemia, as pessoas manterão o uso dos canais digitais, que serão uma porta importante de entrada racional para os sistemas de saúde organizados, evitando desperdícios, idas desnecessárias aos hospitais, reduzindo exames e procedimentos. Estamos tendo a oportunidade de reorganizar todo o sistema de uma forma ética, saudável, equânime e sustentável no longo prazo.”
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Startups aumentam prospecção de negócios após a pandemia
Negócios digitais brasileiros tiveram um aumento na prospecção de novos negócios depois que medidas de isolamento social passaram a vigorar em diversas cidades na segunda quinzena de março. Startups conseguiram um aumento na taxa média de retorno de 50% durante o período em relação às duas primeiras semanas do mês, segundo um levantamento feito com 1.000 empresas brasileiras, realizado pela plataforma de prospecção digital Ramper.
Com dificuldade para gerar demanda por meio de canais habituais como o marketing digital e indicações, fundadores de startups têm visto a crise como uma forma de se posicionar em novos nichos de mercado. Por outro lado, a ênfase no digital tornou o processo de vendas mais eficiente. “A atividade está mais eficiente pois as pessoas passam maior tempo no e-mail e estão mais propensas a conectar com parceiros”, diz Ricardo Corrêa, CEO da Ramper.
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Felicidade declina no home office
A tristeza é um tema constante entre profissionais trabalhando remotamente por conta de medidas de distanciamento social impostas pela crise do coronavírus. Este foi um dos dados que surgiram em levantamentos feitos pela HRtech catarinense Feedz, que consultou cerca de 3.500 pessoas em todo o Brasil sobre o impacto das políticas de home office.
Segundo o estudo, o número de colaboradores que usam a plataforma de engajamento da empresa expressaram que estavam infelizes ou muito infelizes aumentou em 26% no dia 17 de março, dia que marcou o início de políticas de isolamento social, em comparação às duas primeiras semanas de fevereiro. No dia seguinte, 55% dos profissionais relataram estar infelizes e mencionaram termos como “triste” e “preocupado” para descrever como se sentiam.
Na primeira quinzena de abril, a proporção dos profissionais que afirmaram que estavam infelizes saltou 250,56% e o número de pessoas que afirmaram estar felizes ou muito felizes, caiu 17,59%.
Para ajudar empresas a medirem o estado de saúde mental de seus colaboradores, a Feedz disponibilizou o uso gratuito de sua ferramenta, a Climão, que automatiza o processo de pesquisa e mede a satisfação do colaborador em saúde emocional, conforto, relacionamento com os líderes da empresa e a comunicação em home office. Segundo dados da base da Feedz, desligamentos aumentaram em 55% em março. Para ajudar a conectar colaboradores desligados em meio à crise do coronavírus à empresas que têm necessidade urgente de contratação, a startup lançou uma outra ferramenta, a Feedz Recoloca, que já tem mais de 2.000 profissionais cadastrados.
O empreendedor Tallis Gomes, fundador de negócios como o marketplace de beleza Singu e a Easy Taxi, está fazendo eventos online para arrecadar fundos para pessoas em vulnerabilidade social durante a crise. As transmissões acontecem pelo YouTube, às 20h, entre hoje (20) e sexta-feira (24). Para participar das transmissões privadas, espectadores devem doar cestas básicas que serão arrecadadas e destinadas à comunidade de Heliópolis, em São Paulo. A agenda inclui conversas com João Paulo Ferreira, CEO da Natura; Cristina Junqueira, cofundadora do Nubank , e Stelleo Tolda, COO do Mercado Livre.
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A Locaweb anunciou o projeto #JuntosNoDigital para ajudar pequenos e médios empreendedores a enfrentarem a crise. A plataforma oferece cadastro para mentoria com especialistas da empresa e conteúdo aberto sobre presença no digital, finanças, ecommerce e marketing.
MAIS
– O Grupo ZAP, responsável pelos portais imobiliários ZAP e Viva Real, lançou uma solução de tour virtual 360° para seus clientes. Mais de 1.500 imóveis da plataforma já possuem o recurso, em todos os estados do país. Há, ainda, anúncios com vídeos, outra funcionalidade que melhora a consulta às propriedades. Segundo relatório do AIM Group, na China foram realizadas cerca de 350.000 visitas virtuais por dia em fevereiro, durante o isolamento social – número 35 vezes maior do que em janeiro. A expectativa do ZAP é chegar a 3.000 imóveis com tour virtual até o final de abril;
– A Abbott, especializada no monitoramento contínuo da glicose (CGM), anunciou uma novidade para o gerenciamento do diabetes no Brasil. O aplicativo gratuito LibreLinkUp1 permite que pais, familiares, amigos e cuidadores recebam remotamente as leituras de glicose do paciente que já usa a plataforma FreeStyle Libre Link e do sensor FreeStyle Libre. Assim que o cuidador ou o parente instalar o app em seu smartphone e aceitar o convite para conectar-se com um usuário da plataforma, ele passará a receber as atualizações de glicose sempre que o sensor for escaneado. Os pacientes podem compartilhar suas informações com até 20 conexões.
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