A contadora Caroline Moreira só se deu conta de que o racismo existia quando seu primeiro filho nasceu, há oito anos. Em uma das maternidades mais caras de Porto Alegre, seu quarto era invadido a todo momento por pessoas que queriam ver o bebê negro. Elas questionavam se ele era africano, as enfermeiras o trataram com desdém e a mãe de Caroline foi impedida de acompanhá-la no quarto – direito pré-estabelecido pelo plano de saúde.
“A partir disso, tudo mudou. Eu achei que era uma mudança provocada pela maternidade e demorei a perceber que era muito mais do que isso”, diz ela, que, na época, estava no último ano da faculdade e já tinha planejado uma carreira na área, que incluía dar aulas de gestão tributária e fazer um mestrado. Mas não conseguiu. “A partir daquele momento, o racismo começou a se apresentar quase que diariamente, cada vez que eu levava meu filho numa pracinha ou que ele se deparava com o convívio de crianças brancas. Eu entendi que não dava pra seguir uma carreira em ciências contábeis com um problema daquele tamanho com o qual eu não estava preparada para lidar.”
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Depois dessa experiência, Caroline passou a ocupar cada vez mais espaços no cenário do protagonismo negro. Fundou a produtora cultural Três Tons de Preto ao lado da arquiteta Thaise Machado e do designer de interiores Thiarles Batista, ambos negros, para a realização de eventos que discutiam o feminismo, a cultura e a ancestralidade dos negros feitos por negros para os negros, que ocupavam parte da Cidade Baixa, na capital gaúcha. Daí para o grupo Pretas, Pretas, Pretinhas, criado pela atriz Taís Araújo foi um pulo. “Foi aí que eu percebi que havia uma necessidade de divulgar o trabalho de cada uma das participantes”, conta, dizendo que acabou atuando como uma espécie de relações públicas dessas mulheres.
O passo seguinte foi a criação da Negras Plurais, uma rede de relacionamento com mulheres negras inspiradoras. A startup passou a cadastrar participantes especialistas nas mais diferentes áreas para transmitir conhecimento e, assim, criar um movimento de aceleração de empreendedorismo negro. Em seis meses, fez seis eventos presenciais em três estados diferentes. Com a agenda cheia de contatos, Caroline foi contratada, no ano passado, como curadora do Canal Preto, iniciativa do Ministério Público do Trabalho com a Organização Internacional do Trabalho e apoio da ONU Mulheres que tem como foco a população negra, afro-religiosa e quilombola, suas histórias e tradições e o combate ao racismo.
TECNOLOGIA PARA AMPLIAR O ALCANCE
Durante um ano, a empreendedora tocou as duas coisas em paralelo, mas sabia que, para fazer com que a Rede Negras Plurais ganhasse escala, precisaria da tecnologia. Foi então que surgiu a ideia de construir uma plataforma que permitisse localizar, rapidamente, onde estavam essas mulheres e o que fazem. “Com o tempo, eu fui mapeando onde estavam as médicas, arquitetas, engenheiras, empreendedoras e especialistas das mais diversas áreas. São mais de 5 mil pessoas. Chegou um momento em que era necessário centralizar toda essa informação e automatizar o ‘match’ para disponibilizá-la com mais agilidade e eficiência”, conta.
Para viabilizar a construção do aplicativo, foi criada uma campanha de financiamento coletivo na Benfeitoria. Com o dinheiro arrecadado – R$ 60 mil – , o lançamento do primeiro app de mulheres negras da América Latina está programado para 25 de julho, em dois idiomas, durante o Festival Latinidades. A novidade, que tem como madrinha Taís Araújo e como embaixadores outras personalidades negras reconhecidas, com as atrizes Cris Vianna e Sol Menezes, vai conectar empreendedoras e consumidoras. A comercialização de produtos e serviços será automatizada, tornando mais fácil para as consumidoras praticarem o giro econômico entre mulheres negras.
Para dar uma ideia do tamanho do mercado, o Brasil possui, atualmente, 112 milhões de negros, responsáveis por um consumo de R$ 1,7 trilhão em 2019 segundo o Estudo do Empreendedorismo Negro no Brasil, realizado pela PretaHub em parceria com Plano CDE e JP Morgan. Ambiciosa, Carolina pretende expandir a iniciativa para além das fronteiras, usando a tecnologia para intermediar operações internacionais.
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Além do pilar empreendedor, a Negras Plurais tem também um viés empresarial. Caroline usa sua experiência e seus contatos para ajudar a preencher vagas para companhias interessadas em investir na diversidade. Na IBM, por exemplo, Caroline realizou um evento para apresentar 100 candidatas negras em busca de trabalho aos executivos do departamento de recursos humanos. O objetivo é expandir essa atuação, ajudando as companhias a fecharem os gaps que existem atualmente na contratação de mulheres negras no mercado de trabalho brasileiro.
Como um complemento dessa iniciativa, Caroline criou, também para o segmento empresarial, o programa Gestão Sem Preconceito. Durante 12 meses, a empreendedora trabalha a ampliação da consciência dos colaboradores e da liderança a respeito do tema, faz a intermediação entre a companhia e as mulheres da Rede Negras Plurais, acompanha o processo com auditorias e diagnósticos raciais, e, finalmente, instaura uma metologia de continuidade para que as funcionárias negras – contratadas por intermédio da rede ou não – tenham a oportunidade de crescer e se desenvolver profissionalmente. “O objetivo é que a empresa seja capaz de dar continuidade a todo esse processo sem depender de mim. Para isso, deixamos métodos estruturados e materiais prontos.”
Caroline consegue, ainda, incluir na sua rotina palestras, mentorias e workshops. Mais do que representação, ela quer representatividade. “Representação é quando alguém, de uma determinada minoria, aparece na televisão ou nas capas de revista. Mas é algo isolado, restrito. A representatividade vai muito além: significa ocupar espaços de decisão, ter o poder de mudar algo e influenciar outras pessoas a fazerem o mesmo.”
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