Esta semana em #AMulherdeSucessoResponde, Fernanda Keller, triatleta e campeoníssima também em ação social. Para se ter ideia do tamanho das conquistas da niteroiense Fernanda Keller no triatlo – modalidade esportiva que une natação, ciclismo e corrida – em uma carreira de mais de 30 anos, vamos aos fatos: pentacampeã do Ironman Brasil, seis vezes medalhas de bronze no campeonato mundial de Ironman, no Havaí – onde também é recordista de pódios, colocando-se 14 vezes entre as dez melhores atletas do mundo; hexacampeã do Troféu Brasil de Triathlon; eleita a Mulher Mais Influente do Esporte pela revista Forbes, em 2006. Detalhe: a competição Ironman é considerada a mais difícil do mundo, com seus 3,8 quilômetros de natação, seguido de 180 quilômetros de ciclismo e, finalmente, 42 quilômetros de corrida, em um total de 10 horas de esforço físico contínuo.
Fernanda é uma das pioneiras que ajudou a inventar essa competição. Deu pra cansar? Então, respire fundo, porque há muito mais para se conhecer sobre essa mulher e atleta de sucesso. Nascida em Niterói, em 1963, Fernanda conta que o esporte nunca foi uma escolha em sua vida, ela nasceu assim: “eu sou o esporte”, define. Lembra-se com bom humor de, em seu primeiros anos como garota atlética, ouvir de muita gente: “você é louca”. Além dos conselhos da avó, lhe dizendo que “meninas assim não arranjam marido”. Decidiu então se casar com o esporte, pensando: “tudo bem, mais tarde eu arranjo outro marido”. Hoje ela conta que ao começar a colecionar vitórias, a avó se tornou a maior fã, organizando álbuns com fotos e recortes de suas conquistas. E realmente encontrou outro marido, o fotógrafo, cinegrafista e produtor audiovisual Sergio Mello, seu parceiro de vida.
“O esporte é onde encontro o sustento da alma. O exercício é físico, mas o efeito é espiritual”, declara Fernanda que diz ter encontrado muita resistência pelo caminho, como toda mulher que ousa fazer algo fora do comum. “Mas eu pensava em outras mulheres que, antes de mim, lutaram pelo que queriam e foram em frente”, diz, citando outras atletas que lhe serviram de inspiração e exemplo, como a corredora Aída dos Santos. Moradora de uma comunidade carente no Rio de Janeiro, a atleta levou uma surra do pai quando venceu sua primeira competição: “Ele disse para a filha que medalha não enchia barriga de ninguém”, conta Fernanda, lembrando que Aída foi a primeira mulher atleta brasileira a participar de uma final olímpica nos Jogos de Tóquio, em 1964. Para Fernanda, mulheres como Aída, a nadadora Maria Lenk – que com mais de 80 anos ainda enfrentava as correntezas do mar de Copacabana – e a tenista Maria Esther Bueno – sete vezes campeã internacional – são verdadeiras heroínas brasileiras.
É no esporte que Fernanda diz estar conseguindo driblar a atual crise que vivemos, o “monstro da vez”, como ela chama. “Sou um ser da natureza e tenho fobia de me ver confinada, então para mim o início foi muito difícil, mas acabei encontrando trechos de mata e praia desertos onde pude me exercitar”, diz ela, que quando não está em “treino de guerrilha” para alguma prova, costuma se exercitar entre duas e quatro horas por dia. Entre os muitos títulos conquistados, Fernanda destaca o Ironman Brasil de 2008, disputado em Florianópolis, como sua vitória pessoalmente mais emblemática e marcante. Sempre acompanhada nas competições por pai, mãe, irmão e marido – “Minha base sempre foi a família” – daquela vez foi diferente. Sua mãe permaneceu no Rio, acompanhando o pai que estava internado em uma UTI. Ela conta que logo no início, durante a prova de natação, sentiu que não tinha forças para continuar, mesmo assim foi em frente. Saiu muito atrás das outras atletas na prova de ciclismo, mas aos poucos foi se recuperando e passou a liderar a durante a corrida. “A torcida nas provas de Ironman é visceral, está ali do seu lado e eles foram me incentivando e finalmente, quando eu cruzei a chegada, olhei para o céu, agradeci e dediquei a vitória ao meu pai”, recorda. O pai de Fernanda Keller faleceu pouco mais de um mês depois.
