Número recorde de IPOs na Bolsa brasileira, onda de ciberataques e bancos centrais planejando suas moedas digitais: os seis primeiros meses deste ano foram bastante movimentados, e não apenas por causa da segunda onda da Covid-19.
Os principais acontecimentos do semestre mostraram que as redes sociais e o mercado financeiro estão mais interligados do que alguns players gostariam de admitir. Tuítes de Elon Musk sobre criptomoedas fizeram os ativos disparar e depois despencar. Investidores “justiceiros” usaram redes sociais para planejar movimentos de compra em massa de ações desacreditadas pelos especialistas. Memes se transformaram em NFTs e foram vendidos como obras de arte, criando um mercado que decaiu tão rápido quanto cresceu.
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E o que parecia mais um vídeo viral de humor se transformou num dos maiores pesadelos logísticos: um navio porta-contêineres encalhou no Canal de Suez e afetou o transporte global de bens e serviços durante quase uma semana.
A Forbes Money listou alguns episódios que marcaram essa temporada e que ainda podem influenciar os rumos do mercado:
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NurPhoto/GettyImages Ações meme
As “ações meme” se tornaram populares em janeiro deste ano, quando investidores do varejo norte-americano reunidos no grupo “WallStreetBets”, da rede social Reddit, organizaram-se para comprar ações de companhias enfrentando dificuldades, como a GameStop, a BlackBerry e a AMC.
O caso mais popular foi o da GameStop. Nas primeiras semanas do ano, um grupo de usuários da rede social Reddit se uniram para desafiar alguns fundos de hedge e impulsionar os ativos da empresa. A GameStop aluga jogos para videogames e enfrentava dificuldades de manutenção do negócio, com planos de fechar cerca de 420 lojas pelo mundo. Com base nos resultados dos meses anteriores, os fundos apostavam no recuo no preço dos ativos. No entanto, os integrantes do “WallStreetBeats” fizeram o papel se valorizar em 881% apenas em dezembro, provocando um short-squeeze e prejudicando a aposta dos tubarões do mercado.
Inspirados nesse movimento, os investidores brasileiros se uniram na mesma semana pelo aplicativo de troca de mensagens Telegram em um grupo chamado “Short Squeeze IRB”. O intuito era realizar uma compra coletiva dos papéis do IRB Brasil, uma empresa especializada em resseguros e uma das maiores brasileiras no segmento.
A CVM (Comissão de Valores Mobiliários) alertou sobre as atuações que podem influenciar a Bolsa, e lembrou que o chamado “squeeze” é uma forma de manipulação do mercado.
Nigel Green, CEO da consultoria Devere Group, comentou à Forbes no início de junho que “há uma certa mentalidade de ‘justiceiros’ nesses investidores que são puxados por esse frenesi das redes sociais para elevar o preço de determinadas ações”, acrescentando que “uma extrema cautela deve ser exercida antes de se juntar a movimentos dessa natureza.” -
Gremlin/GettyImages NFTs
Entre 1º de abril de 2018 e 1º de junho deste ano, foram vendidos 220 mil NFTs pelo mundo, que movimentaram cerca de US$ 634 milhões, segundo a Crypto Art. O modelo de negócio ficou famoso após a notícia de que o artista norte-americano Michael Winkelmann, mais conhecido como Beeple, vendeu por US$ 69 milhões o seu NFT “Everydays: The First 5000 Days” e deixou o mercado de arte digital eufórico.
As grandes transações financeiras envolvendo os NFTs só são possíveis por conta do blockchain, tecnologia que registra e valida transações feitas em criptomoedas, como o bitcoin e o ethereum, por meio de uma rede descentralizada. Ao utilizar esse grande “cartório virtual”, artistas e entusiastas geram tokens, uma espécie de “carimbo” codificado, que identifica um artigo digital, seja ele uma obra, uma música ou até mesmo um meme, como único e original.
Entre os meses de abril e maio, no entanto, a Crypto Art registrou recuo de cerca de 97% nas vendas.
