
A intensificação do conflito comercial entre Estados Unidos e China em 2025 está abalando os alicerces do comércio internacional e comprometendo a fluidez das cadeias globais de produção. À medida que tarifas bilionárias são impostas e retaliadas, os mercados começam a precificar não apenas uma desaceleração econômica, mas também o risco de um cenário mais temido: a estagflação.
Esse fenômeno, que combina estagnação econômica com inflação alta, é particularmente nocivo porque os instrumentos tradicionais de política monetária se tornam menos eficazes. Em um ambiente de guerra comercial prolongada, rupturas logísticas e incertezas geopolíticas, o risco de estagflação deixa de ser apenas uma hipótese e se aproxima do radar dos analistas globais.
Mais que tarifas, uma batalha por hegemonia
Em janeiro de 2025, os Estados Unidos elevaram as tarifas sobre produtos chineses em 20%. Três meses depois, em meio a retaliações de ambas as partes, essa alíquota já ultrapassa os 125%. A China respondeu às ações de Trump com medidas equivalentes, criando um ambiente de confronto comercial que se espalhou por setores estratégicos, de tecnologia a commodities agrícolas.
Não se trata apenas de protecionismo. A disputa reflete uma tentativa dos EUA de reequilibrar seu papel na economia global, recuperar protagonismo industrial e conter o avanço tecnológico da China. O problema é que, nesse embate, o sistema de comércio multilateral — baseado em previsibilidade, eficiência e interdependência — começa a se desestruturar.
Guerra comercial afeta cadeias globais de produção
A produção global atual depende de cadeias integradas, altamente especializadas e distribuídas por diversos países. Quando as regras do jogo mudam de forma abrupta, como ocorre agora, essas engrenagens sofrem rupturas severas.
Empresas enfrentam escassez de componentes, prazos mais longos e custos logísticos crescentes. O resultado é um ciclo de pressão inflacionária via custos, redução na produtividade e reconfiguração de contratos comerciais. A fragmentação dessas cadeias compromete o crescimento mundial — especialmente nos setores industriais mais dependentes da cooperação internacional.
O que é estagflação e por que o risco está aumentando
O termo estagflação foi usado pela primeira vez em 1965, pelo político britânico Iain Macleod, ao descrever a crise do Reino Unido: uma economia com crescimento lento, inflação alta e desemprego em elevação — algo que, até então, contrariava os modelos econômicos tradicionais baseados na ideia de que inflação e desemprego eram mutuamente excludentes.
Na década de 1970, com os choques do petróleo, o conceito ganhou maior relevância e, desde então, tornou-se sinônimo de um dilema para os formuladores de políticas econômicas: se elevam os juros para controlar a inflação, agravam a estagnação. Se estimulam a economia com crédito, alimentam ainda mais a inflação.
A guerra comercial atual reativa os mesmos gatilhos:
- Choques de oferta causados por disfunções logísticas e tarifárias.
- Aumento de preços de insumos, energia e bens de consumo.
- Queda no comércio global e retração dos investimentos internacionais.
O resultado: uma inflação de custos que ocorre mesmo em cenários de baixo crescimento — exatamente o que define a estagflação.
Os reflexos nos mercados de capitais
O investidor não precisa esperar os efeitos macroeconômicos se consolidarem para sentir os impactos. Os mercados financeiros sempre antecipam cenários. E a sinalização atual é clara: aversão ao risco, alta volatilidade e fuga para ativos considerados mais seguros.
Com a fragmentação do comércio e a incerteza política, ativos de países emergentes sofrem reprecificação. Há desvalorização cambial, elevação nos prêmios de risco e, em muitos casos, retirada de capital estrangeiro. Ao mesmo tempo, ativos ligados à economia real — como energia, commodities e infraestrutura — ganham destaque diante da nova configuração dos fluxos globais.
Além disso, a própria precificação de empresas multinacionais, fortemente integradas às cadeias globais, passa a ser revista. O custo do capital aumenta, a previsibilidade de lucros diminui e a confiança dos investidores fica comprometida.
Consequências para o Brasil: riscos e oportunidades
O Brasil é diretamente impactado em três frentes: comércio, câmbio e investimentos.
Entre os principais riscos estão a redução da demanda externa por commodities, a alta do dólar pressionando os preços internos e a menor atratividade para capital estrangeiro em um ambiente de incerteza. A inflação importada, principalmente via combustíveis e insumos industriais, torna-se um desafio adicional para o Banco Central.
Por outro lado, há oportunidades estratégicas que não devem ser ignoradas. A busca por diversificação nas cadeias produtivas pode reposicionar o Brasil como fornecedor estratégico de alimentos, energia e minerais. Além disso, setores como tecnologia agrícola, energia renovável e infraestrutura logística podem atrair investimentos se o país conseguir transmitir estabilidade regulatória e segurança jurídica.
Esse novo cenário, embora desafiador, pode acelerar a inserção do Brasil em cadeias alternativas — especialmente se a diplomacia comercial souber capitalizar o momento.
Uma nova ordem mundial?
A guerra comercial entre EUA e China não é apenas um conflito bilateral: é uma ameaça sistêmica ao modelo de globalização que sustentou o crescimento econômico das últimas décadas. Suas consequências vão além das tarifas — comprometem a estabilidade das cadeias globais, aumentam o risco de estagflação e impõem novos desafios ao investidor.
Em tempos como este, compreender o cenário macroeconômico deixa de ser um exercício acadêmico e passa a ser uma ferramenta essencial de proteção e estratégia. O mundo está entrando em uma nova fase — e quem estiver melhor informado terá mais chances de se posicionar com inteligência.
Eduardo Mira é investidor profissional, Analista CNPI-T (Anbima), mestrando em Economia, com MBAs em Gestão de Investimentos, Análise de Investimentos e Educação Financeira. Empresário, sócio do Clube FII e do Grana Capital, escritor best-seller e educador financeiro com cursos que já formaram mais de 50 mil alunos pelo mundo.
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