E chegou o momento na carreira, quando Fernanda passou a considerar que medalhas, troféus e títulos já não faziam tanto sentido como no passado. Era preciso ampliar as conquistas, “transformar tudo aquilo em algo útil para a sociedade”. Criou então o Instituto Fernanda Keller, desenvolvendo projetos sociais de inclusão voltados para crianças entre 7 e 17 anos, moradores de comunidades de baixa renda em Niterói, através do esporte, saúde, cultura, lazer e cidadania. “Além de uma parceria com o Exército, temos outra com a Universidade Estácio de Sá, oferecendo bolsas de estudo integrais para oferecer a esses jovens uma melhor perspectivas de vida. É muito gratificante ver um se formando em Administração, outro em Engenharia, em Direito… Tudo que fazemos é a partir dos valores do esporte: foco, concentração, determinação e superação”, explica Fernanda orgulhosa.
Em 20 anos de existência, o Instituto Fernanda Keller já beneficiou cerca de seis mil crianças e adolescentes. “Todas as crianças são nossa responsabilidade, porque elas são o futuro e carregam a missão de fazer um mundo melhor”, conclui, pensando em futuras vitórias. A seguir, Fernanda Keller, mulher de sucesso, responde:
Qual o seu maior exemplo de mulher de sucesso?
O exemplo número 1 sempre será minha mãe, Terezinha Keller. Pela dedicação e eficiência no trabalho como pedagoga e pela generosidade como ser humano. Além de três outras atletas pioneiras que, muito antes de mim, abriram caminhos nada fáceis: Aída dos Santos (1937), representante do Brasil no Atletismo nos Jogos Olímpicos do Japão, em 1964 – a única mulher na delegação brasileira naquele ano e a primeira a competir em uma final olímpica. Maria Lenk (1915-2007), representante do Brasil na natação nos Jogos Olímpicos de Los Angeles, em 1932 – a primeira atleta brasileira a estabelecer um recorde mundial em seu esporte. E a tenista Maria Esther Bueno, vencedora de nada menos do que sete títulos mundiais de Grand Slam em torneios de simples – seu primeiro título no tradicional torneio de Wimbledon, na Inglaterra, foi aos 19 anos, em 1959. Sem esquecer de Zilda Arns (1934-2010), criadora no Brasil das Pastorais da Criança e dos Idosos.
Qual a sua ideia de felicidade no trabalho?
Quando me esqueço que estou trabalhando.
Eu acreditava que sucesso era… mas descobri que sucesso é…
Eu acreditava que sucesso era vencer todos os campeonatos, mas descobri que sucesso é ter saúde, para poder fazer o que mais amo e ser atleta a vida toda.
Depois da pandemia qual será a mudança mais significativa na sua área de atuação profissional?
Na minha área, as mudanças estão em processo, várias adaptações estão sendo feitas no formato das competições de Ironman. Pensando positivamente, a prática do esporte ao ar livre tem sido muito mais valorizada e incentivada pelo aspecto da saúde física e mental.
Se você pudesse escolher um superpoder, qual seria?
Possuir uma varinha mágica e sair construindo milhares e melhores escolas em todo o Brasil: públicas, com horário integral e muitas opções esportivas. Para que todas as crianças e jovens de baixa renda tenham a oportunidade de se desenvolverem totalmente.
Que tipo de hábito ou exercício que você recomenda para desligar ou aliviar sua mente?
Escolhi o triatlo como o estilo de vida porque nadar, pedalar e correr são esportes libertadores. Passo muitas horas comigo mesma em contato com a natureza. Isso me acalma, me deixa feliz e se tornou a minha essência, o que é muito importante para se desligar do que realmente não vale a pena e aprender a valorizar aquilo que realmente me faz bem. O exercício é físico, mas o efeito é espiritual.
Qual a mensagem que você gostaria de deixar para as próximas gerações?
A maioria das pessoas, inclusive os mais talentosos, vencem pelo trabalho, dedicação e muito foco. Os sonhos se tornam realidade quando fazemos as escolhas coerentes com o que realmente somos. O sucesso é apenas a consequência.
Donata Meirelles é consultora de estilo e atua há 30 anos no mundo da moda e do lifestyle
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