No mês passado, os cofundadores do Dafiti Group anunciaram sua saída da empresa após uma década à frente do negócio e um faturamento de R$ 3,4 bilhões em 2020, 31% maior do que no ano anterior. O brasileiro Philipp Povel, natural da cidade de São Paulo, e o alemão Malte Huffmann, nascido em Hamburgo, ambos de 38 anos, CEO regional e diretor geral, respectivamente, permanecerão no grupo até o fim deste mês, quando a transição para a nova gestão deve ser finalizada.
“O Dafiti Group tem sido parte importante de nossas vidas durante a última década, mas sentimos que é tempo de focar nas nossas questões pessoais, nas nossas famílias e, principalmente, nos nossos filhos”, diz Povel, pai de um menino e de uma menina. Para Huffmann, que também tem dois filhos, liderar a companhia ao longo de todo esse tempo e contribuir para a concepção do ecossistema de moda online em uma das regiões mais dinâmicas do mundo foi um privilégio. “A decisão de sair da liderança da empresa não foi fácil. Entretanto, nós temos uma satisfação enorme em saber que estamos deixando um negócio que nunca esteve tão forte e próspero, posicionado para aproveitar o potencial de crescimento que existe no setor de e-commerce de moda e lifestyle na região”, diz, garantindo que nenhum dos dois vendeu sua parte na companhia.
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O executivo sabe do que está falando. O e-commerce, no geral, segue em expansão em todo o mundo, principalmente depois da pandemia de Covid-19, e o Brasil é uma potência nesse quesito. No ano passado, o país registrou um crescimento de 73,88% nas vendas online em comparação a 2019, segundo o índice MCC-ENET, desenvolvido pelo Comitê de Métricas da Câmara Brasileira da Economia Digital (camara-e.net) em parceria com o Neotrust — Movimento Compre & Confie. Apenas para efeito de comparação, o comércio eletrônico norte-americano cresceu 32,4% em 2020, segundo a e-Marketer.
O Dafiti Group, no entanto, garante estar preparado para o desafio. Em comunicado enviado à Forbes, a companhia confessou que é um desafio comentar o papel que Povel e Huffmann desempenharam na liderança do negócio e suas contribuições para todo o Global Fashion Group – varejista online europeu proprietário do DG.
“A falta deles será sentida por todo o GFG e, em particular, pelo time e pelo negócio na América Latina, nos quais eles investiram suas energias por mais de uma década. Somos gratos aos dois não apenas pela força da operação que deixam, mas também pela integridade, perspicácia estratégica e dedicação que caracterizaram suas lideranças”, diz a mensagem. Mas, segundo o grupo, essas qualidades estão refletidas no time de líderes que, a partir de agora, vai conduzir o negócio. Nele, está Sergio Silvestre, CFO e COO que assumirá, ainda neste mês, como CEO interino até a chegada do nome definitivo – que, segundo a companhia, deve ser anunciado em breve. “Silvestre vem atuando junto à liderança nos últimos cinco anos e, recentemente, conduziu a viabilidade do LEAP, o novo centro de distribuição automatizado no Brasil, a maior instalação do setor na América Latina”, diz Christoph Barchewitz, coCEO do GFG.
Povel, no entanto, não deve se afastar definitivamente. Na próxima reunião anual do conselho, em maio, seu nome pode ser aprovado como conselheiro. Nenhum deles, no entanto, revela quais serão os próximos passos para além do DG. “Vamos continuar investindo em startups pelo mundo. Mas, a princípio, vamos descansar, analisar o mercado e pensar na criação de um novo negócio”, diz o brasileiro. Huffmann, como bom estrategista, diz que quer descansar, mas não parar. “É momento de relaxar e de sondar. Mas, uma vez empreendedor, sempre empreendedor. Em breve teremos algo bom para anunciar”, completa.
O INÍCIO
Philipp Povel e Malte Huffmann se conheceram aos 28 anos, enquanto cursavam administração na Universität zu Köln, na cidade de Colônia, na Alemanha. Juntos, criaram, em 2009, um pequeno e-commerce, que logo foi adquirido por uma empresa alemã que os transformou em funcionários: Huffmann foi destacado para o setor financeiro, enquanto Povel ficou à frente do marketing.
Numa época em que o comércio eletrônico estava muito longe de ser o que é hoje – o faturamento mundial não chegava a US$ 2 bilhões -, a dupla já vislumbrava o potencial das vendas pela internet, que só em 2020 somaram R$ 23,8 trilhões em todo o mundo, de acordo com dados do relatório Webshoppers, e começou a estudar o mercado em busca de novas oportunidades de empreender.
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Em meados de 2010, os dois desembarcaram em São Paulo com uma ideia na cabeça: fazer algo parecido com a empresa criada na Alemanha, de preferência baseada em modelos que já funcionavam na China, nos Estados Unidos e em alguns lugares da Europa. Por aqui, a Netshoes já prestava esse tipo de serviço, mas apenas com produtos esportivos. Algumas conversas com investidores e muita pesquisa de mercado depois, nasceu a Dafiti, com foco na venda de coleções e produtos de moda.
