Abrindo a temporada de 2022, “Abraham Palatnik: o sismógrafo da cor” é a primeira retrospectiva do artista apresentada na Galeria Nara Roesler Nova York, no Chelsea. Com curadoria de Luis Pérez-Oramas, traz obras que destacam o pioneirismo deste mestre da arte cinética no panorama das artes visuais da segunda metade do século 20.
Foi em 1989 que fui apresentada a Abraham Palatnik (1928-2020) pelo crítico de arte Frederico de Moraes. De imediato fiquei alucinada por sua obra e por sua pessoa tão simples, tão genial. Na época, ele havia reduzido a produção artística para se dedicar à direção criativa da fábrica da família de objetos em resina. Andava recolhido, longe do meio artístico, após ter feito grandes exposições na Europa, sido aclamado por sua participação na Bienal de Veneza de 1964, e premiado na edição inaugural da Bienal de São Paulo, em 1951. É nessa ocasião que ele entra oficialmente para as artes, chancelado por Mário Pedrosa que o define como o artista “que pinta a luz”. Foi Pedrosa também quem batizou de “Aparelho Cinecromático”, a série de cinetismo luminoso, que deixou perplexo o júri da primeira bienal paulistana. Como classificar aquela obra de luz e movimento? Na visão acanhada dos especialistas dos primórdios da arte moderna, não era escultura, nem pintura. Mesmo assim, a polêmica instalação do desconhecido de 23 anos recebeu Menção Honrosa por sua originalidade. (Nas primeiras bienais as melhores obras eram premiadas).
Palatnik nasceu em Natal (RN), seis anos antes da fundação do Estado de Israel, para onde voltaria para estudar física e mecânica, conhecimentos centrais ao desenvolvimento de sua obra. Ao voltar em 1948, estabeleceu-se na capital, Rio de Janeiro, de onde nunca mais saiu. Quando passei a representá-lo no final dos anos 80, comecei a visitar regularmente seu atelier-moradia com vista para o Pão de Açúcar e a baía de Guanabara. Muitas vezes percebo esta paisagem em seu peculiar dinamismo cromático. Além de trabalhar com luz e movimento, ele também produziu as séries de progressões e relevos. São telas construídas a partir de cores pintadas sobre estreitas ripas de madeira, que ele realizava com invejável habilidade, um processo comparável à afinação das cordas de um piano. Só observando de perto para compreender a complexa textura com micro topografia de altos e baixos de efeito ótico de grande beleza. A obra de Palatnik maravilha a todos e o coloca entre os maiores artistas cinéticos da história da arte.
Mergulhar em seu mundo, em sua cabeça, era uma experiência incrível. Esse artista-artesão completo, construía seu minucioso trabalho sozinho – jamais teve assistente. Em um grande gaveteiro guardava uma profusão de parafusos, roscas, motores, lâmpadas, furadeiras, serras, laser, etc. Sobre as mesas, potes cheios de pincéis, tintas de várias cores. Pouco a pouco, o atelier invadiu o amplo apartamento na praia do Flamengo, sobrando de habitável só o quarto de dormir.
Um dos casos que o divertia lembrar deu-se na época em que morou com um tio joalheiro, que vendo a criatividade do sobrinho, liberou um espaço para o estúdio do rapaz. Década de 60, ditadura instalada, comunismo avançando, uma experiência madrugada adentro causa uma pane elétrica, as luzes piscam, os fusíveis pipocam, o cheiro de fumaça das explosões toma a ruazinha. Apavorado com a barulheira, o vizinho telefona para a delegacia: tem terrorista no bairro! O camburão da polícia baixa na porta da casa do tio. Era uma das esdrúxulas experimentações engendradas pelo jovem inventor.
Palatnik também era um gentleman no sentido da palavra. Introspectivo, falava pouco, educadíssimo. Sua mulher D. Léa, companheira de todas as horas, dona de memória afiada, relembrava fatos e acontecimentos com exatidão. Ao falecer, tão unidos eram, achei que ele fosse se entregar. Ao contrário, lutou contra a dor produzindo sem cessar, mais e mais. Palatnik, artista notável. Uma honra tê-lo tido como amigo.
“Abraham Palatnik: o sismógrafo da cor” está na Galeria Nara Roesler Nova York até 19 de fevereiro de 2022. O braço editorial da galeria, a Nara Roesler Livros, lançou Abraham Palatnik: Encantamento / Experimentação, maior monografia já publicada sobre o artista. Com organização de Luiz Camillo Osorio, a edição bilíngue, inglês/português, traz textos de Hans-Ulrich Obrist, Mário Pedrosa, Luis Pérez-Oramas, Abigail Winograd, Kayra Cabanas e Gabriel Pérez-Barreiro.
Com colaboração de Cynthia Garcia, historiadora de arte [email protected]
Nara Roesler fundou a Galeria Nara Roesler em 1989. Com a sociedade de seus filhos Alexandre e Daniel, a galeria em São Paulo, uma das mais expressivas do mercado, ampliou a atuação inaugurando no Rio de Janeiro, em 2014, e no ano seguinte em Nova York.
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