O Brasil se aproxima dos 300 mil mortos pela Covid-19. A cada dia, mais de mil se vão em decorrência da doença. Quantos familiares, amigos, colegas foram impactados por essas mortes? Se considerarmos um estudo publicado no Proceedings of the National Academy of Sciences em julho de 2020, que estimou que cada morte pela Covid-19 deixará aproximadamente nove pessoas enlutadas, o coronavírus já teria impactado quase 3 milhões de pessoas. Não é pouco.
Até não muito tempo atrás, o luto era visto como um momento a se lutar contra. A perda de alguém que nos é querido é algo sempre difícil – para alguns mais, para outros, menos. O sentimento de querer bem àquela pessoa que se foi pode trazer uma tristeza muito profunda, quase como se fosse a experimentada por alguém que está com depressão. Às vezes, a morte de um ente querido pode ser um gatilho para a depressão.
Por trazer essa imensa melancolia, a ideia que se tinha era a de que o luto deveria ser combatido. Felizmente, isso mudou. Vê-se hoje o luto como uma resposta natural e humana ao sentimento de perda e de saudade daquela pessoa que partiu.
Uma curiosidade: a palavra luto vem da palavra latina luctus, que significa “dor, mágoa”. É exatamente isso o que costumamos sentir: uma dor profunda.
O modo como respondemos à morte de alguém querido depende da nossa personalidade. Alguns vivem tão intensamente o luto, é algo tão vivo para eles, que é quase como essas pessoas sentissem um certo “conforto” na tristeza. Outros, ao contrário. Encaram a morte com pesar, é lógico, mas como parte da vida, como uma das milhares de coisas às quais não temos controle.
O luto também depende da cultura. Cada cultura tem os seus próprios rituais para viver o momento da perda. A nossa cultura privilegia o vestir-se de preto e dar vazão aos sentimentos, quase sempre choro. Outras culturas, entretanto, fazem festas para celebrar a pessoa que se foi, com familiares e amigos trocando experiências alegres que tiveram com aquele ente querido e lembrando como aquela pessoa os impactou.
O ponto é que, independentemente da cultura, esses costumes compartilham um elemento-chave: a conexão humana. E isso o coronavírus nos tirou. Até os serviços funerários têm grandes restrições. Não podemos, neste momento, nos reunir para chorar ou celebrar as boas lembranças de alguém que morreu. Talvez por isso o luto esteja sendo particularmente difícil.
Dr. Arthur Guerra é professor da Faculdade de Medicina da USP, da Faculdade de Medicina do ABC e cofundador da Caliandra Saúde Mental.
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