Segundo os empreendedores – que contavam, ainda, com os sócios Malte Horeyseck (alemão) e Thibaud Lecuyer (francês), que deixaram o negócio posteriormente -, o início foi desafiador, mas eles acreditaram no sonho e nas perspectivas. “Tínhamos um bom plano e estruturamos a empresa em uma velocidade jamais vista no Brasil. Em maio de 2011, apenas quatro meses depois do lançamento do site, já faturávamos mais de R$ 10 milhões por mês. Tudo com operação própria. Fomos uma das startups com maior crescimento do mundo na ocasião. Estávamos no lugar certo, na hora exata.”
Em 2012, o faturamento da empresa – que contou com investimentos de R$ 50 milhões da incubadora europeia Rocket Internet – já batia cerca de R$ 1 milhão por dia. A expansão era inevitável: três novos escritórios foram inaugurados na Argentina, Chile e Colômbia para atender o mercado internacional. “Tivemos que assimilar, muito rápido, que aquilo que tínhamos sonhado estava acontecendo. Foi uma experiência incrível. A gente teve aqui, no Brasil, uma oportunidade muito grande. Mas havia o receio de que aparecesse alguém que pensasse como a gente e fizesse algo parecido. Por isso, fomos para a televisão, e começamos a investir em propaganda. Trabalhamos muito, e com agilidade, para que não nos alcançassem”, conta Huffmann.
Em 2014, a Dafiti passou a integrar o grupo internacional de e-commerces de moda em mercados emergentes, o GFG, que inclui outras três plataformas – Lamoda (Rússia), The Iconic (Oceania) e Zalora (Sudeste da Ásia e Austrália) -, e abriu capital na bolsa de valores de Frankfurt, na Alemanha, em 2019. Em julho de 2015, houve a fusão com os varejos online brasileiros Kanui, de esportes radicais e estilo de vida masculino, e Tricae, de produtos infanto-juvenis, e as empresas passaram a operar sob o nome de Dafiti Group.
LIÇÕES E LEGADOS
Engana-se, no entanto, quem pensa que não houve percalços no caminho. “Várias questões macroeconômicas causaram dificuldades, como a desvalorização do real. Além disso, cometemos erros – muito menos do que acertos, é verdade. Mas éramos muito jovens, com pouca experiência em gestão. Fizemos contratações e até estratégias que não foram bem-sucedidas”, diz o Povel, lembrando das reuniões. “Elas eram cercadas de desconfiança. Tomávamos decisões ousadas e isso assustava as pessoas. Mas tínhamos objetivos e desafios e queríamos chegar lá. Fomos aprendendo no dia a dia.”
Hoje, os cofundadores se dizem realizados com os rumos tomados pela empresa. Para eles, o trabalho deixa de ser uma obrigação quando se ama o que faz. “Não importa se é fim de semana ou feriado, o prazer é o mesmo. Foi uma década sensacional. Algo que faz parte das nossas vidas”, disse Povel. Huffmann concorda. “No dia a dia é uma luta constante, mas considero importante olhar para tudo aquilo que realizamos e para o time que formamos. Somos gratos por tudo que construímos com a ajuda dessas pessoas.”
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Ambos concordam que deixaram um legado significativo: o Dafiti Group emprega, atualmente, 4.000 pessoas em quatro países e registrou, no ano passado, mais de 7,7 milhões de clientes ativos. E também que aprenderam muito. Para Povel, por exemplo, o gerenciamento de equipes e uma boa gestão de pessoas ajudam – e muito – na criação de empresas. Já para Huffmann, a experiência com a transformação digital teve um peso importante. Para ele, a digitalização, que está atualmente na agenda de quase todas as empresas do mundo, é essencial para entender a evolução das vendas online, uma categoria que abrange muitas dimensões do negócio.
“Tínhamos o conhecimento em marketing digital e analytics desde o primeiro dia em função da nossa experiência na Alemanha. Isso foi uma grande vantagem para nós no início. Fomos um dos primeiros a anunciar em grande escala com o Facebook e a usar o Retargeting – uma função do Google Ads pela qual um visitante acessa o seu site -, no Brasil. Nossa cultura é construída sobre valores importantes, como foco na experimentação e em dados. Adotamos conceitos ágeis, com equipes organizadas. Tudo isso nos possibilitou ficar à frente da curva durante os últimos 10 anos”, diz Huffmann.
Quando perguntados sobre que conselhos dariam aos novos empreendedores, a dupla aposta na ousadia e na confiança naquilo que se faz. Além disso, o medo deve ser substituído pela persistência. “É preciso, ainda, ter uma ideia clara do seu negócio, do seu público-alvo, do cliente. E dar um gás, correr atrás, pois o mercado é bem competitivo”, diz Huffmann. Povel vai além: uma boa equipe é imprescindível. “Não dá para economizar em time ruim. O ideal é ter pessoas talentosas, como fizemos na Dafiti. Juntar talento e esforço é a receita para o sucesso.”
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