Nas últimas décadas ganhamos quase 30 anos de expectativa de vida. É uma notícia fantástica: estamos cada vez vivendo mais. Mas, como estamos aproveitando os anos de vida que ganhamos? Infelizmente, parece que não muito bem.
A pandemia escancarou muitos problemas por que passam as pessoas da terceira idade, doenças crônicas, isolamento social e dificuldades financeiras. É o paradoxo da longevidade: todos desejamos o aumento da expectativa de vida, só que não basta viver mais. Queremos envelhecer com qualidade de vida. No entanto, será que longevidade e qualidade de vida são mesmo inversamente proporcionais? O que é necessário para termos uma vida longa, plena, com qualidade em todas as etapas?
Em conjunto com Denise Hills e Martin Iglesias, escrevi o livro “4 Dimensões de uma vida em equilíbrio” onde buscamos entender o que é necessário para que os anos que ganhamos sejam um bônus e não um ônus a ser suportado por nós e pela sociedade. Para tanto, delimitamos quatro dimensões da vida às quais chamamos de quatro capitais. São os quatro capitais de uma vida que vale a pena ser vivida: o capital físico, o social, o intelectual e o financeiro.
O capital físico é o de mais simples compreensão. Sabemos que as grandes vilãs da longevidade saudável são as doenças crônicas: problemas cardiovasculares, hipertensão, câncer, doenças respiratórias e diabetes. A principal conclusão é que a eliminação dessas doenças aumentaria a expectativa de vida livre de incapacidades.
Mas, como eliminar esses problemas de saúde? As doenças crônicas podem ser adiadas ou prevenidas com a adoção de um estilo de vida saudável – evitando sobrepeso, tabagismo e sedentarismo, stress crônico, consumo excessivo de álcool, alimentação desequilibrada e privação do sono. Fácil de entender; difícil de praticar.
Até porque o conceito de velhice saudável não significa apenas ausência de doenças. Passa também por independência e autonomia. É o que a Organização ao Mundial da Saúde define como envelhecimento ativo.
Independência e autonomia estão diretamente ligadas aos outros capitais. Muito diretamente ao capital social, que é a capacidade de manter um relacionamento próximo e prazeroso com a família e com os amigos. Quem chega a terceira idade com elevado capital social consegue manter antigos e cultivar novos relacionamentos. O fato é que pessoas com baixo capital social acabam ficando isoladas ou são um peso para as pessoas próximas. Para sermos autônomos precisamos ter capacidade de nutrir relacionamentos gratificantes com as pessoas ao nosso redor.
O terceiro capital é o intelectual que define a capacidade de nos relacionarmos com as mudanças do mundo ao nosso redor. Hoje muitas pessoas com 70 anos interagem bem com a tecnologia, utilizam com tranquilidade tablets e gadgets no dia a dia, fazem operações bancárias online, tem facilidade com redes sociais e sabem se manter conectadas com família e amigos através de recursos tecnológicos de comunicação. Enfim, elas têm interesse em utilizar novidades tecnológicas tanto na vida pessoal quanto em duradouras carreiras profissionais. Tudo isto, que já era importante, ganhou extrema relevância com a pandemia.
Uma pessoa com elevado capital intelectual chega a terceira idade na condição de profissional disputado, seja para trabalhos remunerados ou voluntários. É o caso de muitos executivos da atualidade que já passaram dos 60 anos e hoje definem os desafios que terão em novas carreiras – focadas muitas vezes em seus hobbies descobertos ao longo da vida.
Mas não é só a tecnologia que muda. Muitas pessoas têm dificuldade em conviver com as mudanças sociais, em aceitar alterações nas regras de convívio social e os comportamentos das novas gerações. Acabam sendo tachadas como ícones do saudosismo. Como podemos ter um envelhecimento ativo, ser autônomos e independentes se não tivermos aptidão para nos relacionarmos com o mundo ao nosso redor?
Nada define melhor uma pessoa com baixo capital intelectual do que a frase: “No meu tempo.”. Ora, se alguém está vivo o seu tempo é hoje. Outro indicador de baixo capital intelectual são os preconceitos, de todas as formas. Ao contrário, pessoas de elevado capital intelectual são receptivas, abertas e civilizadas.
Independência presume também a capacidade de se sustentar e de tomar decisões por conta própria. O capital financeiro trata da independência financeira, no qual não importa o montante absoluto de reservas. Mas, sim, a capacidade de a pessoa viver de forma satisfatória com o que tem, segundo seus próprios parâmetros. Ou seja, mesmo quem acumula muitos ativos ao longo da vida pode não viver de forma satisfatória, caso tenha a expectativa de um padrão de vida mais elevado do que seu patrimônio consegue sustentar. Por outro lado, quem tiver pouco conseguirá viver bem, caso viva dentro do seu orçamento e o considere suficiente. Portanto, tome muito cuidado para não tornar seu estilo de vida excessivamente caro.
Seria muito bom se pudéssemos estar o tempo todo com os quatro capitais em perfeito equilíbrio, mas a vida não é assim. Precisamos ser como aqueles artistas que equilibram pratos: Eles constantemente observam o prato que está com menos velocidade e dão pequenos impulsos para que volte a rodar. Sabem que nem todos os pratos estão em perfeita sincronia, mas não deixam nenhum deles cair.
É o que fazemos quando precisamos deixar a carreira um pouco de lado para nos dedicarmos mais a família. Ou, quando acabamos descuidando da saúde para fazer sobrar tempo para o trabalho. São desequilíbrios passageiros e naturais. O que não podemos fazer é deixar um dos quatro capitais totalmente de lado. Pode ser que quando recobrarmos a atenção, ele já esteja no chão, espatifado.
E, para alcançar a longevidade com cada um desses capitais em boa situação, há algumas influências a considerar. A primeira é referente ao que já recebemos pronto: a influência dos nossos pais, a nossa genética, a educação básica que tivemos, os relacionamentos que mantivemos e se ganhamos herança financeira ou não.
A segunda é o que é regido pela sorte ou acaso – também conhecido como roda da fortuna ou, para quem acredita, destino. Mesmo pessoas quem mantêm hábitos extremamente saudáveis e não tem problemas genéticos podem ser vítimas de doenças ou de acidentes. Quem cuida muito bem do capital financeiro pode sofrer infortúnios que ultrapassem sua capacidade de planejamento e previsão. Até mesmo alguém que possui grande capital social pode vê-lo ruir após tomar pequenas decisões equivocadas ou situações como a pandemia atual que força o isolamento social. O capital intelectual pode sofrer com drásticas mudanças no cenário político, econômico ou tecnológico.
A terceira é ditada por nossas próprias decisões ao longo dos anos. É a forma como nos comportamos frente a nossas heranças e ao acaso. Como encaramos os desafios e oportunidades que a vida nos apresenta influencia no que somos e no que seremos ou não na velhice. É a única influência que está sob nosso controle.
A vida pode nos dar e tirar muitas coisas. Só não pode nos tirar a vontade de levantarmos após uma queda, com a cabeça erguida e com coragem para tentar mudar o mundo.
Jurandir Sell Macedo Jr é doutor em finanças comportamentais, professor universitário e, desde 2003, ministra na Universidade Federal de Santa Catarina a primeira disciplina de finanças pessoais do Brasil. É autor de inúmeros livros sobre educação financeira e tem pós-doutorado em psicologia cognitiva pela Université Libre de Bruxelles. Instagram @jurandirsell E-mail [email protected]
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