Esta não é uma fábula, mas uma história real – a minha – e o que uma doença pode nos ensinar sobre como reagir a uma situação dramática em nossas vidas. Eu já falei neste espaço que sou fã de esportes e praticante de Ironman, uma versão bem mais pesada do triatlo.
Qualquer pessoa que faz um esporte sabe que participar de uma prova nos custa meses de treinos e de dedicação física e mental. Os treinos são organizados de modo que há um balanço entre carga das práticas e repouso. Assim, os atletas não têm o risco de entrar no chamado overtraining.
Esse excesso de treinamento tem sinais sutis. Muitas vezes, quando o atleta se dá conta, já está lesionado ou de cama, o que o impede de participar da prova que tanto sonhava. Quando isso acontece, o atleta costuma até mentir para o médico para continuar treinando. Quem gosta de ser interrompido à força quando está fazendo aquilo que ama?
Foi mais ou menos o que aconteceu comigo. A entrada na quarentena me obrigou a reformular toda a minha vida profissional para trabalhar em casa. Sem que me desse conta de que isso poderia impactar a minha saúde, fui assumindo compromissos extras, desenvolvendo novos projetos, porque, claro, já não mais perdia mais tanto tempo preso no trânsito. Os quinze minutos a mais de trabalho logo se transformaram em meia hora extra e, um pouco depois, em um tempo significativamente maior de trabalho.
Eis que no meio de uma série de conquistas que esse rearranjo me proporcionou, fui acometido de uma virose que paralisou metade do meu rosto. O vírus parece ter vindo para me dizer “campeão, é hora de dar uma parada”. É a mesma sensação de treinar duro por meses e semanas antes da prova que tanto queria participar, você se machuca e o seu técnico diz, contra a sua vontade, que você tem de interromper os treinos.
É natural, quando nos vemos doentes, surgirem pensamentos negativos: será que a minha doença vai me impedir de cumprir os compromissos que havia assumido? Será que terei de desistir de novos projetos? O que fazer com esses pensamentos negativos: deixá-los me dominar ou dar um jeito de dominá-los?
Vi, então, surgir uma força que me fez ter a certeza de que, de alguma forma, eu poderia superar esse desafio. Procurei enxergar a minha doença não como uma adversidade, mas como uma oportunidade de me readaptar e seguir em frente da melhor forma possível. E eu consegui. Por vezes, com certa dificuldade, mas consegui – respeitando a diminuição de ritmo que me foi imposta – dar conta do recado.
Deixo essa minha história como exemplo a você, que é meu leitor, mas ela também serve a mim como inspiração: de que até podemos torcer o pé e nos machucar, mas nem sempre isso significa que não conseguiremos finalizar a prova. Mesmo mancando, muitos atletas conquistam a sua medalha de “finisher”.
Dr. Arthur Guerra é professor da Faculdade de Medicina da USP, da Faculdade de Medicina do ABC e cofundador da Caliandra Saúde Mental.
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