Gosto da palavra humanidade porque ela tem pelo menos dois significados que considero importantes. O primeiro é objetivo, qualifica os indivíduos que fazem parte deste grupo. O segundo se refere à sensibilidade, à empatia, à bondade que pode ou não haver entre os humanos. Um livro com este nome, no final de um ano desafiador como foi 2021, me chamou a atenção. Como minha profissão envolve leituras constantes, nas horas de descanso procuro mais entretenimento do que realidade. Mas aquele foi um convite a enxergar a realidade por uma perspectiva diferente. E boa. Gostei da ideia.
Foi assim que conheci o trabalho do historiador holandês Rutger Bregman, autor de Humanidade – uma história otimista do homem. Pesou a favor a citação, na capa, de Yuval Noah Harari, outro historiador, que ficou conhecido por seus livros, Homo Sapiens – uma breve história da humanidade: “Este livro está me fazendo enxergar a humanidade sob uma nova perspectiva”. Se fez Harari refletir, por que não eu?
Leitura concluída, o bem venceu. Comprei a ideia central pois ela faz todo sentido para mim. Trata-se basicamente de uma desconstrução, baseada em fatos, dados e análises (são 68 páginas de bibliografia), da crença que, segundo a sinopse do livro, “une a esquerda e a direita, psicólogos e filósofos, pensadores antigos e modernos”: “A suposição de que os seres humanos são maus – e ponto final. (…) O ser humano é egoísta por natureza e age, na maioria das vezes, pensando no interesse próprio. Mas… e se isso não for verdade?”.
SAIBA MAIS: A única certeza é que vai dar errado
O historiador holandês apresenta a natureza humana como essencialmente boa. A tendência é que em uma situação de estresse social limite, aflore o que há de melhor em nós – e não o pior (claro que tudo pode mudar com a interferência de recursos que conhecemos bem, mas aqui estamos falando da essência).
O que me encantou, além da tese e de seus argumentos bem embasados, foram o método de pesquisa, a maneira de Bregman se expressar e a proposta para a construção de uma nova realidade, a partir de instituições baseadas em relações de confiança, com conhecidos e desconhecidos.
Sobre o método e sua expressão, me atraí por dois motivos. O primeiro é que o historiador é transparente quanto às próprias intenções. Por exemplo, em uma passagem, deixa claro que queria desmentir um pesquisador que estudava. Isso me lembrou de uma discussão do tempo da faculdade de jornalismo: é ou não possível ter uma abordagem objetiva sobre algo? Minha resposta, naquela época e hoje, é que não, não é possível. Simplesmente porque somos todos personagens do mundo, portanto restritos à própria perspectiva e àquelas outras que somos capazes de enxergar. Para ser objetivo, seria preciso olhar o mundo de cima, de fora, sem repertórios nem subconsciente para nos influenciar. Mas não ser objetivo é um problema? Também considero que não – desde que haja transparência de intenções. Assim, respeita-se a liberdade de o outro concluir se tem ou não autoridade para lhe falar sobre determinado tema. E se ele achar que não, pode fazer as próprias buscas. Como uma boa conversa adulta. Ao se colocar pessoalmente no texto, o autor se apresenta e ganha minha confiança – mesmo que fosse para discordar.
O segundo ponto que me instigou no livro foi a profunda pesquisa. Além de conclusões estabelecidas, Bregman chegou a bastidores interessantes. Investigou mais do que em alguns momentos parecia necessário. Considerou materiais brutos de estudos consagrados, como áudios do pesquisador à época e depoimentos de pessoas que participaram das situações. Com isso, via de regra, descobriu que as verdades estabelecidas não eram bem verdadeiras. A realidade se revelou, em geral, mais complexa e menos sangrenta do que as versões oficiais.
O método de pesquisa do livro vale para qualquer empreendedor ou líder que queira entender o mercado, o time, a si próprio. Quanto mais alta a cadeira, mais distante tende-se a ficar dos detalhes. Mas há detalhes que precisam ser investigados, que valem o mergulho, porque poupam décadas de engano e podem dar origem a inovações relevantes para a humanidade.
O melhor de tudo foi encontrar incentivo para contribuir ativamente com a evolução da realidade. Porque, sim, a natureza está aí, em potencial, mas cabe a nós a cultivarmos nas relações sociais para que fazer o bem e confiar uns nos outros seja o modus operandi de um futuro breve. “Um mundo melhor não começa comigo, mas com todos nós, e nossa principal tarefa é construir instituições diferentes”, conclui o autor.
No fim do livro, ele traz algumas sugestões práticas para ajudar nessa mudança de mentalidade e de relações sociais (atenção: spoiler). Dicas que acredito poderem transformar pessoas, negócios, organizações em geral e, consequentemente, o mundo. Compartilho algumas a seguir:
- Quando estiver em dúvida, suponha o melhor. “Quando em dúvida, tendemos a pressupor o pior. (…) Se decidir não confiar em alguém, nunca vai saber se estava ou não certo. (…) É mais realista supor o melhor – conceder o benefício da dúvida. Em geral isso se justifica, pois a maioria das pessoas é bem-intencionada. (…) Maria Konnikova, renomada especialista em fraudes e golpes” diz que “muito melhor (…) é aceitar e levar em conta o fato de que você às vezes vai ser enganado. É um pequeno preço a pagar pelo conforto de levar a vida confiando nos outros”.
- Faça mais perguntas. Eu não poderia deixar de mencionar essa sugestão, tão alinhada com minhas próprias convicções (já escrevi sobre isso aqui, inclusive). Segundo Bregman, a máxima “não faça com os outros o que não gostaria que fizessem com você” deixa a desejar. Segundo ele, melhor do que supor que os outros querem o mesmo que nós, é “começar fazendo uma pergunta”. Seja para os cidadãos de uma democracia, seja para crianças na escola. “Essa variação da famosa máxima, também conhecida como ‘regra de platina’, foi muito bem resumida por George Bernard Shaw: ‘Não faça com os outros o que você gostaria que fizessem com você’, aconselhava. ‘Seus gostos podem ser diferentes'”.
- Seja realista. “Não é revelador que a verdade moderna do realismo tenha se tornado sinônimo de cinismo para alguém com visão pessimista? Na verdade, o cínico que está fora da realidade”, diz o autor. Segundo ele (e os dados citados no livro), vivemos num planeta onde as pessoas são “tremendamente propensas a fazer o bem umas às outras. Por isso, seja realista. Seja corajoso. Seja fiel à sua natureza e confie.”
Não se convenceu? Recomendo o livro – sem contraindicações. Afinal, mesmo que não bote fé, que mal pode haver em dar audiência para o bem?