Eu sou profissional da Saúde e, portanto, faço parte do grupo prioritário para a vacinação contra a Covid-19. Faço atividade física regularmente há muitos anos – já comentei aqui que sou triatleta. Estou numa faixa de peso considerada normal para minha idade e altura e meus exames de sangue mostram que estou bem de saúde. Mas eu confesso: estou morrendo de medo de pegar Covid.
Desde a chegada do vírus ao Brasil, pouco a pouco fomos aprendendo a viver de forma mais isolada, incorporando hábitos como o uso de máscara, do álcool gel e da higienização das mãos de maneira frequente. Aprendemos a encontrar pessoas queridas em salas virtuais. Em meados de outubro, a maioria de nós se animou com o fato de que já não tínhamos tantas mortes no país quanto meses antes. Esse tipo de notícia, de fato, trouxe um alento e a perspectiva de que melhores dias viriam.
Mas eis que a segunda onda da pandemia começou de forma surpreendente a atacar amigos próximos e familiares. Muitos deles estão internados e intubados. Por ser médico e estar bem de saúde, eu deveria me sentir um pouco mais seguro, não? Não é bem assim. Eu me sinto como se estivesse dentro de um avião que pegou um forte período de turbulência pela frente. Não temos controle sobre o que vai acontecer com aquela máquina, mas, a cada tremor que ela dá, somos relembrados de que a qualquer momento ela pode cair.
A Covid fez com que, de certa forma, perdêssemos o controle sobre as nossas próprias vidas. Afinal, não basta nos cuidarmos o máximo que pudermos porque, se pegos pelo coronavírus, poderemos desenvolver a forma grave da doença, a que mata.
É como se estivéssemos jogando roleta russa. Eu fiz muitas mudanças de ordem prática na minha vida, como combinar com meus familiares que, ao me visitarem, eles terão feito um exame de Covid antes e me garantirem não terem furado a bolha.
Ainda assim, quem me garante que não receberei a bala que vai me matar? Porque, sim, muitos dos casos que temos testemunhado nos últimos dias foram transmitidos por pessoas que se expuseram ao risco e depois encontraram com entes queridos que estavam resguardados. Ter confiança em quem nos cerca, hoje também começou a fazer parte das medidas de prevenção.
O medo é uma resposta à presença de um perigo. Acontece que quando essa ameaça é contínua e incerta (de onde ela virá, afinal?), como é o caso dessa pandemia, o medo pode se tornar crônico e um fardo enorme para quem o carrega nas costas. Como decorrência dele, podem surgir transtornos mentais como ansiedade e fobia nas pessoas.
O que fazer com esse medo? Primeiro, algo óbvio: controlá-lo. Fazemos isso voltando a ter controle sobre coisas que estão sob nosso controle, como cuidar de nós e dos que nos cercam mantendo-nos distantes socialmente e usando máscara. Também podemos, e devemos, ter em consideração que não estamos sozinhos naquele avião em turbulência. A humanidade está toda dentro dele. Podemos cuidar dos outros passageiros, para que a vida deles não seja abreviada, assim como não queremos que a nossa seja.
Finalmente, podemos buscar alegria nas pequenas coisas que nos cercam. Há muita alegria escondida atrás da feitura de um bolo em casa, de uma pedalada na rua de manhã cedo, de um encontro virtual com os amigos. Cuidem-se.
Dr. Arthur Guerra é professor da Faculdade de Medicina da USP, da Faculdade de Medicina do ABC e cofundador da Caliandra Saúde Mental.
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