No Brasil, o primeiro NFT comercializado foi um tuíte do perfil humorístico @OCriador, que simula ser Deus nas redes sociais. A postagem foi adquirida em abril deste ano por um norte-americano que pagou 0,0265 ETH, o equivalente a R$ 368,50.
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Ueslei Marcelino/Reuters -
Joe Skippe/Reuters Tuítes de Elon Musk
O cofundador da Tesla Elon Musk com certeza conseguiu provar sua capacidade de mover mercados. O empresário gerou uma disparada nos preços do bitcoin após colocar uma simples hashtag em sua bio no Twitter: “#bitcoin”. Duas semanas depois da publicação, a criptomoeda mais negociada do mundo subiu 10%, para US$ 36 mil. Na máxima, chegou a US$ 38 mil. Em fevereiro, o dogecoin valorizou quase 68% após o bilionário tuitar sobre a moeda digital, que é representada pela figura de um meme popular da internet. Sua cotação saltou 67,99% para US$ 0,05, de acordo com dados da Coindesk.
No mesmo mês, a montadora de carros Tesla anunciou a compra de US$ 1,5 bilhão em bitcoins e comunicou à Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos (SEC, na sigla em inglês) que poderia começar a aceitar a criptomoeda como forma de pagamento por seus produtos “em um futuro próximo”. Como consequência, a moeda digital avançou mais de 10% no mesmo dia, chegando a US$ 43 mil.
Mas a influência de Musk não se resume às criptomoedas. No início de junho, as ações da Samsung Publishing, uma dos maiores acionistas da empresa produtora do vídeo viral “Baby Shark”, subiram mais de 10% após um tuíte de Musk em resposta ao vídeo do programa norte-americano South Park, afirmando que “Baby Shark supera tudo”. No fechamento, os papéis avançaram 6,3% de alta.
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Vertigo3D/GettyImages A queda das criptos: gasto de energia do bitcoin
Após se tornar pivô da volatilidade no universo das criptomoedas, Elon Musk afirmou em maio que a Tesla não iria mais aceitar o bitcoin como meio de pagamento devido à quantidade excessiva de energia necessária para concluir as transações da moeda digital. A China é atualmente responsável por 70% da mineração do bitcoin no mundo – em 2019, cerca de 85% da energia gerada no país era proveniente de combustíveis fósseis. Após o anúncio, os preços do bitcoin despencaram no Brasil e no exterior.
De acordo com a Universidade de Cambridge, apenas no dia 10 de maio, a mineração de BTC utilizou cerca de 148 mil gwh (gigawatt-hora) ao redor do mundo, o que, segundo o levantamento da Engie, representa aproximadamente o total de energia consumido no Brasil durante três meses e meio.
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Dado Ruvic/Reuters A queda das criptos: regulamentação na China
Ainda sob pressão de uma série de tuítes do presidente-executivo da Tesla, o bitcoin desvalorizou mais após a China impor novas restrições em transações envolvendo criptomoedas. A divisa caiu quase 40% (de uma alta recorde de US$ 64.895 alcançada em 14 de abril), e seu tombo afetou outros ativos digitais, como o ether e o dogecoin.
Pequim também alertou investidores sobre a negociação especulativa com criptomoedas.
Em junho, o bitcoin foi negociado abaixo de US$ 30 mil pela primeira vez em quase cinco meses, pressionado por uma nova campanha do governo da China contra o setor de criptomoedas. O banco central chinês solicitou aos maiores bancos e empresas de pagamento do país uma fiscalização com mais firmeza no comércio de criptomoedas.
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Reprodução/Forbes Bitcoin: El Salvador
Em 9 de junho, El Salvador se tornou o primeiro país do mundo a adotar formalmente o bitcoin. A decisão foi aprovada após o Congresso votar uma lei que classifica a criptomoeda como um contrato legal. O presidente Nayib Bukele afirmou que espera que a iniciativa impulsione o investimento estrangeiro, melhore a inclusão financeira e gere empregos. A moeda deve ser legalizada 90 dias após a aprovação, o que significa que todas as empresas devem aceitar o token para bens e serviços, além do dólar americano.
