Luxemburgo é irrelevante para muitos, mas uma investigação apelidada de “OpenLux” mostra como este pequeno e secreto país europeu atraiu mais riqueza do que o PIB do Japão.
Por meio de estruturas fiscais favoráveis e registros de propriedade obscuros, Luxemburgo atraiu € 4,5 trilhões (US$ 5,4 trilhões) em fundos de investimento para o país. Mas com isso vem um sério risco de lavagem de dinheiro: até 80% desses fundos de investimento não declararam seus proprietários beneficiários.
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A análise do banco de dados da OpenLux pela Transparência Internacional encontrou “discrepâncias significativas” entre os proprietários beneficiários nomeados dos fundos de investimento. Por lei, esses proprietários devem ser registrados nas autoridades de Luxemburgo e, quando os negócios são feitos nos EUA, na SEC (Comissão de Valores Mobiliários, em português). Mas 15% “enviaram informações conflitantes”, diz o grupo de campanha, abrindo a porta para a lavagem de dinheiro.
O FBI teme que os fundos de investimento estejam sendo usados para lavagem de dinheiro em grande escala, de acordo com um boletim interno que vazou em maio do ano passado. A falta de verificações de combate à lavagem de dinheiro (AML) tornou mais fácil para os criminosos “integrar os rendimentos ilícitos ao sistema financeiro global lícito”, disse o documento.
Luxemburgo possui 16.777 fundos de investimento, que variam de capital de risco a gestão de ativos e fundos de hedge, que administram € 4,5 trilhões (US$ 5,4 bilhões). Gigantes dos EUA, incluindo Northern Trust, JPMorgan e Blackstone operam subsidiárias em Luxemburgo.
A capital bilionária da Europa
O valor total da riqueza offshore em Luxemburgo está perto de € 6 trilhões (US$ 7,2 trilhões), diz o “Le Monde”, que criou o banco de dados OpenLux.
A publicação francesa identificou riqueza pertencente a 266 bilionários em Luxemburgo, quase mais do que o número total de bilionários que vivem na União Europeia.
Entre eles estão políticos, famílias reais e celebridades, incluindo Tiger Woods, Shakira, Angelina Jolie e Brad Pitt e o Rei do Bahrein. A maioria deles possui empresas de fachada em Luxemburgo, por meio das quais possuem imóveis, jatos particulares, iates ou outros investimentos. A prática é perfeitamente legal e tem a vantagem adicional de discrição e um imposto mais baixo sobre os lucros.
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Por exemplo, em 2019, um bilionário indonésio, Sukanto Tanoto, usou uma empresa registrada em Luxemburgo para comprar um prédio de € 350 milhões (US$ 423 milhões) em Munique, de acordo com o Projeto de Relatórios de Crime Organizado e Corrupção (OCCRP), que colaborou no base de dados OpenLux. O nome do bilionário estava escondido atrás de empresas de fachada registradas em Luxemburgo, Ilhas Cayman e Singapura. Representantes da Tanoto foram abordados para comentar, mas não responderam antes da publicação deste artigo.
Outros indivíduos ricos, incluindo um ex-genro do ex-ditador da Tunísia Ben Ali e os filhos de oligarcas russos, usaram empresas luxemburguesas para comprar castelos franceses, vilas na Riviera e apartamentos parisienses, mostra o banco de dados OpenLux.
Mas algumas dessas empresas estão ligadas ao crime, afirma o OCCRP. Ele identificou empresas registradas em Luxemburgo com ligações ao petróleo venezuelano e ao clã italiano ‘Ndrangheta, que atualmente enfrenta o maior julgamento da máfia na Itália em 30 anos.
Luxemburgo aprovou uma lei em 2019 exigindo que as empresas publicassem os nomes de seus proprietários após pressão da União Europeia. Mas esses dados não são facilmente disponíveis e são difíceis de pesquisar, o que levou o “Le Monde”, o OCCRP e 16 outras organizações de mídia a criar o banco de dados OpenLux.
O governo luxemburguês afirma que não apenas o seu Registro de Proprietários Beneficiários Definitivos (UBO) está disponível publicamente, mas também foi um dos primeiros na Europa.
O país está em total conformidade com as leis aplicáveis da UE e internacionais, disse o governo em um comunicado respondendo às descobertas da OpenLux. “Nem a UE nem a OCDE identificaram qualquer regime fiscal prejudicial às práticas em Luxemburgo“, afirma o documento.
Vida no Grão-Ducado
Para um país com uma população de cerca de 600.000 habitantes e cuja existência foi questionada por Napoleão, o “Grão-Ducado”, como é oficialmente conhecido, está atraindo muita atenção.
O banco de dados OpenLux segue o escândalo “LuxLeaks” de 2014 quando as estruturas fiscais offshore da Amazon, Apple, Deutsche Bank e outras empresas foram expostas em documentos vazados da PwC Luxemburgo.
O escrutínio dos gigantes da tecnologia registrados em Luxemburgo só cresceu desde então. Em 2017, a Comissão Europeia decidiu que Luxemburgo concedeu benefícios fiscais ilegais para a Amazon no valor de cerca de € 250 milhões (US$ 301 milhões) em 2017. Agora, os governos do Reino Unido e da UE estão pressionando essas empresas de tecnologia a pagar mais impostos em seus próprios países.
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Luxemburgo nega que seja um paraíso fiscal, no entanto. “Luxemburgo não oferece um regime tributário favorável para empresas multinacionais, nem empresas digitais, que devem obedecer às mesmas regras e legislação que qualquer outra empresa em Luxemburgo“, disse o governo em um comunicado.
No entanto, agora há tanta atividade financeira em Luxemburgo que metade dos trabalhadores do país são estrangeiros, muitos tendo que se deslocar para trabalhar na França, Alemanha ou Bélgica.
O “Le Monde” estima que haja um quarto do número de empresas registradas no Grão-Ducado do que residentes, e um terço delas são propriedade de indivíduos não luxemburgueses.
Na maioria das vezes, eles são propriedade de cidadãos franceses, diz o jornal. Quase 15.000 residentes franceses ricos possuem empresas em Luxemburgo, que juntas valem pelo menos € 100 bilhões (US$ 121 bilhões) ou 4% do PIB da França, diz o relatório. “É quase como se Luxemburgo possuísse pequenos pedaços da França.”
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