Existe a necessidade de aumentar a participação pública nas decisões do Brasil em frentes como o uso de inteligência artificial (IA), novas nuances da proteção a dados pessoais e educação para as novas demandas da economia digital. Estes temas, bem como um vislumbre do futuro nestes aspectos para o país, foram abordados durante um debate sobre políticas públicas em um evento em São Paulo com especialistas e representantes do governo federal e municipal.
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O painel, realizado na última quarta-feira (1) durante a Wired Conference e a Brazil Immersive Fashion Week (BRIFW), no State Innovation Center, em São Paulo (SP), teve a participação da pesquisadora e hacker antirracista (e Forbes Under 30 de 2021), Nina da Hora, o secretário de políticas digitais na Presidência da República, João Brant, a advogada especialista em direito digital, Patricia Peck, e o secretário-adjunto de desenvolvimento econômico na Prefeitura de São Paulo, Armando de Almeida Pinto Junior. O debate foi mediado pela autora desta coluna, Angelica Mari.
Uma das áreas abordadas foi o estado das coisas no Brasil quando se trata de IA e políticas públicas nesta área. Nina da Hora, que acompanha os acontecimentos neste espaço de perto e participa do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social e Sustentável da Presidência da República (conhecido como “Conselhão”), falou sobre a complexidade do momento atual, especialmente quando se trata de diferenciar os riscos das limitações no uso da tecnologia. “O Brasil está perdido [em suas tentativas de estabelecer estas diferenças]”, disse a cientista da computação, acrescentando que é preciso adotar uma visão multidisciplinar da IA, englobando áreas como história, sociologia e outras áreas de humanas, para discutir aplicações da tecnologia como o reconhecimento facial.
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“Sobre a regulação [da IA], acredito que há um vazio de participação social no processo de tomada de decisão. Faltam [nos debates] as pessoas que estão sendo impactadas e, ao mesmo tempo, as que estão desenvolvendo estas ferramentas”, pontuou da Hora, frisando que também existe uma oportunidade de utilizar os diversos contextos do Brasil para não só problematizar a IA, mas formular propostas concretas “que possam vir a dar certo num cenário de defesa social”.
Ao comentar sobre a abordagem do governo atual para tratar os dilemas relacionados aos ambientes informacional e digital, João Brant falou sobre o potencial de uma criação de uma política pública transversal para posicionar o Brasil como potência digital global. O secretário ressaltou que o atual governo tem 19 áreas com foco em tecnologia e que existe uma estratégia de transformação digital para o Brasil, que hoje é uma “carta de intenções”.
Brant revelou que, neste momento, um ambiente está sendo criado para retomar e rever essa política. Isso inclui o que está sendo descrito como um “sarrafo alto” em termos de inserção do Brasil no cenário internacional tecnológico. Segundo o secretário, o desenvolvimento desta estratégia envolve pelo menos seis ou sete áreas de atuação de governo e uma das expectativas para esta revisão é a criação de ambientes de interlocução com a sociedade civil.
“O governo sabe e afirma que a inteligência que pode ajudar o Brasil a chegar nesse sarrafo alto está distribuída na sociedade, não está dentro do governo. [O governo tem] algumas cabeças interessantes e curiosas e sabe pensar a forma de política pública, mas se queremos jogar o sarrafo para cima, isso precisa ser feito em diálogo com a sociedade”, disse Brant, ressaltando que o Conselhão é um dos espaços de introdução para estes temas, mas a forma em que a atual administração trata os assuntos de tecnologia “precisa ir bastante além”. A expectativa do governo, segundo Brant, é que o ambiente para uma transformação digital mais ampla do país seja formatado nas próximas semanas até a virada do ano.
Em outra área relacionada à participação pública num contexto de avanço tecnológico, Patrícia Peck discutiu a proteção de dados pessoais. “Não vai ter como o desenvolvimento tecnológico acontecer, e pensar em inteligência artificial e aprendizado de máquina, sem [considerar o] acesso a um grande volume de dados. A questão é o que fazer com eles, e como fazer uso desses dados de uma forma ética, transparente, segura e dentro de princípios de não-discriminação, conforme previsto na lei de proteção de dados pessoais”, disse a advogada, que faz parte do Conselho Nacional de Proteção de Dados e da Privacidade, órgão consultivo da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD).
Estas bases de dados refletem a sociedade e nosso passado, pontuou Peck, que levantou a necessidade de pensar no que chamou de um “código de ética robótica”, em uma formação específica para desenvolvedores atuando com IA. “Não existe algoritmo neutro: todos têm um propósito. Mas qual é o caráter conferido a eles?” questionou Peck. A advogada acrescentou que o Brasil precisa “completar seu ciclo de maturidade regulatória” para que o país possa inovar e, ao mesmo tempo, educar e proteger seus cidadãos em relação ao uso de dados.
Em relação à frentes como o uso de tecnologias baseadas em IA, como reconhecimento facial, por governos, Armando de Almeida comentou sobre o Smart Sampa, projeto que busca implantar cerca de 20 mil câmeras equipadas com a tecnologia na capital. “Há grande preocupação [da prefeitura] com essa questão dos dados: qual a segurança de dados que a prefeitura tem para com o cidadão, como a gente mantém esses dados, o que a gente vai fazer com eles, como vamos transmiti-los e qual é a autorização que o cidadão dá para o setor público utilizar esses dados dentro dos parâmetros da LGPD”, ressaltou. A licitação do projeto Smart Sampa precisou ser revisada por conta de potenciais riscos relativos a direitos fundamentais dos cidadãos, levantados por organizações da sociedade civil.
Outro assunto em discussão foi a criação de uma força de trabalho para a economia digital em São Paulo. Almeida falou sobre os esforços da cidade para qualificar profissionais da área de tecnologia e endereçar a lacuna de talentos no setor: “O esforço atual é em combater este mal, que é não ter profissionais qualificados em tecnologia”, disse o secretário.
“É sobre dar qualificação para as massas da população, sobretudo para quem mora na periferia, quem não tem a oportunidade de pagar um curso privado, e trazer estes talentos [de contextos de vulnerabilidade] para dentro desse setor, que paga duas vezes a mais do que a média salarial do Brasil”, destacou.
Ainda sobre o papel do governo no desenvolvimento de políticas públicas para impulsionar o país em um cenário de avanço tecnológico, Brant falou sobre a atuação nos últimos 10 meses da Secretaria de Políticas Digitais, criada para atuar sob a Secretaria de Comunicação Social (SECOM) com foco em áreas como combate à desinformação, educação midiática, a sustentabilidade do jornalismo no ambiente digital e proteção de direitos individuais e coletivos no ambiente informacional online.
Entre as entregas relatadas por Brant, estão a primeira semana de educação midiática, realizada em outubro e parceria com o Ministério da Educação em mais de 400 atividades em escolas em todos os estados, bem como uma estratégia de combate à desinformação sobre vacinas com o Ministério da Saúde, e uma consulta aberta até 23/11 em relação ao uso de tecnologias para crianças e adolescentes. “Nossa ideia é atrapalhar pouco e ajudar bastante. Não é fácil, porque às vezes o governo resolve entrar e atrapalha, e também pode achar que está ajudando [e não o faz]”, pontuou.
“O desafio de construir políticas públicas e regulação nessa área é equilibrar como ser útil para quem é beneficiário da política, que são os cidadãos brasileiros, e, ao mesmo tempo, conseguir proteger a inovação,” concluiu o secretário.
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