A votação representa um marco importante na história monetária e pode ser um fator decisivo para os negócios em todo o mundo. O apoio de um país também pode contribuir para dissipar o ceticismo sobre a utilidade e aceitação do bitcoin a longo prazo. Os planos de El Salvador, no entanto, podem interferir nas ambições que o país tem com o FMI (Fundo Monetário Internacional), onde busca empréstimos da ordem de US$ 1 bilhão.
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Gonzalo Fuentes/Reuters Reaberturas econômicas
Depois de mais de um ano de pandemia, os Estados Unidos e o Reino Unido anunciaram a reabertura do comércio e a flexibilização das restrições impostas pela Covid-19.
Em 13 de maio, o CDC (Centro de Controle de Prevenção e Doenças) alterou sua posição e deixou de recomendar o uso de máscaras e o distanciamento social a pessoas 100% imunizadas, depois de duas semanas da segunda dose da vacina.
Na mesma semana, o Reino Unido anunciou a terceira etapa de afrouxamento do lockdown e autorizou a reabertura de teatros, salas de concerto e estádios esportivos, e a retomada do atendimento a clientes dentro de bares e restaurantes, entre outras medidas.
No Brasil, o banco UBS disse que a normalização das atividades econômicas deveria ocorrer “no mais tardar” em outubro, a partir de análise de dados do Ministério da Saúde. No dia 13 de junho, o governador de São Paulo, João Doria, anunciou que até 15 de setembro todos os adultos de São Paulo já terão recebido a primeira dose da vacina.
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David Gray/Reuters Valorização das commodities e repressão à manipulação de preços pela China
Observando flutuações anormais nos preços das commodities, a China decidiu fortalecer o controle de preços sobre minério de ferro, cobre, milho, e outros produtos importantes em seu 14° plano quinquenal, que cobre o período entre 2021 e 2025. O país também reforçou o monitoramento e as análises sobre preços de petróleo, gás e soja, ajustou os níveis de preço-alvo do algodão, e manteve a política do preço mínimo de compra para arroz e trigo.
O regulador bancário chinês também pediu a instituições financeiras que deixassem de vender produtos de investimento ligados a futuros de commodities a pequenos investidores de varejo, a fim de evitar perdas causadas pela volatilidade dos preços.
As oscilações observadas foram impulsionadas pela recuperação da demanda pós-pandemia, pela grande liquidez global e por negociações especulativas. Em maio, os preços ao produtor no país avançaram no ritmo anual mais acelerado em mais de 12 anos.
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iStock/GettyImagesPlus Listagem de IPOs na B3
Só no primeiro semestre de 2021, o mercado de capitais brasileiro registrou quase o mesmo número de IPOs de todo o ano de 2020: segundo dados da B3, foram 27 operações no período (sem considerar ofertas restritas, follow-ons e ofertas de BDRs), enquanto durante todo o ano de 2020 foram 28 estreias na Bolsa. Ainda assim, o número poderia ter sido bem maior, tendo em vista que ao menos 35 ofertas foram suspensas ou canceladas.
Após uma janela de pausa, mais empresas retomaram seus pedidos de abertura de capital recentemente, entre elas Multilaser, Smart Fit e Havan. A queda do dólar, a normalização da Selic e a chegada das vacinas foram alguns dos aspectos que contribuíram para o cenário mais otimista.
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Reuters Ciberataques
As empresas de capital aberto tornaram-se o principal alvo de ciberataques ao redor do mundo neste ano. Até o dia 14 de maio, essas companhias haviam pago mais de US$ 81 milhões em ransomware.
A subsidiária da brasileira JBS nos Estados Unidos foi vítima de um ciberataque que resultou em um pagamento de US$ 11 milhões em bitcoins. A norte-americana Colonial Pipeline, que opera um dos maiores oleodutos do país, desembolsou US$ 5 milhões para recuperar o acesso aos softwares que controlam seus dutos.
