A relação entre mercado e automobilismo sempre existiu. Além de entreter aficionados por velocidade, os grandes campeonatos de esportes a motor sempre tiveram outros dois objetivos bem definidos: servir de laboratório para o desenvolvimento de produtos e tecnologias, e atuar como uma vitrine para marcas, influenciando na decisão de compra e na relação entre marca e consumidor.
Dessa maneira, com um olhar atento é possível identificar as tendências de mercado nas entrelinhas das transmissões de corridas, tabelas de classificação, pódios, e toda a sorte de elementos que o espetáculo do automobilismo proporciona. A Fórmula E, o mais importante campeonato de carros elétricos do mundo, que teve sua temporada inaugural em 2014, é um grande exemplo da crescente importância e da necessidade de buscar novas fontes de combustível, com menos impacto no meio ambiente.
LEIA MAIS: Motor: Conheça o Spectre, um Rolls-Royce silencioso
No entanto, Alejandro Agag, a grande cabeça por trás da Fórmula E, não foi somente um observador de tendências e visionário ao introduzir carros de fórmula elétricos no calendário da FIA (Federation Internationale de l’Automobile), mas certamente também influenciou um movimento que já vinha tomando cada vez mais protagonismo no mundo, o da eletrificação. Depois do êxito do seu primeiro grande projeto no setor automobilístico, o empresário espanhol foi além e lançou em 2021 o que pode ser considerada a versão off road da sua primeira criação, a Extreme E.
“A minha ideia era fazer algo em geral elétrico, e eu estava fazendo um brainstorming durante o café da manhã na minha casa com o piloto Gil de Ferran. Ele então disse que podíamos fazer algo realmente extremo e levar aos lugares mais remotos, como Himalaia, o Ártico, e foi assim que tudo foi se encaixando”, contou Agag.
Dessa maneira surgiu o projeto de um rali 100% elétrico, que se materializou no formato de uma série de cinco corridas, das quais três já foram realizadas, e cuja quarta acontece nos dias 23 e 24 de outubro na ilha de Sardenha, na Itália. São nove duplas com nomes de peso como Sébastien Loeb, nove vezes campeão do WRC (World Rally Championship) e Carlos Sainz, tetra campeão do Rally Dakar, pilotando os Odissey 21, SUVs de 1780 kg, com 400 kW (550bhp), e aceleração de 0-62mph em 4.5 segundos. Cada evento tem uma temática específica, com o objetivo de chamar a atenção para diferentes aspectos associados à discussão da crise ambiental.
Os temas das primeiras corridas do calendário foram ligados ao deserto, para representar o processo de desertificação observado em algumas partes do mundo; o oceano, buscando ilustrar a poluição das águas; e o Ártico, que teve como protagonista a questão do derretimento das calotas polares. As competições tiveram como palco a Arábia Saudita, o Senegal e a Groelândia, respectivamente.
“Foi um milagre ter conseguido fazer essa primeira temporada acontecer”, afirmou Agag, sobre organizar um evento completamente novo, em lugares de difícil acesso, em plena pandemia de Covid-19. Por outro lado, o empresário espanhol contou que, apesar dos desafios, foi um processo de aprendizado importante. “Tivemos corridas incríveis e estamos muito felizes com o produto que temos”, completou.
O produto “corrida”, que além de encher os olhos de quem gosta de uma boa aventura e carregar uma mensagem importante sobre os efeitos do aquecimento global, também nasceu, claro, com um propósito mercadológico “A ideia de correr com SUVs foi realmente a de usar carros que as pessoas possam comprar na loja. A ideia foi trazer esses carros para mais perto do comprador em potencial. E eu vou mais além, tenho em mente vender esses carros da Extreme E, fazer uma versão desses carros que possa, de um ponto de vista legal, circular nas ruas”.
Contudo, as barreiras legais não são as únicas quando o assunto é comercializar os Odissey 21. Hoje em dia, essas supermáquinas de todo terreno, além de serem muito caras, contam com uma autonomia de apenas 20 minutos se pilotadas em potência total. Entretanto, essa limitação técnica tende a ser solucionada, da mesma maneira que a nova geração dos fórmulas elétricos teve uma ampliação na autonomia para durar uma prova completa, diferente do modelo anterior, que obrigava os pilotos a trocar de carro para não ficar sem bateria.
Extreme E e Fórmula E no Brasil
Apesar de os brasileiros desempenharem um papel importante na história da Fórmula E, com dois campeões, Nelson Piquet e Lucas Di Grassi, entre os sete que subiram no lugar mais alto do pódio, o país nunca conseguiu fazer parte do calendário do campeonato. Por outro lado, o plano original da Extreme E era de realizar uma das cinco corridas da temporada na Amazônia, em solo brasileiro, utilizando a ocasião e o cenário para a conscientização sobre o desmatamento e sobre a importância da preservação das florestas. O evento, porém, teve de ser cancelado o que, segundo Agag, deveu-se às restrições impostas por conta da pandemia.
Mas as perspectivas para 2022 são promissoras já que a organização tem se esforçado para concretizar, não só o projeto da corrida amazônica, mas também, o da inclusão do Brasil no calendário da Fórmula E. “Estou indo para o Brasil e Alberto Longo virá comigo para nos reunirmos com mais promotores em potencial da Fórmula E. Essa é uma das nossas principais prioridades. O Brasil é um dos grandes mercados automotivos e muitas montadoras estão pedindo para ter uma corrida no Brasil, para ter uma plataforma para fazer ativações lá. Então, em 2022 podemos ter não somente uma, mas as duas competições no Brasil”, arremata Agag.
No calendário 2022, o Brasil já figura como possível sede de uma das corridas da Extreme E, dividindo espaço com outros candidatos como Argentina, Uruguai, Itália ou Costa Rica. O governo brasileiro, segundo Alejandro, está contribuindo para que as negociações sejam concretizadas, assim como o governo local do Pará. Seja pelo apelo do mercado, ou pelo potencial de usar a Amazônia como embaixadora da causa ambiental, a chegada de eventos desse porte pode ter um potencial econômico significativo na economia brasileira. Por hora, os entusiastas do automobilismo certamente esperam ansiosos para conhecer os próximos capítulos dessa odisseia elétrica.
Letícia Datena é jornalista de esportes há oito anos, e atua no setor do automobilismo desde 2016. Já foi correspondente internacional dos canais Fox Sports e cobriu alguns dos campeonatos mais importantes do mundo, como o Rally Dakar, Rally dos Sertões, o WRC (World Rally Championship), Fórmula E e hoje é uma das responsáveis pelo departamento de criação de conteúdo da Stock Car.
Os artigos assinados são de responsabilidade exclusiva dos autores e não refletem, necessariamente, a opinião de Forbes Brasil e de seus editores.