Os olhos funcionam como uma espécie de oráculo do corpo: muitas vezes, é neles que aparecem os sinais iniciais de uma doença que poderá levar meses para se revelar de forma completa em outras partes do organismo. Nesses casos, manifestações como dor, vermelhidão e visão embaçada não são a parada final, e sim o ponto de partida para algo mais complexo — mas que, com sorte, pode ser detectado e tratado com antecedência.
Uma das características mais abrangentes é a combinação de dor e vermelhidão. Quando não está relacionada a males dos próprios olhos, ela pode apontar para um leque amplo de problemas em todas as partes do corpo.
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Um exemplo relevante são as doenças reumatológicas, como a artrite reumatoide. Trata-se de uma enfermidade autoimune, na qual as células de defesa atacam o próprio corpo — e têm os olhos como um dos alvos prioritários ou primários? Com frequência, quando o primeiro sintoma delas não é a dor nas juntas, o mal se manifesta por uma série de alterações na visão, como dor, vermelhidão, coceira, sensibilidade à luz e secura.
Os olhos vermelhos também se manifestam com frequência em pacientes com HIV: a perda de imunidade causada pela doença pode facilitar a entrada de viroses que se instalam nos olhos, como os citomegalovírus e o herpes, além do sarcoma de Kaposi, um tipo de tumor ocular.
No mais, a vermelhidão ainda pode apontar para problemas que interferem diretamente na circulação, como a insuficiência renal e a hipertensão, além de leucemias, doenças cardíacas e acidente vascular cerebral (AVC). Quando a origem está na circulação, não é raro que haja pequenas hemorragias na esclera, a parte branca do olho.
Outro alerta que aponta com frequência para doenças ocultas — e bastante preocupantes — é a visão embaçada. Muitas vezes, ela pode sinalizar a presença de males neurológicos, uma vez que o nervo óptico nada mais é que uma extensão do cérebro. Um exemplo disso é o próprio AVC. Episódios recorrentes de turvamento da vista podem indicar uma alta probabilidade de derrame no futuro, com até meses de antecedência.
A visão embaçada também pode ser um caso precoce de esclerose múltipla. Nos primeiros quinze anos de convivência com a doença, metade dos pacientes de esclerose desenvolvem uma inflamação do nervo óptico que distorce a visão, desbota as cores e pode levar à cegueira parcial.
Não bastasse isso, a visão turva também pode indicar a presença de diabetes. Segundo a Sociedade Americana de Diabetes, 40% dos portadores da doença desenvolvem alterações oftalmológicas, sendo a visão embaçada a mais comum. Num primeiro momento, o excesso de glicose no sangue faz o cristalino — a chamada lente do olho — inchar, deformar-se e perder flexibilidade, o que compromete sua capacidade de foco.
Felizmente, a visão tende a voltar ao normal à medida que o paciente inicia o tratamento e controla a doença. A longo prazo, no entanto, a visão embaçada pode voltar à vida do paciente com diabetes como consequência da catarata, mal que ataca o cristalino e o deixa progressivamente opaco. O diabetes aumenta em 60% o risco de desenvolver catarata — mas o impacto dela sobre os olhos não acaba aqui.
Segundo o Conselho Brasileiro de Oftalmologia, a pessoa com diabetes ainda tem 25 vezes mais risco de ficar cego ao longo da vida, uma vez que a doença aumenta a propensão a males como o glaucoma e a retinopatia. O primeiro consiste em um aumento crítico da pressão ocular, 40% mais frequente. O segundo é caracterizado por danos nos vasos sanguíneos que irrigam a retina, e chega a afetar 75% dos pacientes com diabetes tipo 2 que convivem com a doença há mais de 20 anos. Em ambas as situações, a perda da visão começa gradualmente, com o surgimento de pontinhos pretos.
Outro sintoma que se manifesta nos olhos, mas indica problemas em outro lugar, são os olhos amarelados, que geralmente remetem às hepatites virais e alcoólicas. O fígado danificado produz um excesso de bilirrubina, que é escoado pelo sangue e chega ao globo ocular.
No futuro, felizmente, detectar esses problemas por meio dos olhos pode ser uma tarefa mais simples. Pesquisas recentes mostram que a retina — a membrana de tecido nervoso localizada no fundo do olho, que contém células sensíveis à luz e uma rede de minúsculos vasos sanguíneos — pode ser a chave para entender muitos problemas de saúde. Um desses estudos, conduzido por pesquisadores da Universidade da Califórnia, mostrou que a retina pode indicar a presença de doenças cardiovasculares. Indivíduos que sofrem desses males têm lesões permanentes na retina, decorrente da isquemia (interrupção no fluxo de sangue) que lhes é característica.
Outro, publicado no British Journal of Ophthalmology, descobriu que a retina é um indicador confiável para determinar a chamada idade biológica, e que a discrepância entre esse número e a idade cronológica pode acusar com precisão os riscos de saúde futuros — inclusive o de morrer. Quanto maior a diferença entre a idade da retina e a idade cronológica, maior o risco de morrer — que chegava a ser 67% mais alto no grupo com a retina mais envelhecida.
Tratam-se de males extremamente heterogêneos, cada um com uma origem específica. O que todos eles têm em comum é a prevenção: hoje e amanhã, ela começa indo ao consultório do oftalmologista de forma periódica, ou tão logo os sintomas se manifestarem.
Claudio Lottenberg é mestre e doutor em oftalmologia pela Escola Paulista de Medicina (Unifesp). É presidente do conselho do Hospital Albert Einstein e do Instituto Coalizão Saúde.
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