No Brasil, o sistema do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul foi invadido, gerando a suspensão dos prazos de 75% dos seus processos judiciais e administrativos. A quantia pedida pelo resgate não foi revelada. Empresas de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica, como a Copel e a Eletronuclear, também foram afetadas, embora infraestruturas relacionadas aos serviços de energia tenham permanecido intactas.
Segundo Bruno Giordano, CSO (Chief Security Officer) da empresa de tecnologia Ativy, a escolha por empresas de capital aberto decorre da obrigatoriedade de transparência que essas organizações possuem com seus stakeholders, exigindo que elas tornem público qualquer incidente de segurança. Como consequência da divulgação dos ataques, os papéis das companhias chegam a cair aproximadamente 8,6%, dependendo da gravidade e complexidade do incidente.
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Reuters Canal de Suez
No dia 23 de março, um navio porta-contêineres de 400 metros de comprimento encalhou no Canal de Suez, principal rota de comércio entre a Ásia e a Europa, obstruindo completamente a passagem e criando um grande revés para o comércio global. A partir do dia 25, as autoridades proibiram a entrada de novas embarcações no canal, enquanto um time de resgate entrou em ação. Um total de 156 navios porta contêineres, petroleiros e graneleiros tiveram que recuar.
O incidente foi causado por ventos fortes e uma tempestade de areia, segundo a agência que administra o canal.
O bloqueio agravou os prejuízos ao comércio mundial causados pela Covid-19, gerando cancelamento de fretes, escassez de contêineres e lentidão na movimentação nos portos. Os custos de fretes de navios-tanque com derivados de petróleo dispararam e impactaram várias cadeias de suprimento globais, de grãos a roupas de bebê, por exemplo.
O Canal foi finalmente reaberto no dia 29, quando mais de 400 navios aguardavam para cruzar a rota. No dia seguinte, os preços do petróleo recuaram – o Brent, referência para a Petrobrás, caiu 1,29%. Cerca de 5% do petróleo bruto do mundo passa pelo canal.
Ações meme
As “ações meme” se tornaram populares em janeiro deste ano, quando investidores do varejo norte-americano reunidos no grupo “WallStreetBets”, da rede social Reddit, organizaram-se para comprar ações de companhias enfrentando dificuldades, como a GameStop, a BlackBerry e a AMC.
O caso mais popular foi o da GameStop. Nas primeiras semanas do ano, um grupo de usuários da rede social Reddit se uniram para desafiar alguns fundos de hedge e impulsionar os ativos da empresa. A GameStop aluga jogos para videogames e enfrentava dificuldades de manutenção do negócio, com planos de fechar cerca de 420 lojas pelo mundo. Com base nos resultados dos meses anteriores, os fundos apostavam no recuo no preço dos ativos. No entanto, os integrantes do “WallStreetBeats” fizeram o papel se valorizar em 881% apenas em dezembro, provocando um short-squeeze e prejudicando a aposta dos tubarões do mercado.
Inspirados nesse movimento, os investidores brasileiros se uniram na mesma semana pelo aplicativo de troca de mensagens Telegram em um grupo chamado “Short Squeeze IRB”. O intuito era realizar uma compra coletiva dos papéis do IRB Brasil, uma empresa especializada em resseguros e uma das maiores brasileiras no segmento.
A CVM (Comissão de Valores Mobiliários) alertou sobre as atuações que podem influenciar a Bolsa, e lembrou que o chamado “squeeze” é uma forma de manipulação do mercado.
Nigel Green, CEO da consultoria Devere Group, comentou à Forbes no início de junho que “há uma certa mentalidade de ‘justiceiros’ nesses investidores que são puxados por esse frenesi das redes sociais para elevar o preço de determinadas ações”, acrescentando que “uma extrema cautela deve ser exercida antes de se juntar a movimentos dessa natureza.”
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