No primeiro andar de um prédio administrativo de pedra, que lembra mais uma escola do que uma faculdade bem classificada nos rankings norte-americanos de educação, um enorme mapa dos Estados Unidos ostenta centenas de tachinhas multicoloridas. Cada uma delas representa uma doação acima dos US$ 100. Dr. Jerry C. Davis move seu dedo pelo mapa para falar sobre seus pontos favoritos.
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“O sul da Califórnia é sempre bom para nós… Mas só eu gosto do clima quente. Minha esposa não gosta”, diz o homem de fala sincera que dirige o College of the Ozarks, uma faculdade evangélica sem fins lucrativos situada entre as Montanhas Ozark, no sudoeste do Missouri. Apontando para uma tachinha em Sarasota, na Flórida, ele ri: “Ela tem enfeites de Natal e você nunca viu nada assim”.
Enquanto algumas escolas empregam vastas equipes de desenvolvimento – e até mesmo legiões de operadores de telemarketing – para manter contato com ex-alunos, Davis tem apenas um funcionário. Isso é surpreendente, considerando a renda de US$ 500 milhões de sua escola, que ocupa a 59ª posição entre as 650 escolas da lista FORBES Top Colleges.
Davis, de 74 anos, é o presidente – não de uma faculdade cara da Ivy League, mas sim de uma instituição que se diferencia por seus valores cristãos hiper patriotas e por sua insistência para que todos os seus 1,5 mil estudantes trabalhem em troca do pagamento da matrícula. Enquanto muitas escolas privadas medianas lutam ano após ano para manter as luzes acesas, Davis transformou o College of the Ozarks em uma das 30 melhores faculdades em termos de seleção. Sua taxa de aceitação é de 11%. A de admissão, que mede a porcentagem de estudantes admitidos, é de 83% – para efeito de comparação, Harvard tem 82%. O que é ainda mais impressionante é o fato de Davis ter conseguido atrair candidatos sem as vantagens típicas oferecidas por outras instituições – impressionantes instalações esportivas, dormitórios extravagantes e rios deliciosos.
Nada sobre o College of the Ozarks anuncia “enormes doações” ou “taxa de aceitação de 11%”. Passeie pelo montanhoso campus de 4 mil quilômetros quadrados, a apenas cinco quilômetros de Branson, meca da música country, e você encontrará ligações com o meio-oeste, como uma cozinha administrada por estudantes para fazer bolos de frutas e geleias e um estúdio para fabricação de velas e vitrais. Não é incomum ver estudantes da universidade correndo ao redor do lago Honor ou frequentando um dos muitos cultos realizados na Williams Memorial Chapel. E há o impressionante Keeter Centre, um hotel em estilo de pousada com funcionários universitários premiado pelo Traveler’s Choice de 2018 do “TripAdvisor”. Fora isso, não há nada de chamativo no campus.
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O corpo discente é igualmente humilde. A escola não é conhecida por seus estudantes universitários, como acontece com outras. Cerca de 75% da pontuação ACT Composite (usada para admissão nas universidades) dos alunos é 25 ou menos. Na Unirsidade do Missouri esse número é 29. A missão da escola determina que 70% de todos os alunos sejam oriundos de áreas vizinhas, principalmente do Missouri e Arkansas, e 90% deles comprovam carência financeira.
No auto-intitulado “Hard Work U”, os participantes recebem uma educação gratuita desde que trabalhem 15 horas por semana em atividades no campus, façam aulas de educação patriótica e evitem vícios como sexo, drogas e álcool. (A CofO está em 2o lugar na lista Stone Cold Sober da Princeton Review.) Cerca de 90% do corpo estudantil é branco, uma realidade alinhada com a comunidade das regiões próximas. No papel, o custo anual no College of the Ozarks é de US$ 18.900. No entanto, a exigência de trabalho dos alunos elimina US$ 4.480, enquanto o restante não coberto por subsídios do governo (55% dos alunos recebem bolsas Pell) fica a cargo da faculdade. É aí que entra a máquina de captação de recursos de Davis.
Os alunos do CofO vivenciam muitas das experiências encontradas em qualquer campus universitário. Eles se preocupam com notas, animam-se com as danças da faculdade e assistem “The Office” na Netflix (já que “Game of Thrones” é um pouco arriscado para muitos). A maioria dos estudantes não vem de famílias abastadas que podem pagar ou fazer doações para outras escolas.
“Financeiramente, seria difícil para mim ir a qualquer outro lugar”, diz Lain McCanless, um relações públicas que cresceu a menos de duas horas, em Mount Vernon. “Eu queria ter um ambiente que não apenas me ajudasse a crescer na carreira acadêmica, mas também espiritualmente.”
