Muito já se especulou, discutiu e escreveu sobre as possíveis consequências da posse de Joe Biden na presidência dos Estados Unidos nas relações entre seu país e o Brasil.
Temas como a volta ao Acordo de Paris e ao multilateralismo, a renovação do apoio à Organização Mundial do Comércio (OMC) e à Organização Mundial da Saúde (OMS), eventuais mudanças nas diretrizes diplomática e comercial em relação à China, aliança com a União Europeia e, internamente, a busca pela pacificação contra o radicalismo têm sido explorados à exaustão.
Da mesma forma, tem repercutido muito o debate sobre o entorno de tudo isso, em meio à pandemia e crises na saúde pública. Questões ligadas às agendas ambiental, energética, às mudanças climáticas, inovações tecnológicas profundas, sobretudo na área digital, além dos movimentos no tabuleiro do comércio global e a dupla de desafios portentosos – segurança alimentar global e sustentabilidade – provocam calorosos embates de vieses técnico e ideológico.
Quanto a nós, brasileiros, os pontos mais relacionados são a eventualidade de sanções por causa do aumento de desmatamento na Amazônia, incêndios criminosos, invasão de terras públicas ou indígenas por grileiros, madeireiros ou garimpeiros e a possibilidade de nos deixarem de fora de acordos comerciais multilaterais importantes.
A Europa vai avançando no novo “Green Deal”, com possível imposição de métricas sobre a emissão de CO2 na produção de alimentos importados. Muito provavelmente, tal acordo será adotado pelos EUA e China, de modo que precisamos estar muito atentos a esses entendimentos, que poderão nortear decisões absolutamente estratégicas para o posicionamento brasileiro no tabuleiro citado acima.
Pois bem. Ao final dos debates sobre estas questões todas, vem a pergunta: Joe Biden representaria um risco ou uma oportunidade para o nosso país? Provavelmente nenhum dos dois, mas sim um alerta. E um alerta que já estava ligado bem antes de ele chegar.
O Brasil tem algumas vantagens competitivas inegáveis no agronegócio. Não foi à toa que, no ano passado, aumentamos nossas exportações desse setor, chegando a US$ 100,8 bilhões, mesmo com todos os dramas derivados da pandemia do coronavírus desafiando a perspectiva de bons resultados. Ainda podemos crescer muito mais nesse front.
Além da competitividade no agro, somos também uma potência ambiental com o ativo da Amazônia, e não podemos desprezar essa plataforma extraordinária para a bioeconomia. No entanto, não temos cuidado bem disso.
Embora tenhamos o reconhecimento de uma agropecuária altamente sustentável, as ilegalidades recorrentes naquela região mancham nossa competitividade. Com isso, corremos o risco de perder mercados e o pior: ficar de fora dos grandes acordos que já estão sendo retomados com Biden e sua visão multilateralista, seja com a Europa, seja com outras nações amigas dos EUA, seja mesmo numa flexibilização das relações com a China.
Ficar de fora de conversas com ênfase em comércio e clima definitivamente não é uma opção. Temos que tomar decisões claras a partir do que queremos para a nossa Amazônia e de como vamos mitigar problemas e driblar desafios. Precisamos de um plano que valerá como uma espécie de passaporte para um lugar estratégico nas mesas de negociações. E com uma visão evidente: somos um país muito grande para desprezar ou privilegiar mercados do agro. É fundamental cultivar as relações com todos os atuais parceiros – inclusive a China, de longe nosso maior importador – e buscar ampliar acordos com outros países asiáticos, ora envolvidos no RCEP (Parceria Econômica Regional Abrangente), um acordo de livre comércio entre 15 países da região Ásia–Pacífico.
Podemos crescer, sim, mas isso dependerá de resolvermos nossos problemas internos e de estabelecermos relações diplomáticas focadas em resultados.
Roberto Rodrigues é coordenador do Centro de Agronegócios da FGV
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