No dia 28 de março de 2020, um sábado, por volta de seis da tarde, recebi um áudio de 2 minutos de um cliente. O mundo começava a virar do avesso com a pandemia. A recomendação era ficar em casa – algo a que, um ano depois, ainda não estamos exatamente acostumados. Sábado é o dia em que tento tirar folga do trabalho (tento, porque nem sempre resisto). Portanto, estava em casa, de moletom, fazendo nada. Apertei o play.
Fiz isso com a ideia de que, fosse lá o que fosse, entraria em ação só na segunda-feira. No entanto, à medida que ouvia as palavras enérgicas do meu cliente no áudio, falando de assuntos tão urgentes, entendi que os planos haviam mudado. Peguei o computador, me ajeitei na banqueta da cozinha e comecei a digitar freneticamente.
“Na segunda você vê, então, como pode me ajudar com isso”, concluía a mensagem. Não. Não temos esse tempo, pensei, já completamente mergulhada no assunto. “Estou trabalhando nisso agora, me dê alguns minutos”, respondi. Se tem uma coisa que jornalistas sabem é identificar uma pauta que não pode esperar até amanhã cedo.
E essa foi uma das primeiras lições do último ano. Como jornalista que passou 12 anos em redação de revista, sei discernir o que é apenas importante do que é também urgente. Ainda que os veículos nos quais trabalhei fossem mensais, cansei de passar noites fechando reportagens, reescrevendo textos, começando matérias do zero para terminar algumas horas depois que um fato havia mudado a capa que já estava pronta para ir para a gráfica.
Quando você trabalha em redação, descobre que, embora toda vez pareça que dessa vez não vai dar, a revista sempre fecha.
Se a pauta for para o site, então, aí é que não tem prazo impossível. Aconteceu agora, e minutos depois os repórteres já estão ligando para as fontes para apurar mais detalhes, uma história ainda inédita correlacionada à informação principal e, antes que dê tempo de revisar a gramática, o texto está no ar.
Uma vida intensa, para quem gosta de adrenalina.
Quando deixei a redação em 2015, para empreender, admito que estranhei o ritmo das empresas que passei a atender. Logo vi que estranhas não eram elas, mas eu. Por vir de um universo diferente, nutria outra relação com os prazos. Inicialmente, sentia como se toda demanda já nascesse atrasada. Mas ouvindo que esperavam que aquilo ficasse pronto só na semana seguinte, no mês que vem ou até dali a alguns anos, fui aprendendo a ajustar o ritmo.
Ao longo dos últimos cinco anos, foi interessante e, de certa forma, libertador aprender a desacelerar. A dosar a velocidade. Mas, do lado de cá do balcão, não mudei a marcha. Gosto de agir. De resolver na hora. De começar o dia com um problema e terminar com a solução. Mantive minha rotina quase como uma gincana – reuniões, telefonemas, cafezinhos, produção de textos, edições finais, uma coisa atrás da outra, sempre bebendo até a última gota das horas do dia. Para que ficar parada se posso andar rápido?
O irônico é que foi justamente quando tudo parecia parado, silencioso e confuso que veio o chamado para o “momento é agora, já”.
Minha inclinação pelo fazer, e rápido, soava encaixada como nunca.
Os tempos, movimentos e conceitos do planeta inteiro estavam desarranjados. Rápido, devagar, perto, longe, tudo mudava de perspectiva. Saía do lugar conhecido em direção a outro que até hoje não sabemos onde é. Não podemos decifrar nem controlar. Os parâmetros estabelecidos ultrapassaram seus prazos de validade.
Na última segunda-feira daquele março de 2020, o projeto do meu cliente estava de pé. O tema era nobre e podia ajudar muita gente desamparada aqui na Terra. Além da oportunidade de fazer parte dos bastidores de algo inspirador, eu ganhara a clareza sobre aquela vantagem competitiva: a capacidade de agir rápido quando é isso que a situação pede.
Ao longo do ano que se passou, tem sido divertido ajustar o ritmo, acelerando com mais frequência do que antes. E também reconhecendo quando o mar está calmo e o contexto pede reflexão e pausas. Porque senso de urgência pode facilmente virar pressa que vira atropelo, se aplicado na hora errada.
O segredo é estar presente, com lucidez, os pés fincados no chão, os olhos bem abertos e o corpo firme para sentir a intensidade e a direção do vento.
Guimarães Rosa nunca foi tão atual ao dizer que “O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”.
Ariane Abdallah é jornalista, autora do livro “De um gole só – a história da Ambev e a criação da maior cervejaria do mundo”, co-organizadora do “Fora da Curva 3 – unicórnios e start-ups de sucesso” e fundadora do Atelier de Conteúdo, empresa especializada na produção de livros, artigos e estudos de cultura organizacional. Praticante de ashtanga vinyasa yoga, considera o autoconhecimento a base do empreendedorismo.
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