A convite do Léo Azevedo (diretor técnico do Rede Tênis Brasil), estive em São Paulo, no final do ano passado, para conhecer o projeto. Nós somos amigos, trabalhamos juntos por anos na USTA (a federação norte-americana de tênis) e na Federação Escocesa e, como gosto muito de tênis, vim ver de perto o trabalho.
Gostei muito do que vi. É um projeto ambicioso que exige tempo e muita paciência. As instalações são boas. As quadras são boas, as bolas são boas, as crianças trabalham e a base de treinadores é boa.
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Sempre digo que os jogadores serão tão bons quanto os seus treinadores. O trabalho é diário. É fácil trabalhar bem um dia, uma semana. Os bons treinadores trabalham bem todos os dias. Todos vamos melhorando com o tempo.
Em primeiro lugar, o treinador precisa ter paixão, obviamente com informação e interesse. Não se pode trabalhar por trabalhar. Se for assim, não serve para trabalhar na elite.
Sem paixão, é impossível. Ela deve vir em primeiro lugar. Se você quer aprender ou não. Depois, é preciso estar exposto a situações diferentes. Para ser um atleta profissional em qualquer esporte, é preciso ser um atleta. O treinador precisa ter olho para ver que tipo de atleta é. Há também a questão técnica, que é importante, mas talvez a mais fácil. Com tanta tecnologia, ensinar a fazer uma direita ou um revés não é segredo. Se você olha os 100 primeiros do mundo e vê o que eles têm em comum, é um bom início. E depois tem a parte mental, que provavelmente é a mais importante de todas. Então nestes três campos quanto mais você se informar, melhor. Gosto muito de conversar com técnicos de outros esportes, futebol, handebol, etc. Porque os bons treinadores, de forma geral, são parecidos nas coisas importantes. Cada um em seu esporte. Mas depende muito do interesse de cada treinador em aprender. E o mesmo vale para o jogador.
Acho que o bom treinador é aquele que tira o melhor do jogador. E o melhor do jogador, às vezes, é ser número 5 do mundo ou 150. Depende do talento do jogador. É assim que eu meço os treinadores. Porque há treinadores ótimos que nunca trabalharam com atleta top 10 ou 20, porque nunca lhes chegou um jogador com essa habilidade, mas não deixam de ser bons treinadores. Já os jogadores são diferentes. (Roger) Federer trabalhava de um jeito diferente do de (Jim) Courier, ou (Michael) Chang ou (Pete) Sampras. Cada um é diferente.
Nosso trabalho, enquanto treinador, é tentar ver como maximizar a personalidade e a habilidade do jogador para que chegue o mais longe possível. E todos são diferentes. Quando você tenta tratar todo mundo igual, você tem problemas.
Uma das melhores lembranças que tenho como treinador foi quando Chang foi campeão em Roland Garros aos 17 anos. Ele nunca havia jogado no saibro e começamos a trabalhar um ano antes. Então, quem pensava que ele ia ganhar em Paris? Mostra a personalidade dele. É um tremendo competidor! Com Courier foi uma outra experiência. É o melhor trabalhador com quem já estive. Nunca era suficiente. Todo o dia, eu precisava tirá-lo da quadra. Já Federer era um talento incrível que facilitava muito o meu trabalho. Em diferentes formas, aprendi algo com todos com quem trabalhei.
Para finalizar, fica aqui uma reflexão aos leitores. Chegou um dia na minha carreira em que passei a me olhar com frequência no espelho e me perguntar se o tênis estaria orgulhoso de mim. De vez em quando é um bom exercício a se fazer, para qualquer carreira que você exerça. Para mim, a resposta hoje é sim!
José Higueras é considerado um dos maiores treinadores da história do tênis mundial. O espanhol treinou Roger Federer, Michael Chang, Jim Courier, Carlos Moyá, Guillermo Coria, entre outros, e também foi responsável pelo ressurgimento do tênis norte-americano quando esteve à frente da USTA (Associação de Tênis dos Estados Unidos). Faz parte da equipe multidisciplinar do Rede Tênis Brasil como consultor e capacitador técnico.
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