Há poucas semanas, fui convidado pelo meu amado mestre e querido amigo Ives Gandra Martins para participar do Anatomia do Poder, programa dominical apresentado por ele na Rede Vida. Ives é responsável pela formação de gerações de advogados, juízes, promotores e ministros. É professor e autor de dezenas de livros – um jurista renomado e uma das maiores reservas morais da sociedade brasileira.
Depois de falarmos sobre os rumos da advocacia moderna no primeiro bloco, focamos na crise entre os poderes no segundo. Mestre Ives discorreu um pouco sobre a qualidade técnica dos 11 ministros do Supremo e da amizade que mantém com eles. Em alguns aspectos, entretanto, foi crítico em relação à atuação atual do STF. “De um colegiado”, ressaltou, “passamos a ter 11 entidades autônomas, que decidem de acordo com a sua convicção pessoal e, muitas vezes, com uma invasão de competência de outros poderes, gerando insegurança jurídica.”
De fato, o Supremo exerce sua atividade enquanto decide se uma lei é constitucional ou inconstitucional. Mas, quando legisla no lugar do Congresso ou administra no lugar do Executivo, evidentemente, esfacela a segurança jurídica, pois a independência entre os poderes deixa de existir.
“São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.” - Art. 2º da ConstituiçãoMinha percepção é que tivemos, num passado não muito distante, uma desordem em nossos princípios democráticos, com alguns episódios de grande impacto na sociedade. O primeiro deles foi o Mensalão. Ali, já há um abalo de estrutura. Tive oportunidade de ver no plenário do STF as primeiras sessões do Mensalão. E disse a um sócio que estava comigo: “As coisas estão mudando”.
Aquele foi o primeiro caso de grande impacto, que despertou na sociedade a ânsia de combater a corrupção e ver os corruptos na cadeia. O Poder Judiciário foi rápido em agir no Mensalão – mas nem sempre foi assim, e excessos aconteceram. Para lembrar um verso do Legião Urbana: “… e há tempos nem os santos têm ao certo a medida da maldade”.
Ao estar com um parlamentar de peso no cenário nacional, perguntei-lhe qual a razão de o próprio Congresso não propor uma reforma política urgente. A resposta: “Nós não conseguimos consenso”. A reforma política é uma questão de sobrevivência do nosso sistema democrático. Dando um salto aqui, na minha visão, o sistema político foi corroído e houve, quase que naturalmente, uma ascensão do Judiciário. E nós, que somos defensores do estado democrático de direito, vimos isso com um certo susto.
Mas o fato é que o STF vem mantendo um protagonismo com relação aos demais poderes públicos, concluindo julgamentos extremamente polêmicos e relevantes do ponto de vista jurídico-constitucional e político-social. Esse protagonismo decorre de o Poder Legislativo estar parcialmente fragilizado por não corresponder à demanda da maioria que elegeu os seus membros.
A atual conjuntura de polarização ideológica tem provocado frequentes demandas de alguns partidos políticos acerca de questões internas, que deveriam ser decididas no parlamento. Mas acabam desaguando no Supremo e, assim, contribuem para a judicialização da política.
Se há uma judicialização da política e um certo ativismo judicial, isso demonstra, obviamente, a tensão entre a razão e o desejo da maioria. Para a manutenção da independência é preciso diálogo; para o aperfeiçoamento de um Estado Democrático de Direito, é fundamental a cooperação entre os Poderes.
Concordo plenamente com o mestre Ives Gandra quando diz que tem uma “vontade de que as águas voltem para o leito do rio” no sentido estrito da lei. Esperemos para ver.
Nelson Wilians é CEO da Nelson Wilians & Advogados Associados
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