Continuando a coluna da semana passada…
Autogestão
Eu estudava filosofia e trabalhava como atriz no teatro. Do teatro fui para a TV Manchete trabalhar na novela “Tocaia Grande” de Jorge Amado, sob a direção de Regis Cardoso e depois de Walter Avancini. Eu gostava da dinâmica da televisão, de estúdio, cidade cenográfica e aprendi muito com meus colegas de cena, mas detestei a dinâmica das relações de poder que aconteciam ali e decidi que eu só iria voltar à TV depois que eu tivesse uma identidade artística fora dela.
O teatro me dava trabalho de segunda a segunda. Às segundas e terças eu fazia stand up comedy, às quartas e quintas, peça em horário alternativo e no fim de semana, a peça adulta. Eu estava conquistando meu lugar no mercado do teatro profissional do Rio e de SP e era uma atriz-que-trabalhava. Mas, ainda não era uma atriz-com-voz.
A faculdade de filosofia estava me alimentando, matando minha sede de conhecimento, mas eu ainda não tinha como “encher meu próprio copo”, ou seja: eu ainda não tinha como exercitar minha voz própria. Até o dia em que meu “copo interno” começou a encher e que a necessidade de contar uma determinada história me levou a ser produtora de mim mesma no teatro.
Desde que comecei a produzir meu trabalho no teatro, fui obrigada a me aproximar de uma consciência mínima de gestão de negócios e de autogestão, já que eu tinha que gerenciar os caminhos das minhas peças teatrais e também o meu caminho profissional.
Na primeira produção, eu jamais levei em consideração se o público gostaria de assistir a peça e se era um produto popular, elitizado ou de gueto, ou seja, cometi o grande erro de não incluir o cenário na equação. Concentrei-me em levantar a produção, ensaiar e abrir o pano, entrando em cartaz. Lógico que foi um fiasco, mas eu tinha duas opções: o sucesso ou o fracasso. E como o fracasso já estava batendo a minha porta, decidi sair por essa mesma porta em busca da vitória.
Lição número 1: o cenário é o mundo, o tabuleiro do jogo, onde as peças estão se movendo. Se você não se colocar no tabuleiro, ele te força a entrar! Captou!?
Pois bem, no início da minha aventura fui obrigada a entender que a peça que eu havia produzido era um produto para festivais e espaços culturais subvencionados de teatro experimental e não o teatro comercial que eu achei que fosse. Portanto, precisei trocar o “combustível” do avião em pleno voo e refazer todas as metas que eu havia traçado para a peça. Como é que eu havia traçado metas sem estar no tabuleiro?
Sim, eu fiz isso e muita gente faz. Portanto, preste atenção nesse case de “deu errado e não foi pouco” que estou contando para vocês! Você pode achar que o seu negócio só diz respeito a você, mas não é assim, caríssima. O seu negócio é para o mundo. Mas devo confessar e já te tranquilizar que ser uma dona de si, empreendedora de si mesma não é uma tarefa para alguns meses, é uma trajetória a ser percorrida e quando alcançada, sempre impulsionada. Então, te aconselho a celebrar seus erros para que eles não se transformem em fantasmas.
Para consertar a rota da peça, eu não tinha mais recursos e então optei por uma maneira de agir que se revelou eficaz: a sinceridade. Abri o jogo com as pessoas do mercado, pedi ajuda e fui ajudada. Acredito que a honestidade tenha sido algo novo e diferente e, por isso, somou. Então, o meu erro de avaliação do produto e avaliação do cenário do produto me levou a quase perder todo o investimento. Só não aconteceu porque tive humildade, sorte e persistência.
Humildade é assumir o erro. Não coloque a “seta para fora”, acusando outra pessoa ou qualquer outra coisa pelos erros. Você é a responsável e mais ninguém. Sorte é se conectar com algo maior que você e solicitar ajuda. Uma espécie de fé a diesel! E a persistência, essa sim, faz tudo acontecer! Persistir é agir, entender os timings das perguntas, respostas, dos sim e dos não e andar para frente.
Após conseguir colocar a peça no prumo certo, ainda a fiz durante seis anos, sempre dentro do seu espectro de produto cultural cult e fui muito feliz. Meu objetivo, que era existir no mercado, estava sendo alcançado e eu comecei a ser conhecida entre diretores, produtores, donos de teatros, pessoal da TV e da publicidade e pude, finalmente, começar a fazer uma rede, um networking para dar outros passos.
A rede
Nunca tive vergonha para estabelecer minha rede e em ser bem sincera quanto ao meu gosto particular em trocar profissionalmente. Eu nunca pedi nada. Eu oferecia meu produto: uma peça pronta, um texto a ser produzido ou meu trabalho de atriz. E levei minha postura ao máximo de profissionalismo possível, sem jamais achar que ficaria amiga das pessoas que poderiam me dar trabalho.
Eu colocava na mesa minha excelência: pontualidade, qualidade e resultados e cabia ao outro lado querer ou não. O que aconteceu foi que no início isso soava estranho dentro do meio artístico porque as relações eram pessoais demais (e não se enganem, elas são em todos os meios!) e por isso senti uma certa frieza de volta.
Claro! Eu estava sendo tão profissional que havia esquecido de ser gente, de ser humana, de ser acessível e tive que perceber isso e fazer mais uma correção. Se você quer ter uma vida próspera fazendo o que você gosta, a autocorreção é tarefa diária. Como corrigi a frieza? Me divertindo. Eu havia esquecido de me divertir no business e só me divertia em cena ou escrevendo, portanto mudei isso.
Em cada reunião, contato ou troca de e-mails eu era profissional, mas também bem-humorada, que é uma grande característica minha. Posso até estar de mau humor, mas o bom humor vai vencer de qualquer jeito. E adquiri uma máxima: quem te faz rir, te faz feliz. Ou seja, tire uma risada de alguém e o mundo será seu. Carranca não leva ninguém a lugar algum.
Até hoje tenho um foco grande em construir minhas redes profissionais, que a esta altura já se provou um sucesso, pois ao longo desses 25 anos de profissão, me trouxe não só parcerias profissionais leais como também amizades firmes. A parceria é algo que se tornou banal. Tudo hoje em dia é parceria. Mas não se engane! Parceria é quando é bom para ambos os lados. Perceba se está retornando excelência e a recebendo também, seja franca e educada, mas se coloque. O que mais escuto é reclamação de parcerias mal feitas. Não deixe que isso se estenda. O combinado não sai caro para sua alma, que é o que mais vale!
Reflita, minha caríssima dona de si e semana que vem tem mais!
Sororidade sempre.
Suzana Pires.
Primeira atriz também autora de novelas do Brasil, a empresária e empreendedora social Suzana Pires é formada em filosofia pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-RJ), em showrunner na MediaXchange, em Los Angeles, e em empreendedorismo pelo Empretec Sebrae SP. Depois que começou a escrever a coluna Dona De Si, em 2017, surgiu a ideia de criar o Instituto Dona De Si, com o principal objetivo de acelerar talentos femininos. Atualmente, segue como atriz na Rede Globo de Televisão e como autora cria projetos para players nacionais e internacionais através da marca Dona De Si Conteúdos.
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