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Esta narrativa de desenvolvimento capacitou a própria carreira de Davis. Atrás de uma mesa repleta de fotos da infância de seus irmãos veteranos do Vietnã, o típico nativo da Geórgia fala sobriamente sobre a sua educação – pai alcoólatra, mãe oprimida e generosos avós que o acolheram. Davis conta que ele e seus irmãos eram encrenqueiros, mas ele finalmente encontrou seu caminho quando foi para a Mount Berry School for Boys, uma escola para meninos onde passou a apreciar o valor do trabalho.
“Eu tenho ligado para cada nome da nossa agenda, e até agora não encontrei ninguém que não saiba nada sobre as crianças que estamos tentando ajudar”, diz Davis, que avançou na vida acadêmica com um Ph.D. em biologia na Ohio State University.
Davis lecionou por alguns anos antes de auxiliar a University of the Cumberlands, em Kentucky, a levantar dinheiro para uma nova escola de enfermagem. Uma vez que o problema da arrecadação de fundos aumentou, Davis passou a se encarregar de todos os aspectos relacionados à tarefa, desde a mensagem estratégica de correspondência em massa até o dinamismo das relações com os doadores. “Eu fiquei fascinado por isso.”
Ele era bom e suas habilidades inatas o levaram ao Alice Lloyd College, uma escola dos Apalaches em Kentucky. O conselho da entidade contratou Davis em 1977, dizendo que, aos 33 anos, ele iria supervisionar o sucesso da escola ou o seu colapso. Sua resposta foi dar um passo atrás.
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“Ele descobriu que os alunos não queriam trabalhar, então acabou por desligar um quarto deles”, diz Sue Head, reitora do CofO. Foi um movimento arriscado para uma escola que, até então, havia falhado do ponto de vista financeiro, mas funcionou. O estilo de liderança teimoso, mas focado, de Davis infundiu no local uma presunção muito necessária e, cinco anos depois, a escola transformou-se em uma instituição de graduação de quatro anos.
A reviravolta chamou a atenção do College of the Ozarks, que passou por cinco presidentes em 12 anos e estava em completa desordem financeira. Na necessidade de um líder firme, que pudesse fornecer alguma estabilidade, a faculdade contratou Davis em 1988.
Até hoje, ao relembrar o estado em que a instituição se encontrava na época de sua admissão, Davis mostra uma fala arrastada e de profunda incredulidade. Embora o CofO tenha sido fundado em 1906 para ser uma instituição de trabalho para os estudantes mais pobres da região, Davis notou um substancial “desvio de missão” – muitos interessados ansiavam por igualar seu prestígio a outras pequenas escolas liberais de artes.
“Eu apenas ri quando ouvi um membro do corpo docente dizer que deveríamos ser a ‘Harvard de White River’”, lembra ele. “Não precisamos de outra Harvard.”
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Davis começou a implementar mudanças imediatamente. Ele suspendeu a maior parte da equipe de TI, cortou o programa e usou uma parte do pouco dinheiro que a escola tinha – a renda em 1989 era de US$ 33 milhões; em cinco anos passou para US$ 53 milhões – para pagar os empréstimos da escola. Também encerrou a maioria das ações de verão da instituição. “Isso nos custou um braço e uma perna”, diz ele.
Alguns funcionários de longa data ficaram irritados com a mudança repentina. Davis não se importou. “Um por um, fomos capazes de atrair pessoas que poderiam trabalhar duro e compreender a missão da escola, e isso é mais importante que tudo.”
Davis acertou a trilha da arrecadação de fundos munido com uma missão: construir um campus decididamente devoto e cheio de bandeiras que renunciaria ao status de elite para dar educação às pessoas mais carentes da região. Seu produto claramente vingou. Segundo o banco de dados IPEDS (Integrated Postsecondary Education Data System, Sistema Integrado de Dados de Educação Pós Secundária, em tradução livre) do Departamento de Educação, o CofO arrecadou pelo menos US$ 10 milhões em doações privadas todos os anos desde 1998, incluindo US$ 41 milhões em 2013.
Alinhada com essa proeza de angariar fundos está uma abordagem consistentemente econômica para o orçamento. A escola usa com parcimônia esse fundo, com uma taxa média de gastos de 1,7% desde 2007 – entidades similares têm taxas ao redor de 4,7%. Com uma prática mais cautelosa, a escola produz um segundo orçamento todos os anos, caso precise recusar US$ 7 milhões em verbas federais para preservar a liberdade religiosa.
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Tudo isso elevou a renda de US$ 33 milhões em 1989 para US$ 459 milhões em 2017, segundo dados mais recentes do IPEDS. Davis estima que o número seja ainda maior hoje: em torno de US$ 550 milhões. Apesar de soma em si não ser tão chamativa – 85 das 650 universidades da lista Top Colleges tinham arrecadação de bilhões de dólares em 2017 -, o College of the Ozarks recebeu US$ 275 mil por estudante em 2017. Isso superou instituições como NYU, Boston College e Johns Hopkins.
Enquanto isso, Davis reforçou a marca com novas ideias – e uma forte oposição para implementá-las. Quando criou o primeiro programa de ciências militares da escola, no início dos anos 1990, “algumas das faculdades de ciências humanas” da escola se questionavam se a instituição cristã deveria apoiar os militares tão fortemente. Ele as ignorou – e agora essa bandeira levantada pela escola é um dos seus maiores diferenciais.
Em 2009, Davis ajudou a criar o popular Programa de Viagem Educacional Patriótica, que enviou estudantes a lugares como Hanoi Hilton e Omaha Beach, acompanhados por um veterano. “As pessoas não nos dão dinheiro porque somos como todo mundo”, diz ele. “Mas sim porque somos diferentes.”
As críticas vieram em peso, principalmente daqueles que vêem a cultura do College of the Ozarks como uma relíquia de uma época passada menos tolerante. De acordo com o seu manual, a escola se reserva o direito de desligar qualquer aluno ou estudante transgênero que demonstre comportamento homossexual, uma política que lhe valeu o título de Escola Gay-Unfriendly (inimiga dos gays, em tradução livre) da Princeton Review, empresa de serviços de admissão em faculdades que oferece, entre outros serviços, preparação para exames e tutoria. No ano passado, a Associação Nacional de Atletismo Intercolegial promoveu um torneio de basquete do CofO quando a faculdade anunciou que não jogaria contra equipes cujos jogadores ficavam de joelhos durante a execução do hino nacional norte-americano. No outono, o escritório de Davis recebeu elogios e mensagens de ódio quando a escola abandonou seus uniformes esportivos da Nike após a polêmica campanha do quarterback Colin Kaepernick.
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Em vez de ficar em cima do muro diante das controvérsias, cada membro da equipe de Davis dá uma resposta igualmente direta: a escola é honesta sobre quem é e se você não concorda com as regras, não precisa se inscrever ou doar. Como diz Sue Head, “se você quer ir para algum lugar que seja adepto de festas ou mais liberal, tudo bem. Mas nos permita a mesma oportunidade”.
O fato de Davis ter conseguido fazer com que essa obscura escola passasse a uma estabilidade financeira de nove dígitos é particularmente impressionante, dadas as modestas aspirações de carreira de seus alunos. Nos Estados Unidos, a matrícula nas universidades que oferecem cursos em setores de baixa remuneração da educação e da agricultura, por exemplo, despencou para 4,5% e 1,9%, respectivamente, em todos os níveis de bacharelado. Enquanto isso, 22% dos estudantes do College of the Ozarks buscam uma dessas áreas. A instituição não gera estatísticas robustas: das escolas na lista Top Colleges da FORBES, o potencial salarial do CofO está entre os mais baixos, com uma remuneração média de US$ 72 mil após uma década de experiência, segundo a PayScale. No entanto, pelos padrões do Missouri, um diploma do College of the Ozarks deve colocar os profissionais acima da renda média do estado.
“No CofO, você pode seguir uma carreira consistente com seus valores, em vez de seguir um caminho consistente com dívidas”, diz o graduado em enfermaria em 2012 Matt Farmer.
Dada a popularidade dos chamados programas de co-op (cooperação educativa) e de estágio em faculdades de elite, não é de admirar que os candidatos estejam batendo à porta para entrar na “educação vocacional” de 15 horas por semana do College of the Ozarks.
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“A preparação de alguns desses estudantes os separa dos demais de sua geração”, diz a aluna MiKaela Wardlaw Lemmon, que, como vice-presidente de merchandising no Sam’s Club, contrata um bom número de graduados do College of the Ozarks. “Ela está superando o que você espera de uma escola pequena.”
Apesar de Davis estar prestes a completar 75 anos, ele não mostra sinais de desaceleração. O formulário 990 da organização relata que ele trabalha 60 horas por semana, uma soma que seus colegas acreditam ser um eufemismo. Na verdade, a FORBES esteve com Davis apenas duas semanas depois de ele ter fraturado as costas, três dias após ter removido pedras nos rins e dois dias depois de participar da cerimônia de honra do amigo de um amigo na Casa Branca. Sua esposa, Shirley, diz que ele não tem hobbies, e quando Davis é pressionado para provar que ela está errada, ele decide caminhar.
“Eu vim aqui não para mudar a missão desta faculdade, mas para realizá-la”, diz. “E qualquer coisa que fique no meu caminho vai ter que ser empurrada para o lado. A missão é o que importa.”